Rui Rio insiste no Bloco Central e deixa elogios a António Costa numa entrevista que faz parte do livro “Rui Rio – de corpo inteiro” que será apresentado na quarta-feira e a que o Observador teve acesso em exclusivo.

“Não será possível reformar o país sem consenso político e sem o entendimento, pelo menos, dos dois maiores partidos portugueses em matérias de regime”, afirma, acrescentando que partilha aproximação de pensamento a todos os socialistas de “bom senso” – categoria em que coloca o recém-eleito líder do PS. António Costa, diz, tem “preocupações reais” sobre o estado do país.

“[Costa] entende que algo de substancial tem de mudar para se conseguir uma melhoria ao nível da credibilização do regime”, defende Rio. No entanto, o antigo presidente da Câmara do Porto acrescenta que isso não quer dizer que os dois pensem da mesma maneira, notando que as suas “ideologias políticas são marcadamente diferentes”.

Sobre o exercício de cargos políticos, porém, o ex-presidente da Câmara do Porto diz compreender a indisponibilidade de muitas pessoas. “Conheço pessoas de grande qualidade pessoal e política, mas não sei se estariam disponíveis para ocupar cargos públicos na situação em que nos encontramos. Não pelas dificuldades de governação motivadas pela crise, mas pelo desprestígio e pela falta de valores éticos e cívicos que caracterizam o atual sistema político no nosso país”, explica.

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Para Rui Rio, que não adianta pormenores sobre o seu futuro político, “o exercício de cargos públicos deve ser encarado com empenho, algum espírito de missão e vontade de servir o país”.

Numa entrevista de 45 páginas ao autor do livro “Rui Rio – de corpo inteiro” (uma biografia do ex-autarca), Mário Jorge Carvalho, o antigo presidente da Câmara do Porto, e um dos nomes mais falados para suceder a Passos Coelho na liderança do PSD caso o partido não vença as próximas eleições, diz que há uma “extrema necessidade de revitalização” do sistema político em Portugal e que, nos últimos anos, a democracia “ganhou tiques e gorduras e implementou-se o politicamente correto com acentuados contornos de hipocrisia”.

No entanto, durante a longa entrevista, Rio nunca chega perto de uma ofensiva à liderança do partido, embora assuma que “os eleitores estão ávidos de algo novo” e que “apreciam pessoas capazes de dizer com sinceridade o que sentem”.

“Realmente ao cabo de meio século de vida, já me conheço bem e sei que me é impossível alinhar hipocritamente contra as minhas próprias convicções. É algo superior a mim”, refere Rui Rio.

A reestruturação da dívida e o resgate do BES

Algo que aproxima Rio da esquerda é a reestruturação da dívida. Admite que a altura que alguns “cidadãos de Lisboa” escolheram para lançar o manifesto dos 74 “pode não ter sido a melhor”, mas que a reestruturação “é algo que pode ter de acontecer mais tarde ou mais cedo” e que a probabilidade de recorrer a este mecanismo é “elevadíssima”. Rio defende ainda que tudo que justificou a vinda da troika “ficou pior” depois destes três anos e que “a situação do país continua grave”.

“[…] Os que em 2011 diziam que a coisa era dramática, dizem agora que estamos muito bem e que somos um exemplo. Só o défice externo é que foi travado. Como entender a coerência? Por isso não é destituído de lógica refletir sobre a hipótese de uma renegociação o reescalonamento temporal da amortização da dívida”, aponta Rui Rio.

Sobre a responsabilidade dos bancos e a queda das instituições bancárias em Portugal como o BPN e o BES, Rio questiona para que servem as regras se a supervisão é “insuficiente e incapaz. Tanto Vítor Constâncio, antigo governador e atual vice-presidente do BCE, como Carlos Costa, atual governador do Banco de Portugal, são visados nestas críticas: “Então é mau não ter travado o BPP e o BPN e é aceitável não ter travado o gigante BES?”.

Rio diz que, ao contrário do que tem sido o argumentário entre a esquerda e a direita sobre quem acabará por pagar a resolução do BES, deve debater-se o papel do Estado nesta intervenção, embora admita que os portugueses “poderão ter de pagar por via da Caixa Geral de Depósitos se a pressão for no sentido de vender o Novo Banco rapidamente”. Em todo este processo, Rio enaltece apenas a posição de Passos Coelho, dizendo que o primeiro-ministro foi o único que disse basta a Ricardo Salgado.

A Constituição, o poder político dos tribunais e o jornalismo em Portugal

O ex-autarca considera que atualmente a Justiça portuguesa está a interferir na tomada de decisão política e não só no que diz respeito aos acórdãos do Tribunal Constitucional (TC). Em relação a esta instituição, Rio declara que “o grosso das sentenças se situaram muito mais no plano político do que no plano jurídico” e acrescenta que com a interposição recorrente de providências cautelares para travar decisões políticas há “uma violação da separação dos poderes” – “É um governo eleito que deve decidir sobre o encerramento de uma maternidade ou de tribunal, ou um juiz?”.

No primeiro caso, o social-democrata reforçou a ideia da necessidade de uma revisão constitucional de forma a conseguir leituras mais objetivas e sentenças mais robustas”. No caso dos restantes tribunais, diz que os agentes judiciais “detêm um grande poder” que é “perene” e estão organizados de forma corporativista.

Apesar de a entrevista ter sido concedida antes do caso Sócrates, um dos temas é o segredo de Justiça e Rui Rio defende que os jornalistas devem também ser responsabilizados pela sua quebra e que até agora não têm estado sujeitos às mesmas regras dos intervenientes neste tipo de casos e defende que quem contrariar o segredo de justiça comete um crime. “Um agente judicial passa informação a um jornalista divulgou-a apenas a uma só pessoa. O jornalista passa-a impunemente a milhões de pessoas”, defende Rio.

Escolhas “desastrosas” nas autárquicas

Na entrevista, Rio é particularmente duro com a liderança do seu partido no que diz respeito às eleições autárquicas de 2013. Os candidatos sociais-democratas em Lisboa (Fernando Seara), Porto (Luís Filipe Menezes), Sintra (Pedro Pinto) ou Gaia (Carlos Abreu Amorim) foram, segundo Rui Rio, escolhas” autenticamente desastrosas para o PSD”, admitindo que ainda hoje não sabe o que “passou pela cabeça” dos líderes do seu partido.

No Porto, diz, o PSD cometeu o “disparate” de renegar o trabalho feito – “Acharam tal como o PS em 2001, que o povo do Porto é tolo?”.