O primeiro-ministro anunciou que o défice público de 2017 será inferior a 1,2% do PIB e o Conselho das Finanças Públicas divulgou na terça-feira o seu relatório sobre a evolução das finanças públicas até Setembro que vai no mesmo sentido: será inferior aos 1,4% oficialmente previstos. Estamos paralelamente a assistir a uma redução nominal da dívida. Tem diminuído desde Agosto de 2017, quando atingiu o pico de 250 mil milhões de euros. O que permitiu a António Costa também dizer que a dívida em percentagem do PIB não ultrapassará os 126,2%.

Entre Agosto e Novembro a dívida caiu cerca de 7,5 mil milhões de euros, o que reflecte amortizações antecipadas e alguma redução dos depósitos (1,8 mil milhões de euros em Novembro). Em Novembro foi feito mais um pagamento ao FMI (mil milhões de euros o que significa que já se pagou 80% do empréstimo do Fundo) e em Outubro foi amortizado um financiamento em obrigações no montante de seis milhões. Em suma, estamos a conseguir reduzir efectivamente a dívida – não apenas em percentagem do PIB -, embora uma parte, ainda que pequena, seja reflexo da quebra de depósitos. O gráfico de descida da dívida é bastante impressionante.

Temos todas as razões para estar satisfeitos com a evolução das contas públicas. Mas a questão que se coloca é: será esta correcção das contas suficiente para nos proteger da próxima crise? No seu discurso como presidente do Eurogrupo, Mário Centeno disse: “temos de nos preparar para a próxima crise”. Afirmou-o no contexto das reformas que a Área do Euro tem de fazer. Temos de nos perguntar se Portugal (também) está a preparado ou a preparar-se para enfrentar a próxima crise, que sabemos que acontecerá, só não sabemos quando.

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A resposta simples é “não, não estamos preparados” para enfrentar no curto prazo uma recessão ou crédito a taxas de juro mais elevadas. Ou seja, se ocorrer uma crise no curto prazo corremos o sério risco de ter de adoptar medidas tão brutais como aquelas que foram concretizadas na era da troika. Estamos a falar de cortes nos salários dos funcionários públicos e nas pensões de reforma assim como, consequência da recessão, um aumento do desemprego e uma destruição de postos de trabalho inéditos.

Hoje estamos a atingir recordes positivos – o mais baixo défice da democracia, o maior crescimento desde a adesão ao euro. No passado recente atingimos “recordes negativos”. E embora a economia não seja conhecida pela regra dos efeitos simétricos, vale a pena pensar o que é que, nestes recordes das finanças públicas, se deve ao efeito simétrico mas pela positiva daquilo que aconteceu na era da troika.

Agarremos em alguns números, usando como fonte o último relatório do Conselho de Finanças Públicas (dados de Janeiro a Setembro). As contas públicas registaram um défice historicamente baixo (0,3% do PIB), com um saldo excedentário historicamente elevado quando se retiram as despesas com juros (mais 3,6% do PIB) e ainda com a vantagem destes resultados estarem a ser atingidos com um peso muito reduzido de medidas temporárias.

Como é que estes resultados estão a ser obtidos? Graças fundamentalmente à receita. A receita total das administrações públicas aumentou 5,5% e a despesa caiu 0,4%. E a evolução das receitas é explicada em dois terços pelo comportamento do que o Estado arrecada em impostos (receita fiscal subiu 6,3%) e em contribuições para a segurança social (mais 5,3%).

A queda da despesa nos primeiros nove meses do ano (de 0,4% como já foi referido) é quase totalmente explicada pela diminuição das despesas com os juros (0,3 pontos percentuais dos 0,4%). Contribui igualmente para essa redução o recuo dos gastos com prestações sociais.

Tendo como referência este retrato, percebemos que os bons resultados das contas públicas são basicamente alimentados pelo bom desempenho da economia. Mais emprego, mais rendimento, mais impostos. Mais emprego, mais rendimento, mais consumo, mais impostos sobre o consumo. Mais emprego, menos despesas com subsídio de desemprego.

A redução do défice a que estamos a assistir é fundamentalmente a expressão do crescimento da economia. Na era da troika, a queda da economia aumentou o défice – com as medidas de contenção a criarem o risco de um circulo vicioso que levou, por exemplo, o então Presidente da República a alertar para os riscos de uma espiral deflacionista. Na actual era, o crescimento da economia reduz o défice mas não cria um círculo virtuoso.

Esse crescimento não é contudo suficiente para atingir os resultados que estamos a ter no quadro dos compromissos de despesa que o Governo tem assumido. É aí que entram as cativações de Centeno, um controlo temporário de despesa. As cativações são uma ferramenta de gestão para evitar derrapagens e não para cortar despesa, como tem acontecido. E este caminho começa já a ser mais difícil politicamente – com as exigências de fiscalização do Parlamento por iniciativa do Bloco de Esquerda.

O que se está a passar leva a concluir que são elevados os riscos de assistirmos, com grande rapidez, ao desaparecimento desta redução do défice público ao mais pequeno abalo da conjuntura. Esperemos não ter de viver de novo o pesadelo dos cortes salariais e de pensões. Infelizmente, para nós, mais uma vez não estamos a aproveitar o crescimento para construir um Estado forte nos serviços que presta porque é financeiramente sólido.