Entre Rui Rio e Santana Lopes não houve nenhum “olhe que não”, mas houve alguns “isso não é verdade” e outros “não foi assim”. Num debate de 70 minutos é normal haver imprecisões que tornam verdades em meias-verdades ou até em mentiras. Podem ser intencionais, de estratégia política, ou meras falhas. Mas existiram.

Quase sempre, quando um dos candidatos à liderança do PSD esteve “certo” o outro esteve “errado”. No debate entre Rio e Santana, houve erros, mas também foram ditas muitas verdades. Quando há duas versões em confronto, os factos desempatam.

Rio defende o mesmo que Marcelo sobre financiamento partidário há muitos anos?

Rui Rio: “O financiamento partidário é um problema do regime. Como sabe, eu fui sempre muito favorável, desde tempo em que justamente fui secretário-geral com o professor Marcelo Rebelo de Sousa, fomos sempre muito favoráveis a um grande reforço do financiamento público como está. E eu ao dizer isto sou impopular.”

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Certo

Sobre o financiamento partidário, Rui Rio puxou dos galões de já defender há muitos anos o mesmo que o atual Presidente da República, nos tempos em que era secretário-geral de Marcelo Rebelo de Sousa no PSD. E é verdade. Em junho de 1998, o PSD tentou alterar a lei do financiamento dos partidos, para acabar com o financiamento de empresas. Rui Rio foi mesmo o interlocutor do PSD no hemiciclo e não conseguiu esconder a frustração quando o projeto foi chumbado. Deixou, no entanto, claro o que defendia na sua intervenção: “O PSD entende que devemos criar uma nova filosofia, no que diz respeito ao financiamento partidário, que evite a dependência dos partidos relativamente às empresas. Nós pretendemos uma nova lei, uma lei com outra filosofia. O que esperamos é que o Partido Socialista não venha a arrepender-se um dia, tal como noutros países outros já se arrependeram”. O PS não aprovou as alterações. As empresas foram proibidas de contribuir para os partidos em 2003, com Durão Barroso.

Rio era número dois e defendeu as “trapalhadas” de Santana?

Santana Lopes: “Então ó Rui, foste meu primeiro vice-presidente e nunca disseste isso [que fiz trapalhadas no Governo] nem publicamente, nem privadamente. Aliás, se me dás licença, eu tenho aqui [mostra uma página de uma revista com uma entrevista a Rui Rio] quando eu era primeiro-ministro: ‘Só posso dizer bem de Santana’. Eu leio tudo o que está aqui”

Certo

Rui Rio era, de facto, número dois de Pedro Santana Lopes e defendeu-o em todas as circunstâncias até ao fim. A página da entrevista que Santana mostrou não foi descontextualizada e foi devidamente enquadrada. Trata-se de uma entrevista concedida à revista Visão a 12 de agosto de 2004, quando Rui Rio dizia que Santana Lopes tinha “mais consistência do que a imagem que têm dele” e que era uma pessoa com “seriedade, lealdade e frontalidade”. Rio, então vice-presidente do PSD, afirmava mesmo: “Só posso dizer bem de Santana. O meu estilo não tem o exclusivo da competência e do sucesso”. Atribuía ainda ao então primeiro-ministro uma “sensibilidade social que muitos militantes do PCP e do Bloco de Esquerda não têm.”

Rio alegou no debate desta quinta-feira à noite que o fez porque era “leal”. Mas Santana tem ainda mais provas do que as que mostrou no debate. Mesmo já depois da queda do Governo de Santana Lopes, antes do congresso de abril de 2005, Rui Rio assumia numa outra entrevista à revista Sábado ser um defensor da ida do agora adversário para o poder. “Vamos ser claros: em julho, ajudei a viabilizar a solução que o partido esmagadoramente queria para substituir Durão Barroso”, lembrava. O então presidente da câmara municipal do Porto ia ainda mais longe e nessa entrevista de 8 de abril de 2005 — já depois de tudo aquilo a que agora chama de “trapalhadadas” — afirmou taxativamente: “Hoje voltaria a dar corpo a essa solução“.

Jorge Sampaio nunca disse quais eram as “trapalhadas”?

