Quem viu não esquece. Era agosto de 1995. Há uns anos que o famoso Pontal do PSD tinha deixado o pinhal algarvio junto ao aeroporto e se tinha alojado na baixa de Faro, para o seu habitual comício-festa que marcava a rentrée do partido. Mas aquele ano de 1995 viria a ser um ano especial. É que o PS de António Guterres (e Jorge Coelho), que sabia estar a meses de regressar ao poder depois de dez anos de cavaquismo, quis provocar o adversário e organizou um comício no largo da Pontinha, em Faro, mesmo ao lado do recinto do Pontal. Foi o derby Pontal-Pontinha, que moveu multidões e até pôs helicópteros das televisões a sobrevoar os céus do Algarve. Depois desse, José Sócrates ainda voltaria a usar algumas vezes o comício da Pontinha, nomeadamente para fazer frente a Santana Lopes, mas sempre em pleno inverno. No calor de agosto, o derby não se voltou a repetir.

Até agora, numa versão adaptada. Este ano, além do comício do Pontal que se realiza já este domingo, no calçadão de Quarteira, também o PS vai no sábado seguinte, dia 26, para terreno algarvio, para uma Festa de Verão no largo da Pontinha. A festa vai ter discursos políticos, com o encerramento a cargo de António Costa, assim como música e bancas de street food. Será uma espécie de reedição do derby Pontal-Pontinha, mas com uma semana de intervalo.

Ao contrário do PSD que tem a data fixa do Pontal para inaugurar o seu regresso depois das férias, o PS varia e tem fugido ao calor de agosto para fazer a rentrée. No ano passado limitou-se a uma conferência em Coimbra, em meados de setembro, sobre desigualdades e valorização do território; em 2015, o regresso de Costa ficou marcado por um “Summer Camp” da JS em Torres Vedras; em 2014 o verão foi todo para preparar as primárias de António José Seguro contra António Costa; e nos dois anos anteriores o palco escolhido foi Évora, com o PS a organizar uma universidade de verão. Antes disso, Braga era escolha recorrente.

António Costa à procura da estrela da sorte da Pontinha?

A escolha do largo da Pontinha, em Faro, para o arranque socialista deste ano — que é um ano eleitoral — não é, segundo o dirigente socialista Luís Patrão, uma escolha “propositada” para provocar ou imitar de alguma forma o PSD. Na verdade, Luís Patrão prefere o nome Praça da Liberdade em vez de largo da Pontinha (ambos se referem ao mesmo local) para se falar da festa que os socialistas estão a organizar.

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Então porquê regressar ao Algarve, e à Pontinha, tantos anos depois? Por dois motivos, explica Luís Patrão ao Observador. Primeiro porque “não há melhor sítio para uma Festa de Verão do que o Algarve”. Depois, porque é ano de eleições autárquicas e os socialistas querem enaltecer as “candidaturas relevantes” que têm naquele distrito. “O Algarve tem um peso eleitoral muito relevante”, diz o dirigente que é secretário nacional para a organização do PS, sublinhando que além dos discursos de António Costa e do líder parlamentar Carlos César, a festa do dia 26 de agosto vai contar com a intervenção do presidente do PS/Algarve e candidato à câmara de Faro, António Eusébio. Atualmente a câmara de Faro está nas mãos do PSD (com Rogério Bacalhau).

Música, animação, tasquinhas, intervenções políticas”. É assim que o PS descreve a festa-comício, que é de entrada livre e gratuita — “não há controlo de admissões” –, e que não inclui jantar para os militantes e simpatizantes, mas sim bancas de comida de rua mais ao jeito de festival de verão. A animação musical estará a cargo de grupos locais.

Mas a história do PS com os comícios da Pontinha é uma história de sorte. Começou em 1995 com a clara provocação arquitetada por Jorge Coelho, que serviu literalmente para medir forças entre PSD e PS. Os jornalistas entraram num frenesim para irem ora ao comício de um, ora ao comício do outro, para verem qual estava a movimentar mais gente. De um lado Fernando Nogueira, o número dois de Cavaco Silva (acabado de cumprir dois mandatos no Governo), e do outro António Guterres, que sabia ter chegado a vez do PS regressar ao poder (o que viria a acontecer em outubro). O frenesim envolveu até helicópteros das televisões privadas, que também elas queriam fazer prova de vida, para filmarem o mar de gente de um lado e de outro. No final, Guterres gritou vitória. “Ganhámos” virou slogan de campanha de um dia para o outro.

