Calor e humidade. O debate estava instalado desde o início deste Campeonato do Mundo, mas só ganhava mais relevo quando as coisas corriam mal. “Não estão habituados a estas condições”, “nem dá para respirar”, ouvíamos com frequência. Espanha, a campeã do mundo em título, Inglaterra, Itália e Portugal de Cristiano Ronaldo, o melhor jogador do planeta, já disseram adeus a este Mundial, que mais parece estar talhado para as equipas das Américas. Pergunta que se impõe: será só motivação ou estarão mais habituados ao clima? O Observador decidiu analisar as equipas que se apuraram para os “oitavos” e contabilizar quantos jogadores atuam na Europa. Vamos a isso?
Comecemos por desmontar os resultados por associação. Dos 13 apurados para a Copa pela UEFA, apenas seis estão nos “oitavos”: Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Holanda e Suíça. Os 138 futebolistas convocados pelos selecionadores nacionais destes países jogam todos na Europa. Todos.
A CONMEBOL coloca nos oitavos-de-final cinco dos seis participantes: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai. Sendo o torneio organizado na América do Sul, nomeadamente no Brasil, é comum dizer-se que estes jogadores estão habituados ao clima. Bom, na teoria é verdade, sim. Mas também é verdade que os jogadores de topo destas seleções jogam quase todos na Europa. Alguns há vários anos até. Num total de 115 jogadores convocados por estas equipas, 84 atuam no Velho Continente, ou seja, 73%.
Continuemos. A supostamente frágil CONCACAF conseguiu apurar três dos quatro participantes para a fase seguinte: Costa Rica, México e Estados Unidos. Esta é a associação com menos jogadores a jogar no continente europeu. A Costa Rica tem apenas 11 — nove atuam no seu país; o México tem somente oito jogadores na Europa — 15 ainda jogam em clubes mexicanos; os Estados Unidos, curiosamente, são a nação da CONCACAF com mais atletas na Europa: 12 (nove jogam nos States).
A CAF, a associação africana, apurou duas das cinco seleções para os “oitavos”: Nigéria e Argélia. Esta gente está habituada ao calor, pois claro. Mas a verdade é que a maioria joga na Europa: ambas têm 19 jogadores no Velho Continente. Slimani e Ghilas, por exemplo, são dois argelinos que atuam em Portugal. Finalmente, a AFC levou ao Mundial Austrália, Irão, Japão e Coreia do Sul, mas nenhuma destas seleções conseguiu seguir em frente na competição.
Se juntarmos tudo num tacho e cozinharmos um número, concluímos que 291 dos 368 atletas que atingiram os oitavos-de-final do Campeonato do Mundo jogam na Europa. É dose. Estamos a falar de 79% — seria mais se contássemos apenas as equipas titulares –, por isso talvez seja tempo de acreditar mais no futebol. Isto é: que há equipas melhores, que há equipas mais bem preparadas, mais frescas. Umas com talento e outras que compensam com correria e organização. Há ainda aquelas que querem simplesmente vencer mais do que as outras. O futebol é complexo de mais para o resumirmos às condições atmosféricas.
Estes números não comprovam nada, mas não deixam de ser curiosos. O caso mais gritante talvez seja a França: os 23 atletas atuam na Europa, naturalmente, e não estão habituados ao clima, mas têm demonstrado uma frescura física fora do normal. Karim Benzema, por exemplo, tem virado do avesso as defesas rivais e fez cerca de 50 jogos na época passada.
Toda a gente já deu uns pontapés na bola na praia sob um calor abrasador e sabe como é complicado, mas estamos a falar de atletas de alta competição num Campeonato do Mundo. Se é assim no Brasil, como será no Qatar em 2022?