Santana Lopes: “Diga quais são as trapalhadas é que o dr. Jorge Sampaio nunca disse”

Enganador

Santana Lopes tenta, no debate, colocar Rio a defender a “bomba atómica” de Jorge Sampaio, que tirou o PSD no poder e abriu caminho para a maioria absoluta. E conseguiu fazê-lo, com êxito. Rio chega a dizer que o “país legitimou a decisão dando maioria ao PS [de José Sócrates]”. No entanto, Santana diz que Sampaio nunca disse quais foram essas “trapalhadas. É verdade que — na comunicação ao país em que provoca a queda do Governo de Santana — Jorge Sampaio falou em “sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuíram para o desprestígio do Governo, dos seus membros e das instituições, em geral” e até acrescentou: “Dispenso-me de os mencionar um a um, pois são do conhecimento do país“. No entanto, o Presidente da República explica depois, várias vezes, que afastou Santana por causa de episódios como a demissão do ministro Henrique Chaves ou a saída de Marcelo da TVI após pressões governamentais. Pode ser discutível se Sampaio fez o mais correto, não se pode é dizer que nunca tenha dito quais foram os episódios que o levaram a afastar Santana Lopes.

[Neste fact-check em vídeo, reveja as frases de Santana e Sampaio sobre a dissolução do Parlamento em 2004]

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Rio não tem críticas ao Governo de António Costa na moção?

Santana Lopes: “Na moção, em todo o lado, passas o tempo a dizer mal de mim, do PSD. Até das bases. Tu não tens na moção praticamente um palavra de crítica à frente de esquerda.”

Esticado

É verdade que a moção de Santana Lopes é muito mais crítica do Governo de António Costa do que a de Rui Rio. É igualmente verdade que não são muitas as críticas à frente de esquerda. No entanto, é esticado dizer que não há uma única palavra contra o Governo na moção de Rio. São poucas, mas existem. Na parte das Finanças Públicas, por exemplo, Rio fala na “grande irresponsabilidade” do PS: “As múltiplas pressões no seio dos partidos apoiantes do atual governo (incluindo o próprio Partido Socialista) para aumentar a despesa pública revelam-se de grande irresponsabilidade querendo fazer crer que a margem das receitas produzidas pelo crescimento económico permite, por razões ‘políticas e sociais’, aliviar a contenção da despesa.” Além disso, Rio lembra o falhanço do Estado nos incêndios o que é sempre um mira apontada ao Governo de António Costa.

António Costa nomeou e confia em Santana Lopes?

Rui Rio: “Quem pode combinar coisas com o António Costa até és tu. Ele é que te nomeou. Teve confiança em ti.”

Enganador

A relação de António Costa com Rui Rio é muito mais próxima do que a de António Costa com Santana Lopes. É verdade que o atual primeiro-ministro reconduziu Pedro Santana Lopes na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e que, por isso, o “nomeou” — como disse Rio no debate. Santana tentou justificar que o socialista apenas o “confirmou” e que Costa “não podia fazer outra coisa”. Não é verdade: Costa teve de nomear, de novo, Santana e negociar com ele uma nova administração da SCML (por exemplo, o vice-presidente deixou de ser o centrista Paes Afonso e passou a ser o socialista Edmundo Martinho). Além disso, as mudanças na liderança destas instituições são encaradas com alguma naturalidade no contexto político português, pelo que Costa poderia tê-lo feito sem grande alarido (como fez noutras instituições).

Rio perde, porém, a razão quando diz a Santana: “[Costa] teve confiança em ti”. Se há coisa que Costa nunca teve foi confiança em Santana. Pode até ter decidido reconduzi-lo para o manter mais indisponível para outros voos (como por exemplo, enfrentar o “delfim” Medina em Lisboa). Mais facilmente o socialista confiaria em Rio do que em Santana. Rio e Costa mantiveram uma relação mais próxima quando presidiam às duas maiores câmaras do país. Santana e Costa estão (muito) longe de ser amigos. Acaba, por isso, por ser enganadora essa colagem que o portuense faz, embora tenha um fundo de verdade: a recondução.

Santana nunca elogiou Costa?

Santana Lopes: “Não encontras uma palavra em que eu defenda ou talvez o Bloco Central ou que o dr.António Costa é muito bom. Ou assinar cartas. O facto de ele me ter nomeado, nunca lhe passei cartão, além daquele que fui em relação ao PS: um firme opositor. Nunca. Gostava que pudesses dizer o mesmo.”

Praticamente certo

É verdade que Santana Lopes nunca se desfez em grandes elogios a António Costa, mas também não é verdade que nunca tenha elogiado o Governo. O “spin” de esquerda, assim que Santana fez declarações, começou logo nas redes sociais a partilhar uma notícia da agência Lusa de 30 de novembro de 2016, em que o título é “Santana e Costa trocam elogios“. Lendo a notícia da Lusa e ouvindo a peça da TSF é possível perceber que Santana não fez um elogio direto a António Costa, mas ao ministério da Saúde. Tratou-se de uma cerimónia de entrega dos prémios Santa Casa Neurociências 2016, que decorreu no Palácio Nacional da Ajuda. Santana disse então: “Desde que este Governo tomou posse, o ministério da Saúde tem procurado muito a Santa Casa, nomeadamente na área dos cuidados continuados, para ser parceiro permanente da criação de condições que os portugueses precisam”. Costa respondeu: “Parabéns também à Santa Casa da Misericórdia, em particular ao seu provedor, Pedro Santana Lopes, por esta iniciativa (…)”. E ficaram-se por ali os elogios, embora tivessem saído da cerimónia de braço-dado. O ambiente era, no entanto, de cumplicidade — relatada nas peças jornalísticas. Outro ponto em que Santana está certíssimo: nunca defendeu um Bloco Central, nem nada parecido. Mas, por exemplo, elogiou a mensagem de Natal de António Costa esta semana.

