O apelido do líder parlamentar socialista permitiu esta semana as mais variadas referências clássicas, desde a “mulher de César” até ao “cavalo de Calígula” (Gaio César, dito Calígula). Não quero perturbar a alegria dos comentários sobre a alegada frequência com que os contribuintes têm sido chamados a sustentar os parentes do Dr. Carlos César. Mas interessa-me sobretudo o que esta história diz do regime e das chamadas “reformas estruturais”.

Em Portugal, não são apenas umas quantas famílias que vivem do Estado, ou para ser mais exacto, da capacidade do Estado para extrair rendas à sociedade. São os partidos, financiados pelos contribuintes; são empresas, com rendas asseguradas; são classes profissionais, com empregos, rendimentos e garantias dependentes do Estado; são até gerações, com pensões para que nunca descontaram – são, enfim, todos aqueles que, de um modo ou outro, adquiriram posições, estatutos e rendimentos que só podem ser explicados pela sua relação com o poder político ou pelo interesse deste em criar uma relação clientelar com eles.

Quando esses indivíduos ou grupos admitem que no “privado” ou no “mercado” não obteriam os lugares e proventos de que beneficiam graças ao Estado, fazem-no geralmente para sublinhar as insuficiências do “privado” ou do “mercado”, uma vez que estão convencidos da justiça ou da utilidade dos favores de que gozam. Mas descodifiquemos o “privado” e o “mercado”. Se concebermos o “privado” como consistindo nas relações entre os cidadãos sem a intermediação directa do poder político, e o “mercado” como abrangendo as múltiplas escolhas dos cidadãos dentro da lei, então o que os favoritos do poder estão a reconhecer é que os seus concidadãos não lhes dariam o emprego, nem lhes garantiriam o rendimento, sem a coacção do Estado.

Não estou a dizer que a sociedade está sempre certa. Muitas vezes não está. Mas em geral, paga pelo que faz. Um empresário pode criar um emprego desnecessário para um parente incapaz, mas a conta é sua. Os titulares do poder político, além de também errarem, têm os meios de fazer pagar pelos outros as suas opções. Quando um político dá um emprego ou legisla uma vantagem a favor de um grupo ou de uma empresa, é a sociedade que terá de suportar o custo do emprego ou do privilégio.

O problema maior da sociedade portuguesa, neste momento, é este: uma grande massa de indivíduos, organizações e grupos de interesse de todo o tipo (sindicais, empresariais, corporativos, partidários, etc.) usam a sua relação com o poder político para imporem à sociedade os custos de posições, estatutos e rendimentos, que não são verdadeiramente sustentáveis ou não geram qualquer benefício, a não ser para os próprios. A sociedade portuguesa, se fosse um atleta numa prova de velocidade, estaria a competir com uma enorme bola de ferro chumbada a um pé.

As chamadas “reformas estruturais” visam diminuir essa carga, de forma a baixar os custos de viver, trabalhar e investir em Portugal. Os oligarcas resistem, não apenas porque muitos têm interesse directo na actual situação, mas porque não conseguem imaginar outra relação com a sociedade, senão através de uma massa de clientes, a quem favorecem e de quem depois esperam, em troca, uma boa votação e uma boa opinião. Tem sido esta, aliás, a filosofia do presente governo. É por isso que a árvore dos Césares, por mais curiosa que seja, não deve esconder a floresta.

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