Um dos melhores símbolos do país que saiu do período que foi de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975 é Marcelo Rebelo de Sousa.

Quando atacado ele é o filho do ministro do Estado Novo, o colonialista filho de colonialista, o beato… Quando aplaudido ele é “o Marcelo” ou mais propriamente o “Marcelo da TVI” e mais nada porque a direita não se diz de direita, aliás até se sente de esquerda.

Marcelo é o produto mais acabado desse paradoxo que é a direita portuguesa em 43 anos de democracia: pode ser popular mas não pode ser mais nada. Pode ganhar eleições mas não tem legitimidade. Não aceitar este estado de coisas, como fez Cavaco Silva, implica estar disposto a tornar-se no ónus de todos os problemas e consequentemente no saco de boxe dos painéis de comentadores. Marcelo não só não quer tal destino para si como receio (e creio que ele também receia o mesmo) não seria psicológica e fisicamente capaz de suportar tal destino.

Contudo não há nada mais ilusório para alguém vindo da área política de Marcelo que acreditar que vai contar com o apoio da esquerda: porque razão há-de a esquerda apoiar uma recandidatura de Marcelo à Presidência da República quando pode ter António Costa como candidato? O consenso que rodeia Marcelo não passa de um trégua táctica que se pode transformar numa guerrilha feroz em escassas horas. Tivemos um pequeno vislumbre dessa passagem de ‘Marcelo presidente consensual e dos afectos’ a ‘Marcelo, o hiperactivo a cheirar a bafio do Estado Novo’ a propósito de umas declarações de Marcelo sobre a escravatura, (um daqueles assuntos que convém evitar porque os polícias das palavras e dos assuntos com denominação de origem já determinaram que a mesma – a escravatura – é um tema que só se pode abordar nos termos por eles definidos ou seja só existiu e só se pode debater a escravatura praticada pelo homem branco e cristão).

Na verdade a polémica podia ter sido provocada por outro assunto qualquer e não tarda que o seja. Por exemplo, pelo anunciado patrocínio da Presidência da República ao ciclo de debates que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) vai organizar sobre a eutanásia que mediaticamente somos obrigados a designar como morte digna. Não por acaso os deputados Delgado Alves do PS e Pedro Filipe Soares do BE já vieram questionar os termos em que esse debate está a ser organizado: “parece ultrapassar a fronteira das competências do CNECV, imiscuindo-se nas competências dos órgãos de soberania” nomeadamente da Assembleia da República. Claramente era para Marcelo que falavam os dirigentes do PS e do BE quando disseram que esse ciclo de debates promovido pelo CNECV pode “ser entendido como inibidor em relação à apresentação de iniciativas” dos grupos parlamentares, “o que nunca deveria suceder”.

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Com menos estardalhaço mas anunciando claramente ao que vem o PCP pela voz de António Filipe já marcou o terreno e as condições para a continuidade do apoio a António Costa: quer a realização de um novo referendo à regionalização já no início de 2019. Traduzindo: o PCP garantiu a instalação dos seus quadros nos orgãos ditos reguladores do Estado (cada vez mais transformados em comités de controlo ideológico), o que assegurará por largos anos aos comunistas uma influência muito superior aos votos que obtiver (é todo um mundo não escrutinado de gente invisível com o monopólio vitalício da contratação colectiva, de inspecções fulanizadas, comissões de avaliação… que Costa tem deixado blindar-se). Conseguido este objectivo o PCP quer agora criar mais uma camada de cargos, poderes e decisores através da regionalização. O único obstáculo que vê no caminho é Marcelo a quem António Filipe, com o gélido dogmatismo de quem cultiva uma imagem de afabilidade e pratica o seu contrário, já preveniu: “É um referendo constitucionalmente obrigatório”. Ou seja ou Marcelo faz de notário e assina de cruz a realização do referendo ou vai ter o PCP pela frente.

Não tenho dúvidas que seja por que for Marcelo vai ser atacado pela esquerda. Também não tenho dúvidas que ele pensa evitar esse conflito apostando na transversalidade da sua pessoa (que para esse efeito esvaziará de qualquer conteúdo), começando para já por ignorar o que de muito grave está a acontecer diante dos seus olhos àqueles que não abdicam de exercer os seus poderes e competências como é o caso de Teodora Cardoso

Chumbados os dois nomes propostos pelo presidente do Tribunal de Contas e pelo governador do Banco de Portugal , a situação do Conselho de Finanças Públicas (CFP) está a cair num impasse. Entretanto Teodora Cardoso tornou-se no alvo da onda de achincalhamento e desprezo que se abate invariavelmente sobre aqueles que se cruzam no caminho dos radicais. Vai Marcelo deixar que o CFP e Teodora Cardosos sejam sacrificados às necessidades de António Costa?

Infelizmente para Marcelo e também para nós, mas não necessariamente pelas mesma razões, nada do que o actual Presidente faça vai evitar esse momento que animicamente parece ser insuportável para Marcelo: o do confronto. Esse momento vai chegar quando Marcelo menos esperar. E se não chegar é porque então ele abdicou de tudo até só ficar um holograma sorridente.

Deixar ou não cair Marcelo é o próximo grande dilema da direita portuguesa.