Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, sentou-se para dar uma entrevista e, pouco tempo depois, (quase) todos lhe caíram em cima. Foi a história da polémica do momentoálcool-e-mulheres-gate? — mas também foi a história de como o ministro das Finanças da Holanda ia causando uma corrida aos depósitos na zona euro em plena crise bancária de Chipre, em 2013.

Conheça esta e outras histórias de Jeroen Dijsselbloem, um homem polémico com nome difícil de escrever e de pronunciar (a propósito, se tiver dúvidas sobre como se lê o nome do holandês, nunca é tarde para aprender).

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“Imposto” sobre os depósitos foi, ou não, um “modelo”?

Por estes dias, faz quatro anos que a banca do Chipre parecia caminhar para um colapso aparatoso. Não era só em Chipre que os bancos tinham problemas (na realidade, em países como Itália e Portugal o tema continua no topo das preocupações) e, portanto, os mercados derraparam quando Dijsselbloem pareceu admitir que a solução encontrada para salvar os bancos cipriotas poderia ser um modelo para futuras intervenções na banca europeia.

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Recorde-se que a solução foi envolver os depositantes no resgate à banca. Numa entrevista à Reuters e ao Financial Times horas depois do acordo, Dijsselbloem indicou que no futuro, em outros países, a solução poderia ser semelhante. Dijsselbloem só tinha assumido o cargo de presidente do Eurogrupo uma dúzia de semanas antes.

O que fizemos na noite de ontem foi aquilo que eu gosto de chamar empurrar os riscos de volta à proveniência. Se há um risco num banco, a nossa primeira questão deveria ser okay, o que é que vocês, nos bancos, vão fazer em relação a isso? O que é que conseguem fazer quanto a isso? O que é que conseguem fazer para vos recapitalizar? Se o banco não conseguir fazer isso por si próprio, então vamos falar com os acionistas e com os obrigacionistas e vamos pedir-lhes que contribuam para recapitalizar os bancos, e se necessário, vamos aos depositantes não garantidos [acima de 100 mil euros]…

A polémica ficou conhecida pela controvérsia do template, traduzível do inglês por modelo. Dijsselbloem recusou que tenha usado essa palavra — e é verdade, a palavra template estava na pergunta do jornalista — mas as horas que se seguiram foram turbulentas, à medida que a declaração viajava a alta velocidade pelos ecrãs de investidores e, claro, de clientes bancários. Ouviu-se falar no perigo de uma corrida aos depósitos ou, no mínimo, de perdas significativas de depósitos nos bancos — o cenário mais perigoso não se confirmou, mas a declaração deu um rombo na confiança nos mercados financeiros naquele momento.

O caso valeria um puxão de orelhas por parte do Banco Central Europeu, primeiro pelo francês Benoit Coeuré e, dias depois, pelo próprio Mario Draghi — “Chipre não foi um template“, disse o italiano, sucintamente. A confiança estava, ainda, muito fragilizada nos mercados financeiros europeus e a declaração de Dijsselbloem caiu como uma “bomba”. A hashtag #Dijsselboom fez sucesso naqueles dias, no Twitter.

Curiosamente, alguns anos depois, foi exatamente no sentido das palavras de Dijsselbloem que se avançou na legislação europeia para os resgates bancários. Não é exatamente o mesmo modelo de Chipre mas ficou consagrado, a partir de 1 de janeiro de 2016, que os credores privilegiados e os depositantes com mais de 100 mil euros podem, mesmo, ser envolvidos em recapitalizações de bancos. Dijsselbloem falou, portanto, antes do tempo.

O caso do “mestrado-fantasma”

Poucas semanas depois da controvérsia do template, Jeroen Dijsselbloem teve de corrigir a sua biografia oficial, que dizia que tinha um mestrado tirado na University College Cork. O holandês contava com cerca de meio ano no cargo de ministro das Finanças da Holanda e a informação de que tinha o mestrado aparecia nos websites de vários organismos, entre os quais o Banco Europeu de Investimento (BEI).

Com o currículo posto em causa, Dijsselbloem teve de pedir uma correção das suas notas biográficas para indicar que não tinha esse mestrado. Na realidade, o mestrado nem sequer existe. Na biografia de Dijsselbloem passou a ler-se que o holandês “realizou pesquisa em Economia, com vista à obtenção de grau de Mestre pela Universidade de Cork”.

Segundo viria a ser noticiado mais tarde, Dijsselbloem terá apenas passado um par de meses a fazer pesquisa no campo dos negócios alimentares. Mas o ministro das Finanças sempre recusou que tenha tido qualquer intenção de “prestar informações erradas” sobre a formação académica. O caso acabaria por não ter sequência, depois de um porta-voz do Banco Europeu de Investimento ter dito que a informação errada se devia a um “erro de tradução”.

O arqui-inimigo de Dijsselbloem: o grego Yanis Varoufakis

Por falar em tradução, Jeroen Dijsselbloem protagonizou um dos momentos mais tensos da história da zona euro numa conferência de imprensa com Yanis Varoufakis, o ex-ministro das Finanças.

No auge da crise grega, Jeroen Dijsselbloem ganhou maior protagonismo graças aos duelos frequentes com Varoufakis. Na memória ficou, em especial, esta conferência de imprensa e o momento em que Varoufakis acabou de falar e virou-se para Dijsselbloem, que o silenciou, por momentos, pedindo tempo para ouvir a tradução no auricular. Varoufakis, ao seu estilo, riu-se e recostou-se na cadeira à espera que o holandês acabasse de ouvir a tradução simultânea.

Foi assim que terminou a conferência de imprensa. Os dois homens levantaram-se e trocaram um aperto de mão tenso e duas palavras — mais tarde, soube-se que Jeroen Dijsselbloem terá dito a Varoufakis que, com a postura retaliadora do grego, ele tinha acabado de “matar a troika. A resposta de Varoufakis a esta acusação? “Uau“.

O aperto de mão mais tenso da História da zona euro?

Dijsselbloem deixa a economia holandesa em boa forma

Jeroen Dijsselbloem não tem formação específica em Finanças, com uma carreira académica mais virada para os negócios no setor da agricultura. E mesmo na política nunca esteve em pastas ligadas a essa setor — chegou a ser líder do grupo parlamentar do Partido Trabalhista (PvdA), que nas últimas eleições sofreu uma derrota pesada. Por causa dos resultados das eleições na semana passada, a perda de importância do seu partido numa eventual nova coligação governativa, Dijsselbloem deverá sair do cargo de ministro das Finanças e, portanto, deixar também de ser presidente do Eurogrupo.

Mas Dijsselbloem deixa ao seu sucessor uma economia holandesa em excelente forma, para os padrões da zona euro. “Estamos novamente em terreno firme. Podemos olhar para o futuro e investir mais em oportunidades para as pessoas”, afirmou Jeroen Dijsselbloem na proposta de Orçamento do Estado para 2017.

Alguns números: o défice público chegou a ultrapassar os 5% do PIB no auge da crise mas deverá cair para 0,5% neste ano. A dívida pública acumulada deverá cair para 62% do PIB, um dos rácios mais baixos da União Europeia. O crescimento económico em 2017 foi estimado pelo governo em 1,7% e a taxa de desemprego está na casa dos 5% (5,3%, segundo os últimos números do Eurostat), uma das taxas mais baixas da Europa — a média na zona euro é de 9,6%, ou seja, quase o dobro.