Na campanha para as legislativas de 2005, marcadas para 20 de fevereiro, o PS e o PSD tentaram uma reedição deste derby mano a mano. De um lado José Sócrates, do outro Pedro Santana Lopes. Só não foi em agosto, mas em pleno inverno, e foi em Castelo Branco. O tom de desafio foi o mesmo. Mas voltou a ganhar o PS, que saiu vitorioso do comício como saiu vitorioso na noite eleitoral, com uma maioria absoluta no bolso.

Em 2011, José Sócrates voltou a ir à Pontinha à procura de mais um sopro de sorte. As eleições legislativas seriam a 5 de junho, e na semana antes, no final de maio, o então primeiro-ministro percorreu mil quilómetros num só dia para ir aquele largo para realizar um comício algarvio. Mas dessa vez a sorte já não esteve do seu lado, e quem ganhou as eleições foi mesmo o PSD de Pedro Passos Coelho. Agora, António Costa regressa ao local, em vésperas de eleições autárquicas. À procura de um sopro de sorte?

O Pontal de sempre, com o líder do costume

Nascido em 1976 num pinhal de Faro com o mesmo nome, o Pontal começou por ser um autêntico festival de verão, com todo o pó, música e atividades lúdicas a que tem direito. Francisco Sá Carneiro era o seu promotor e não falhou uma edição. Com o passar dos anos, contudo, o ímpeto do Pontal foi esmorecendo. Cavaco Silva, algarvio de gema, procurou dar um novo impulso e foi com o cavaquismo de Boliqueime que a festa de verão do PSD teve maior atenção mediática. Nos primeiros anos de Cavaco a festa ainda se realizou na mata do Pontal, mas em 1988, o líder quis tornar a festa de verão laranja num comício mais institucional, mais político, e menos festivaleiro. Passou-a para a baixa de Faro e encurtou-se o calendário: em vez de ser um dia de festa, passou a ser, como é hoje, só um final de tarde, que se arrastava para a noite.

Pontal. Quando Marcelo pagava e Ferreira Leite dava tampas

Mas nem sempre resultou. Ora por falta de dinheiro, ora por falta de vontade. No primeiro ano de Marcelo Rebelo de Sousa enquanto líder, o Pontal só se realizou porque o agora Presidente da República desembolsou um cheque de 5 mil contos. Depois de Marcelo mais nada, o Pontal seria interrompido. Após sete anos de interrupção, em 2005 a distrital do PSD Algarve, encabeçada por Mendes Bota, pôs na cabeça que haveria de fazer renascer a festa da reentrée social-democrata. A primeira edição viria a ser um fiasco, mobilizando não mais do que cerca de 400 pessoas, mas depois mudou-se para o betão da Quarteira.

A partir de 2006 o Pontal manter-se-ia fiel ao calçadão de Quarteira, junto à praia, zona central e frequentada por muitos portugueses em período de férias. E a partir de 2010 Passos Coelho ‘alimentou’ a, que usa como “rampa de lançamento” para o ano político que se segue. Uma presença assídua que contrasta com a ausência de vários líderes ao longo do tempo, e que esta sexta-feira é sublinhada pelo ex-presidente do PSD/Algarve Mendes Bora, na newsletter diária do PSD.

“Nem todos, mas vários líderes do PSD passaram por aqui. A presença de três deles foi marcante. Sá Carneiro, porque foi o inspirador e o precursor. Cavaco Silva, pelas presenças na década dourada do seu consulado governativo. E Pedro Passos Coelho, porque estará presente pela oitava vez consecutiva, e porque quando chegou à liderança, fez do Pontal de 2010 a sua rampa de lançamento para as Legislativas de 2011, que o PSD viria a vencer. Quatro anos mais tarde, agora em coligação, voltou a vencer as eleições, no balanço tomado no Pontal”, escreve Mendes Bota, que termina desejando que o Pontal seja um sopro de sorte para as eleições autárquicas deste ano.

