Numa carta enviada ao vice-governador do Banco de Portugal, José Maria Ricciardi isentou-se de qualquer responsabilidade na crise do Banco Espírito Santo (BES). A missiva, datada de 27 de maio de 2014, foi enviada dias depois de Ricardo Salgado ter dito, numa entrevista ao Jornal de Negócios, que os representantes dos diversos ramos da família no Conselho Superior do Grupo tinham cometido erros.

A carta, que o DN e a TSF noticiaram esta terça-feira, foi enviada ao vice-governador do Banco de Portugal, Pedro Duarte Neves, responsável pela supervisão e foi acompanhada por um documento onde Ricardo Salgado surge envolvido num processo de falsificação de contas na Espírito Santo International (ESI), desde 2008.

“Pela parte que me cabe não aceito qualquer quota da responsabilidade que é atribuída pelo Dr. Ricardo Salgado aos diferentes ramos da família Espírito Santo, representados no Conselho Superior do Grupo, sobre a situação financeira da Espírito Santo International”, pode ler-se na carta.

Ricciardi explica que nunca foi chamado a interferir nas contas e movimentos financeiros da ESI, uma vez que esses seriam tratados por um grupo restrito. Em 2008, “ano a que se reporta o início da ocultação dos prejuízos”, Ricciardi sublinha que nem era administrador. Posteriormente, Ricciardi nunca foi “chamado a interferir nas decisões tomadas, nem sequer ter tido conhecimento das matérias em apreço”.

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Ainda na mesma carta, José Maria Ricciardi conta que já em novembro de 2013 tinha pedido um inquérito para apurar responsabilidades sobre a situação financeira e contabilística do grupo. Como esses pedidos não tiveram “resultados práticos”, Ricciardi pediu suspensão do mandato, recorda, “a que se seguiu a apresentação da minha demissão em 14 de março de 2014”.

“Fique bem claro que não só não dou publicidade a esta posição para evitar eventuais danos colaterais na imagem do Banco Espírito Santo, quando está em causa a realização do aumento de capital em curso, mas usarei de tal faculdade em momento adequado, se necessário”, escreve José Maria Ricciardi.

No início deste mês, o Correio da Manhã já tinha noticiado uma outra carta, essa datada de fevereiro deste ano, também de José Maria Ricciardi, onde este informava o Banco de Portugal sobre as dúvidas que tinha sobre os investimentos do Grupo Espírito Santo (GES) na Eurofin, um esquema de financiamento que passava pelo BES e empresas do GES, que esteve no centro das buscas judiciais (ao Novo Banco, ao BES e a casas de ex-administradores do BES).

Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi vão ser ouvidos, esta terça-feira, na comissão parlamentar de inquérito ao BES. Salgado será ouvido logo a partir das 9h00 e Ricciardi a partir das 15h00. De acordo com uma carta que endereçou, na quarta-feira, aos deputados e à comissão de inquérito, e a que a agência Lusa teve acesso, Salgado assume “inteira disponibilidade” para prestar depoimentos e os “necessários esclarecimentos”, sem violar contudo o segredo de justiça.

A principal preocupação das cinco bancadas parlamentares prende-se com os 1.500 milhões de euros que desapareceram nas duas últimas semanas de gestão de Ricardo Salgado, bem como a exposição do banco à filial de Angola (BESA) e o esquema de descapitalização através da Eurofin.