António Costa nunca deu instruções à bancada do PS?

A frase

“Não damos instruções [à bancada] nem hoje, nem ontem. Mas, como é normal, há um diálogo entre a bancada do Grupo Parlamentar do PS e o Governo.”

António Costa, primeiro-ministro

O primeiro-ministro tenta transmitir a ideia de que há uma total independência da bancada parlamentar do PS face à atuação do Governo. Mais do que isso, afirma que nunca deu instruções ou orientações à bancada do PS. O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, aproveitou a deixa para lembrar o que se passou no Orçamento do Estado, em que a bancada do PS mudou a votação sobre a aplicação de uma nova taxa às empresas de energias renováveis. Lembrou o deputado social-democrata: “Não me venha com a desculpa que não se mete nas orientações dadas à bancada. Eu não queria, mas vou ter de lembrar, a triste figura que obrigou os seus deputados a fazer aquando da discussão na especialidade do Orçamento do Estado, que votaram a favor numa sexta-feira (…) e na segunda-feira votaram tudo ao contrário. Não vale a pena dar a essa desculpa”.

De facto, esta mudança de voto ocorreu na vigésima quinta hora, durante um fim de semana. Na sexta-feira o PS, tal como tinha acordado com o Bloco de Esquerda, aprovou na especialidade a aplicação de uma nova taxa ao setor das energéticas renováveis. O valor cobrado nessa taxa seria aplicado diretamente nas faturas dos consumidores, para que os portugueses pagassem menos na fatura da luz.

O que mudou em poucas horas? António Costa travou a nova taxa sobre as renováveis

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No entanto, durante os socialistas decidiram repetir a votação da proposta. Na segunda-feira votaram em sentido contrário. Só Costa teria o poder de travar assim uma decisão, que já tinha sido aprovada pela bancada. Na altura, embora Costa o tenha negado, fontes socialistas — quer da bancada, quer do Governo — confirmaram ao Observador que a ordem tinha vindo do líder do partido e do Governo.

Conclusão: Errado

O crescimento do investimento é o maior dos últimos 18 anos?

A frase

“O que temos verificado é que, ao contrário do que muitos receavam, e alguns até anunciaram, o aumento do salário mínimo não afastou o investimento. Pelo contrário, no ano passado tivemos um crescimento, como não crescia desde há 18 anos.

António Costa, primeiro-ministro

Embora estivesse a ser questionado sobre o investimento público, António Costa respondeu com o investimento global. E aí disse que o crescimento do investimento cresceu no ano passado como não nunca tinha acontecido nos últimos 18 anos. É verdade. De acordo com os dados do INE, nos três primeiros trimestres de 2017 o crescimento do investimento foi superior ao registado em qualquer outro trimestre desde o último de 1998. No primeiro trimestre de 2017 foi de 10 %, no segundo 11,1% e no terceiro 10%. Qualquer um dos valores é superior aos dos 18 anos anteriores. Maior crescimento só é possível encontrar no último trimestre de 1998, de 13,7%. Há, no entanto, uma ressalva a fazer: Costa falou “no ano passado”, o que remete para a totalidade de 2017. Ora, o primeiro-ministro até já pode ter essa informação, mas ainda não há dados anuais. Só do terceiro trimestre. E esses indicam que o ano pode ser melhor que os 18 anteriores, mas não são números finais.

Conclusão: Certo

Costa nunca disse que era “absurdo” aumentar a idade da reforma?

A frase

“O que dissemos, é aquilo que mantemos. (…) Não consta nem do programa eleitoral do PS, nem do programa de Governo do PS e certamente não consta de nenhuma declaração minha qualquer compromisso de alterar a lei da Segurança Social para eliminar o fator de sustentabilidade para travar qualquer progressão nem o aumento da idade da reforma.”

António Costa, primeiro-ministro

O primeiro-ministro disse que nunca defendeu travar o aumento da idade da reforma. Hugo Soares leu uma notícia de agosto de 2015, durante a campanha eleitoral para as legislativas. “Nas suas declarações em vésperas de eleições legislativas o senhor dizia (…): ‘Temos de vencer esta situação absurda de cada vez se prolongar mais a idade da reforma’.” E questionou: “O senhor é Governo há dois anos, acabou de publicar uma portaria que aumenta a idade da reforma. O senhor primeiro-ministro cultiva o absurdo?”

Costa não só disse que nunca o tinha dito, como até atribuiu aos socialistas os louros do atual sistema, onde a idade da reforma está indexada ao aumento da esperança média de vida. Trata-se do chamado fator de sustentabilidade. Ou seja: a idade da reforma aumenta de acordo com a esperança média de vida. Costa disse agora que o aumento a que oposição se refere “resulta dessa lei, uma lei que foi aprovada, uma lei que nunca foi alterada, uma lei que se mantém em vigor e uma lei que tem sido apontada e tida como um exemplo de boa reforma da Segurança Social.”