Em 2017, ano de eleições autárquicas, o aroma inspirador do Pontal volta a estar na encruzilhada para a vitória”, diz Mendes Bota.

No ano passado, o primeiro Pontal do PSD desde que regressou à oposição, Pedro Passos Coelho foi a Quarteira dizer que a “solução de governo [a geringonça] estava esgotada”. Naquela altura, em agosto do ano passado, os indicadores económicos que começavam a ser divulgados e que diziam respeito ao primeiro ano de governação de António Costa apoiado pelo PCP e BE, não eram favoráveis, e Passos Coelho dizia que “tinha razão”: que o caminho que estava a seguir em 2015 estava certo, fora alterado por António Costa e, perante isso, os sinais dados pela economia, que antes eram positivos, apontavam agora para a “estagnação”. Por isso o líder do PSD queria saber o que pretendia fazer o Governo para voltar a pôr a trajetória em crescendo e acusava a “troika das esquerdas” de já ter “esgotado” todos os pontos que tinha em comum. “Que coisas novas têm para propor ao país?”, perguntava na altura.

Passos diz que solução de Governo está esgotada e quer arrepiar caminho

Passos Coelho dizia que iria “aguardar com muita curiosidade” o que ia acontecer nos próximos meses. Não por achar que PS, PCP e BE não se iam conseguir entender para elaborar o Orçamento do Estado para 2017, mas por querer saber que medidas iam tomar, numa altura em que a recuperação de rendimentos da função pública estava concluída. “Alguma coisa populista que não custe dinheiro?”, insistia.

Este domingo, Passos Coelho volta a subir ao calçadão de Quarteira para fazer novo balanço. O Orçamento do Estado para 2017 foi aprovado sem problemas, e PS, PCP e BE nem parecem muito preocupados com as negociações para o Orçamento do Estado para 2018 — as negociações só retomam a 21 de agosto. Os partidos da esquerda defendem essencialmente a alteração dos escalões de IRS e as mexidas nas leis laborais. Resta saber que profecias vai fazer Pedro Passos Coelho para a segunda metade da legislatura.

O seu discurso, apurou o Observador, não vai fugir ao balanço dos dois anos do mandato de António Costa e das perspetivas que o PSD vê para o futuro, numa altura em que Passos não põe em causa que a legislatura não chegue ao fim. A tragédia de Pedrógão Grande e a forma como o Governo lidou com ela, assim como as eleições autárquicas de outubro, são temas incontornáveis.

Rentrées fogem do norte

Além do PS e do PSD, em ano de autárquicas as rentrées são todas a sul, entre Lisboa e o Algarve, sendo a última a 9 de setembro. Depois do Pontal deste domingo, o PSD faz a sua habitual Universidade de Verão em Castelo de Vide, entre 28 de agosto e 3 de setembro, contando desta vez com um convidado especial: Cavaco Silva, o ex-Presidente da República, volta a uma iniciativa partidária 22 anos depois.

Cavaco professor na Universidade do PSD num regresso ao partido duas décadas depois

O Bloco de Esquerda vai regressar à atividade partidária em Lisboa, no Fórum Socialismo 2017. Será entre 25, 26 e 27 de agosto, na Escola Secundária Camões, em Lisboa, onde o partido vai promover painéis sobre temas como ciência, a cultura, o trabalho, o urbanismo, o feminismo, a ecologia ou a revolução. O encerramento do Socialismo 2017 está previsto para 27 de agosto, domingo, com os discursos da coordenadora do BE, Catarina Martins e – em ano de eleições autárquicas – do candidato do partido à Câmara de Lisboa, Ricardo Robles.

O PCP mantém-se fiel à Festa do “Avante!”, nos dias 1, 2 e 3 de setembro, com música, teatro, artes plásticas, cinema, ciência e desporto, mas também muitos debates e discussões políticas temáticas. E o CDS, que no ano passado organizou a sua Escola de Quadros em Peniche, optou por aproveitar a convenção autárquica nacional, em Lisboa, para fazer a sua rentrée política. Vai ser no dia 9 de setembro, aproveitando a candidatura de Assunção Cristas a Lisboa.