Santana não quis criar um partido alternativo ao PSD?

Santana Lopes: “Rui, Rui, um movimento! [Não um partido] Onde é que estivemos hoje às quatro da tarde? Num movimento dos teus apoiantes Portugal Não Pode Esperar. Qual é o problema de um movimento?”

Errado

Rui Rio acusou Santana Lopes que querer fazer um partido contra o PSD. “É preferível ir a uma associação falar sobre o regime do que arrasar Passos Coelho e querer fazer um Partido Social Liberal, fazer um novo partido, contra o partido”, afirmou. Rio não foi concreto quanto ao momento em que Santana manifestou essa vontade e sugeriu que Santana o quis fazer contra o PSD de Passos Coelho. De facto, Santana quis fazê-lo, pela primeira vez há mais de 20 anos. O Independente deu essa notícia a 30 de agosto de 1996 — quando Marcelo Rebelo de Sousa liderava o PSD e Rio era secretário-geral do partido.

A notícia, que não citava fontes, dizia que Santana ia sair do PSD por considerar que “não há qualquer hipótese de regenerar, renovar ou refundar o PSD”. Santana respondeu a Rio, no debate, se havia algum problema em fundar um movimento e deu como exemplo o movimento de Pedro Rodrigues — onde Santana e Rio estiveram esta quinta-feira com Passos Coelho.

No entanto, as notícias na altura eram claras: Santana ameaçava mesmo formar um partido alternativo ao PSD. Depois disso, ao longo dos anos, fez várias declarações a dar entender que ponderava essa hipótese, mesmo sem ser taxativo. A 5 de março 2011 — já com Passos no PSD há quase um ano — há notícias a relatar a hipótese de Santana formar um novo partido a partir de declarações feitas num espaço de comentário que tinha à sexta-feira na TVI. Rio foi impreciso e atrapalhou-se perante as câmaras, mas tinha razão na acusação.

A diferença de Santana para Ferreira Leite foram três décimas?

Santana Lopes: “O grupo de que tu fizeste parte, sabes que resultado teve? [Rio: “Melhor que o teu!”] Sabes quanto? Duas décimas, três décimas. 28,77% e essa tua maravilha teve 29,11%, depois do Paulo Rangel ter ganho as Europeias, três meses antes.”

Certo

Santana tem razão quando diz que a diferença entre a sua votação e a de Ferreira Leite foram três décimas. Na verdade o PSD liderado por Santana Lopes teve 28,77% dos votos em 2005, enquanto o PSD liderado por Manuela Ferreira Leite teve 29,11% dos votos em 2009. Ambos contra José Sócrates. O resultado foi praticamente igual, mas ambos leram os resultados a seu bel-prazer. Rio leu que Santana deu a primeira maioria ao PS e Ferreira Leite tirou-a, Santana leu que mesmo após quatro anos de Sócrates, o “grupo maravilha” de Rio perdeu as eleições para o PS. Mas, genericamente, Santana tem razão: o resultado foi quase tirado a papel químico. Ferreira Leite — que tinha Rio como vice-presidente — só teve, em termos brutos mais 1.352 votos do que Santana quatro anos antes. A diferença é que, da segunda vez, Sócrates não teve maioria.

Rio fez parte do grupo que tirou Passos das listas a deputados?

Santana Lopes: “Também deves saber uma coisa a propósito da unidade do partido e de como é que eu quero unir o partido. Sabes o que essa direção fez nas eleições de 2009? Pôs Pedro Passos Coelho fora das listas de deputados, como vice-presidente.”

Certo

Santana Lopes acertou na tentativa de lembrar aos passistas de que lado esteve sempre Rui Rio. Em 2009, Passos Coelho ficou de fora das listas de deputados por decisão da direção de Manuela Ferreira Leite, da qual Rui Rio fazia parte. O portuense estava no “inner circle” político de Ferreira Leite. Se não foi um dos impulsionadores desse veto, foi pelo menos cúmplice. Passos foi escolhido como candidato a deputado pela distrital de Vila Real, mas em agosto de 2008, Ferreira Leite vetou o nome daquele que mais tarde se tornaria líder do partido.