Numa coisa, António Costa tem razão: nunca defendeu claramente que se devia acabar com o fator de sustentabilidade. Mas tendo dito que travava o aumento da idade da reforma, a única forma de o fazer era acabar com esse fator de sustentabilidade. Hugo Soares leu em plenário uma parte um artigo do Correio da Manhã, em que de facto o então candidato a primeiro-ministro dizia: “Temos de vencer esta situação absurda de cada vez estar a prolongar mais a idade para a reforma e cada vez termos menos emprego para os jovens que querem aceder ao mercado de trabalho”.

Conclusão: Errado

A direita fez mais investimento público em 2015 que Costa em 2016 e 2017?

A frase

“Em qualquer ano, seja 2016 ou 2017, o seu investimento público está abaixo do que houve no ano de 2015. Tem a tal austeridade encapotada, que afeta saúde, transportes públicos e segurança.”

Assunção Cristas, presidente do CDS

Parece uma inversão de ideologias, mas no atual Parlamento a direita pede mais investimento público e a esquerda justifica o porquê de ter ficado aquém do que se esperava. Assunção Cristas mostrou três gráficos: dois mostravam o facto de a execução do investimento público em 2016 e 2017 ter ficado aquém do orçamentado e um último em que mostrava que, dessa forma, tanto em 2016 como em 2017, o investimento público foi inferior ao do último ano de PSD/CDS.

O próprio António Costa admitiu que, em 2017, executou menos 850 milhões de investimento público do que estava orçamentado e lembrou que nos últimos dois anos de governação PSD/CDS, quando Cristas era ministra, os valores por executar foram maiores: 1000 milhões em 2015 e 1100 milhões em 2016. Nenhum dos dois contestou os números apresentados. O que importa, de facto, para a discussão é quem é que fez mais investimento público. E aí, medindo o investimento público em contabilidade nacional (o que exclui, por exemplo o investimento em Parcerias Público-Privadas) o investimento público — como foi noticiado pelo Eco — foi de facto maior em 2015 (4.084 milhões de euros) do que em 2016 (2.734 milhões de euros) e 2016 (2.734 milhões de euros). O critérios dos gráficos do CDS, que tinham como fonte a Direção-Geral do Orçamento, são diferentes das contas feitas pelo Eco, que têm por base o Orçamento do Estado para 2017. Mas a conclusão de ambos os dados é a mesma.

Conclusão: Certo

Costa referia-se a dados de 2014 quando disse que Portugal está em 14º lugar em serviços de Saúde?

A frase

“Eu digo-lhe aquilo que oiço, que vejo e que leio. E já agora, esse 14º lugar diz respeito a dados de 2014. Ficaria bem reconhecer isso mesmo.”

Assunção Cristas, deputada e líder do CDS

A oposição insistiu na degradação dos cuidados de saúde no país e Costa lembrou um relatório em que Portugal ficou classificado em 14º lugar nos cuidados de saúde entre 35 países europeus. Assunção Cristas pediu, depois, que António Costa reconhecesse que os dados eram de 2014.

Mas não são. Costa referia-se a um ranking que avalia os serviços de saúde dos europeus elaborado pela organização Health Consumer Powerhouse. O Euro Health Consumer Index (EHCI) faz uma classificação anual dos sistemas de saúde nacionais da Europa, com base em indicadores de seis áreas temáticas: direitos e informação dos doentes, acessibilidade, resultados, diversidade e abrangência dos serviços prestados, prevenção e produtos farmacêuticos. É certo que no relatório há dados de 2014, como disse Cristas, mas também há de 2016 e até 2017, sendo um cruzamento dos últimos dados disponibilizados.

Se os dados fossem referentes a 2014, Costa estaria a aproveitar-se de uma boa posição decorrente de um ano em que era o PSD e o CDS que estavam no Governo. Mas basta consultar o próprio relatório para perceber que Cristas está errada.

Conclusão: Errado

Os salários estão mesmo estagnados?

A frase

“Há estagnação salarial.”

Catarina Martins, deputada e coordenadora do Bloco de Esquerda

A afirmação da bloquista nem é exatamente uma inovação: a 25 de janeiro, quando foi analisado o Livro Verde sobre as Relações Laborais, o Ministério do Trabalho reconhecia que, apesar do crescimento do emprego, os salários reais dos portugueses estão praticamente estagnados. Mais: os contratos sem termo continuam a ser o modelo predominante no mercado de trabalho e são esses trabalhadores que ganham menos e estão mais expostos ao risco de pobreza.

Aliás, nem sequer é o único estudo a apontar nesse sentido: no início de janeiro, o Observatório sobre Crises e Alternativas, concluiu que o salário médio mensal dos contratos permanentes está estagnado desde 2013, enquanto o dos contratos a prazo teve uma subida continuada. Ou seja, apesar do crescimento do emprego, esta evolução não tem sido acompanhada por uma melhoria da qualidade do emprego criado e a diferença entre a remuneração dos novos trabalhadores com contrato sem prazo e a dos trabalhadores não permanentes é cada vez menor.

