Manuel de Lucena nasceu em Lisboa em 1938, passou a maior parte da infância e adolescência em Angola, descobriu a política e o ativismo na crise académica de 1962, esteve exilado, regressou com o 25 de Abril e foi, nas últimas décadas, uma das figuras de referência do Instituto de Ciências Sociais.

A sua obra, marcada por um estilo original e pela capacidade de não seguir as convenções, influenciou e influencia a forma como ainda hoje olhamos para o anterior regime. O seu estudo A evolução do sistema corporativo português. Vol. I: o Salazarismo; vol. II: o Marcelismo continua a ser uma incontornável obra de referência, tal como aquele que fez sobre o processo revolucionário e novo regime, O Estado da Revolução (sobre a Constituição de 1976).

Manuel de Lucena, filho de um militar com simpatias monárquicas, começou por se ligar a organizações também monárquicas, mas por pouco tempo, pois trocá-las-ia pela JUC, a Juventude Universitária Católica. Está na Universidade de Lisboa em 1962, quando estala a crise universitária que marcaria toda uma geração. É nessa luta que se torna no redator de serviço para os comunicados da RIA, a Reunião Inter-Associações onde se fazia a coordenação dos protestos estudantis. Fica amigo de alguns dos seus dirigentes, como Jorge Sampaio, Vítor Wengorovious ou Nuno Brederode Santos.

Pouco depois ajuda a fundar a revista O Tempo e o Modo, dirigida por António Alçada Baptista, mas exila-se para não ser mobilizado para a guerra colonial, tendo ido para Itália. É nessa fase que milita em organizações de extrema-esquerda, como Movimento de Acção Revolucionária (MAR). Chega também a participar, em Argel, na Frente Patriótica de Libertação Nacional, onde conhece Humberto Delgado e está até 1968.

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Ainda no exílio, funda com António Barreto, Medeiros Ferreira, Eurico de Figueiredo e Carlos Almeida a revista Polémica, que era publicada em Genebra.

Já depois do 25 de Abril faz poucas incursões pela atividade política. As exceções mais notórias são o seu apoio à Aliança Democrática de Sá Carneiro e Freitas do Amaral e, depois, à candidatura presidencial de Soares Carneiro, cujo Conselho Político chega a integrar. Quinze anos depois estaria ao lado do seu companheiro da crise de 1962, Jorge Sampaio.

O seu lado heterodoxo permitia-lhe assumir sem complexos um percurso político e ideológico sempre feito em função da sua consciência e não de conveniências. Numa entrevista dada ao Público, refere que começou por “por acreditar, quando era muito novo, na obra colonizadora dos portugueses, no Estado multirracial e pluricontinental”, algo natural em quem viveu em Angola, filho de militar. Depois de vir para Portugal com 16 anos, evolui até à extrema-esquerda, mas “quando se aproximou o 25 de Abril, estava já com algumas dúvidas”. Dúvidas que lhe vinham muito do que temia poder vir a ser a descolonização, um processo que muito criticou que seria, mais tarde, um dos objetos da sua investigação. Da sua passagem, e da dos seus amigos, pelo esquerdismo reconhece que “enganámo-nos em muita coisa, mas também aprendemos”. Na mesma entrevista justifica a sua adesão à AD por viu no movimento dirigido por Sá Carneiro “uma hipótese de entrada mais rápida, e com mais carácter, numa democracia de tipo ocidental”.

Manuel de Lucena foi, como investigador, uma figura marcante do Instituto de Ciências Sociais, para o qual entrou em 1975, quando ainda se chamava GIS e era dirigido por Adérito Sedas Nunes. A sua obra está espalhada por jornais, onde gostava de escrever sobre política, revistas académicas e obras coletivas. O seu último livro, Contradanças: política e arredores, é de 2006. Colaboraria também com o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

Tinha sido agraciado com a Ordem da Liberdade.

António Araújo, no Malomil, escreveu sobre ele: “Das inteligências mais criativas e originais que conheci na vida. A sua curiosidade pelas coisas ia além de todos os limites. Um eterno jovem, que aparecia sempre com ideias novas a brilharem-lhe nos olhos. Além do mais – e talvez aqui resida o essencial –, Manuel de Lucena era um homem íntegro e bom.”

Maria Filomena Mónica, no mesmo Malomil, conta um pequeno episódio muito significativo e sublinha: “Sempre considerei o Manuel um dos homens mais inteligentes, perspicazes e cultos que conheci. Aprendi mais com ele do que com a maior parte dos meus colegas, portugueses ou estrangeiros.”

O corpo de Manuel de Lucena estará em câmara ardente na Basílica da Estrela a partir das 17h de domingo. Depois de uma missa que será celebrada pelas 16h de segunda-feira, o funeral sairá para o cemitério do Alto de São João, onde o corpo do historiador será cremado, conforme explicou fonte familiar.