A notícia apanhou todos desprevenidos. Ou quase todos: conforme nos disseram de manhã, houve muita gente a ir de madrugada às páginas pessoais nas redes sociais para apagar fotos e entradas. Marco Ficini, adepto da Fiorentina de 41 anos ligado à claque 7Bello, tinha sido vítima de um atropelamento mortal nas imediações do estádio da Luz. A PSP, através do subcomissário Hugo Abreu, afiançou que não estavam ainda confirmados oficialmente desacatos entre claques e nem poderia ser feita uma associação direta entre a morte e esses confrontos. No entanto, todos iam vendo as imagens de pedras, restos de tochas e vidros partidos. Havia, sobretudo, a procura da serenidade.

Sporting e Benfica emitiram comunicados logo de manhã, lamentando e repudiando o sucedido. E os encarnados garantiam (e estavam a cumprir) que tinham cedido de imediato todas as imagens à Polícia Judiciária para se apurar o que se tinha passado e encontrar o autor do atropelamento fatal que se tinha colocado em fuga. Falou a Liga de Clubes, falou a Federação Portuguesa de Futebol, falou o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Todos a apelar à serenidade, ao desportivismo, à sã convivência dentro do possível. Mas o ambiente iria ser de alta tensão.

Se da Luz chegavam relatos de um adepto que tinha ficado com a cabeça aberta após uma carga policial ainda antes da saída de todo o cortejo, nas imediações de Alvalade houve períodos quase de “caça ao homem”: ninguém tinha esquecido o que acontecera com Ficini, que apesar de ser da 7Bello costumava vir a Lisboa apoiar o Sporting nos jogos grandes, uma prática que tem já duas décadas. E a polícia não teve mãos a medir.

Numa zona perto do estádio e com muitos cafés e restaurantes, um grupo de cinco/seis adeptos do Benfica devidamente trajados com as cores do clube foram detetados pelas centenas e centenas de sportinguistas presentes no local. Para controlar eventuais desacatos, perto do hospital Pulido Valente, ouviram-se tiros para dispersar as pessoas, seguidos de arremessos de pedras, garrafas e very lights. Estava mesmo um ambiente de cortar à faca e muita gente a correr sem rumo, fugindo de algo que às vezes nem percebia o que era. Nessa fase, pelo menos duas pessoas ficaram feridas, uma delas, sentada no chão, a necessitar de assistência médica mais cuidada. E parte da Alameda das Linhas de Torres esteve cortada por completo durante alguns minutos.

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No lado oposto, onde entrariam os adeptos do Benfica que vinham da Luz, as coisas estavam bem mais calmas. A uma distância tão curta, nem parecia o mesmo lugar e contexto. Mas também aqui se notou uma clara preocupação da polícia em evitar sequer focos de problemas, abrindo barreiras de segurança maiores do que é normal, mesmo em dia de dérbi. Nesta zona, perto do edifício Visconde de Alvalade e da porta 1 do estádio, não houve registo de qualquer incidente. E um adepto do Benfica, vindo de Telheiras, passou pela multidão que aguardava para passar a rua e seguir para o seu lugar no recinto sem nenhum problema.

Aqui houve muita preocupação em agir, não reagir e sobretudo prevenir. E foi assim também que, numa operação que passou um pouco ao lado mas que foi fundamental para evitar situações mais graves, os spotters, com reforço de equipas de ação imediata, conseguiram intercetar um grupo de “casuals” do Benfica que, mais uma vez, quis ir fora da caixa de segurança para Alvalade. Assim que foram apanhados, foram acompanhados pela polícia até ao estádio, sem qualquer tipo de incidente. Mas podia ter sido bem pior.

Lá dentro, very lights, petardos e tochas à parte (e foram muitos, muitos mesmos), a Juventude Leonina levantou uma tarja que dizia “Corpo abandonado por quem o matou é uma atitude cobarde” num topo que tinha várias alusões à Fiorentina e à claque 7Bello. À exceção de uma pequena intervenção no final do jogo dentro do estádio e de uma detenção fora do recinto, não são conhecidos mais incidentes, até porque a polícia “limpou” por completo as ruas de Telheiras por onde iria passar o cortejo encarnado até à Luz.

De acordo com Hugo Abreu, subcomissário da PSP, “dois homens foram detidos por posse de artefactos pirotécnicos durante o policiamento do jogo e um terceiro durante incidentes entre adeptos dos dois clubes já após a conclusão, por resistência às forças policiais”. Feridos só um e ligeiro. Mas houve mais pessoas a necessitarem de receber assistência médica. Ainda assim, e se ficar por aqui, nem é um mau rescaldo face ao clima de tensão crescente que se gerou num dia que deve fazer pensar e repensar onde está e para onde vai o futebol português.