Estas e outras conclusões foram, aliás, tema de debate na última audição parlamentar de Mário Centeno. Confrontado com as críticas da deputada bloquista Mariana Mortágua, o ministro das Finanças argumentou que, apesar de o crescimento dos salários em termos reais ter sido pouco significativo, os salários nominais (sem inflação) cresceram, em 2017, cerca de 2%.

Ora, se o salário médio cresceu em termos nominais cerca de 2% num contexto em que foram criados 288 mil postos de trabalho, “é preciso que os salários de cada um dos portugueses esteja a aumentar porque o efeito de composição é o contrário que existe em tempos de crise”.

O que significa isto? Como em períodos de crise os empregos menos qualificados (logo mais mal remunerados) são os mais destruídos, a média salarial sobe artificialmente; em períodos de recuperação económica, onde há uma maior recuperação de emprego menos qualificado, a média salarial tende a adaptar-se. Se mesmo neste contexto o salário médio em termos nominais aumentou 2%, argumentou Centeno, isso significa que os salários estão a aumentar. Centeno ainda usou outro argumento: “Os salários que os portugueses levam para casa no seu conjunto estão a crescer 7%” dado que “as contribuições sociais estão a crescer [em média] 7%” ao mês.

Estes argumentos foram recuperados esta quinta-feira por António Costa e, mais uma vez, rebatidos pelo Bloco de Esquerda. Além de dizer que não faz sentir comparar salários nominais — “100 euros hoje não valem o mesmo do que valiam há 10 anos” –, Catarina Martins afirmou: “Nós sabemos que a massa salarial aumentou 7%. É o que mostram as contribuições para a Segurança Social. Mas isso o que nos diz é que foi criado emprego. Não nos diz que os salários melhoraram”, rematou a coordenadora bloquista.

Conclusão: Certo

Bruxelas tem a mesma posição que o Bloco em relação à lei laboral?

A frase

“Se o PS não mexe nas leis laborais por medo de Bruxelas, que fique sabendo que até Bruxelas já diz que temos de mexer nos contratos a prazo e no combate ao trabalho temporário. É altura de avançar e há uma maioria neste parlamento para fazer este trabalho.”

Catarina Martins, deputada e coordenadora do Bloco de Esquerda

Na sua 7ª avaliação a Portugal após o programa da troika, publicada a 19 de janeiro, a Comissão Europeia alertou para o facto de a recuperação no mercado de trabalho não estar a ser acompanhada pela evolução salarial, uma vez que a criação de postos de trabalho está a acontecer em sectores menos qualificados. “A um nível mais agregado, o crescimento salarial permanece limitado”, concluía Bruxelas.

Uma recuperação assente empregos pouco qualificados e mal pagos, avisava ainda a Comissão Europeia, representa riscos para a economia do país. Partindo destas recomendações, Catarina Martins desafiou o Governo a mexer na lei laboral e deixar de ter “medo” de Bruxelas — uma vez que é a própria Comissão Europeia a reconhecer que o caminho que está a ser percorrido não é sustentável.

As conclusões estão inscritas no Livro Verde apresentado pelo Ministério do Trabalho, em que se lê que Bruxleas “sublinha as consequências nocivas dos elevados níveis de segmentação do mercado de trabalho, nomeadamente no que respeita às perspetivas de progressão na carreira e aos níveis de remuneração dos trabalhadores temporários, em particular dos mais jovens”. Nesse documento é dito que “a Comissão Europeia recomenda ao Governo Português que promova a contratação baseada em contratos sem termo, incluindo através de uma revisão do enquadramento legal”.

Até este ponto Catarina Martins tem razão. O que a coordenadora do Bloco de Esquerda não menciona é que a Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o FMI têm recomendado ao Governo que resolva essa segmentação do mercado de trabalho através da flexibilização dos contratos permanentes e não através da introdução de restrições ao uso de contratos temporários.

Foi precisamente isso que a Comissão e o Banco Central Europeu transmitiram ao Governo em dezembro, durante a 6ª avaliação da sexta avaliação após o programa da troika. “O hiato entre contratos de trabalho permanentes e temporários deve ser eliminado principalmente através da flexibilização dos contratos permanentes e não através da introdução de restrições ao uso de contratos temporários”. O FMI dizia o mesmo, de forma mais contida: “Um mercado de trabalho flexível é fundamental para a economia absorver choques negativos e para se adaptar a novas oportunidades que surjam com as mudanças estruturais”. É certo que Bruxelas desafiou o Governo português a mexer na lei laboral para incentivar a contratação sem termo, mas dificilmente a receita das instituições europeias será idêntica à do Bloco de Esquerda.

Conclusão: Enganador