“Nós temos doentes muito doentes, mas muito doentes, que são o ganha-pão da família e continuam a trabalhar até poderem para não faltarem ao trabalho”, contou à agência Lusa Beatriz Craveiro Lopes, diretora da Unidade da Dor do Hospital Garcia de Orta e da direção da Associação para o Desenvolvimento da Terapia da Dor.

Na Unidade da Dor do Hospital Garcia de Orta, em Almada, são traçados planos terapêuticos para cada doente, que reúnem várias técnicas para aliviar a dor, como radiofrequências, neuroestimulação, reiki, psicodrama, musicoterapia, mas nem sempre são possíveis de cumprir por falta de disponibilidade do paciente.

“Muitas vezes há alguma dificuldade, não porque o doente não esteja interessadíssimo e empenhadíssimo” em fazer o tratamento, mas porque para o fazer “tem de se ausentar das suas atividades laborais” e eles “têm imenso medo de perder o emprego”, explicou a anestesiologista.

Contou ser frequente os doentes perguntarem se é possível fazer o tratamento em horário pós-laboral, um problema que os profissionais tentam gerir, mas que é difícil porque os horários estão estabelecidos (08h00/18h30).

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“São tantos os doentes nestas condições que é confrangedor e nós sentimo-nos impotentes, porque também não temos muita margem de manobra, porque há horários institucionais que não podemos alterar”, explicou.

Também há casos de alguns doentes que, apesar de estarem “empenhadíssimos no seu tratamento”, faltam à consulta por falta de dinheiro para os transportes.

Algumas vezes tenta-se resolver a situação através de uma consulta pelo telefone para evitar a deslocação do doente, mas nem sempre é possível, disse Beatriz Craveiro Lopes, sublinhando que “é mais uma arma para defender os doentes”.

Cláudia Costa, psicóloga clínica da União Humanitária dos Doentes com Cancro, contou à Lusa que são muitos os casos de doentes oncológicos que continuam a trabalhar para não perderem o emprego, mas há situações em que isso acaba por acontecer e para se resolver esta questão “demora anos”.

Há doentes com dificuldades financeiras que “não se podem dar ao luxo de estar de baixa, porque têm filhos para criar, família para ajudar e não têm dinheiro para comer”, disse Cláudia Costa, rematando que são “muitas as situações que fazem com que as pessoas vão trabalhar mesmo num estado precário”.

“Já não basta estarem doentes e ainda têm de trabalhar, sem vontade nenhuma”, lamentou a psicóloga, defendendo que “devia haver mais apoio a nível psicológico no trabalho e mais compreensão”. “Somos humanos e pode acontecer a qualquer um”, sustentou.

Há ainda casos em que o doente, para “não se sentir um fardo, vai trabalhar, mesmo num estado de saúde lastimoso, degradado, desnutrido, afetiva e emocionalmente afetado e, às vezes, sem o apoio familiar devido”, contou.

Para Cláudia Costa, o Estado deveria ajudar mais todos os doentes crónicos: “Os tratamentos são muito caros, as pessoas demoram muito tempo para ter uma consulta, para fazer o tratamento, outras vezes são esquecidas, os exames trocados. Isto é a realidade e a realidade tem de ser dita”.