Após casar, Flora Julinho, recebeu do marido, há 25 anos, o presente de passar a noite no grande hotel – um dos projetos hoteleiro de luxo em África – transformado em lar dos sem abrigos na Beira, centro de Moçambique. O que era para ser lua-de-mel, transformou-se numa rotina de vida entre embrulhos de lixo e miséria, num quarto de hotel — de um monstro adormecido em degradação acelerada – sem energia elétrica, água, sanitários ou sistema de saneamento.

“Casei e como o marido não tinha condições acabamos por vir parar aqui”, no Grande Hotel da Beira, explicou à Lusa Flora Julinho, que mora desde 1990 no local, onde gerou seis filhos e duas netas – fruto de união de suas primogénitas que vivem também no local e nas mesmas condições.

Mais de 4.000 moradores vivem, sem nenhum custo, em 400 quartos numerados do grande hotel, e outros 200 compartimentos, nos corredores, dispensas, incluindo em quartos de banho, adaptados para abrigar numerosas famílias, a maioria vindos da província da Zambézia e Tete, centro.

Muitos chegaram ao local apenas para passar alguns dias mas a falta de habitação disponível ou de dinheiro obrigou a que a solução temporária passasse a ser definitiva. Nos moradores, encontram-se polícias, professores e outros funcionários públicos mas também desempregados e despejados de arrendamentos.

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A situação de higiene e de segurança é um dos problemas do espaço, com sinais visíveis de degradação acentuada. Este ano cinco crianças caíram das escadas e varandas do edifício e uma delas veio a morrer em consequência dos ferimentos.

Os largos e escuros corredores do edifício têm sido terreno fértil para venda de drogas. Nestes locais muitas filhas dos moradores eram violadas sexualmente — várias engravidaram-, até que foi montada uma estrutura de controlo dos inquilinos, que entretanto não consegue parar a sujidade.

“A vida no grande hotel é péssima” descreve João Colete, o síndico do hotel, que mora no edifício desde 1998, e que receia o desabamento do teto falso, encharcados por água de chuva, preocupando-se com o alargamento das rachas nas paredes.

O Conselho Municipal da Beira, tentou minimizar a situação de saneamento com a reabilitação de balneários no jardim do edifício, para atender as necessidades dos moradores, mas a empresa de distribuição de água cortou a ligação por falta de pagamento, tornando insustentável o seu uso.

“A pessoa quando esta aflita fica sem ideia, não tem o que fazer” precisou Flora Julinho, única moradora com viatura num parque improvisado.

Em 2000 o governo municipal anunciou a retirada dos moradores do Grande Hotel para implantar de um outro projeto, mas a iniciativa não prosseguiu. Nesta época, a Liga Muçulmana construiu 25 das 60 casas previstas para retirar do local os seus fiéis.

“Eu mesmo já pedi por escrito, em 2000, ao presidente do Conselho Municipal, assim como para o Governo local, sobre a retirada do grande hotel, porque cada dia que passa isto está-se tornando degradado” disse João Colete, que não tem resposta das autoridades há 15 anos.

Em declarações à Lusa, Daviz Simango, autarca da Beira, pelo Movimento Democrático de Moçambique, disse que estão em carteira vários planos para a retirada das pessoas do hotel, estando em curso alguns estudos de viabilidade para o reaproveitamento da área ocupada pelo edifício colonial.