“Querido Asto,

Raramente publico o que penso acerca das pessoas porque sempre acreditei que a beleza das relações, o respeito mútuo e o afeto não deviam ser explorados nem usados por pessoas que não têm a delicadeza de respeitar tais ligações. No teu caso, estou a abrir uma exceção à regra, porque tens uma esposa jovem e entes queridos que estão a sofrer, mas especialmente uma filha pequena. A tua filha merece saber que o pai era, em todos os aspetos, uma pessoa perfeita. Uma pessoa perfeita que era a imagem dos valores de um mundo passado, que valorizava o altruísmo, a elegância, a educação e o respeito pelos outros. Parabéns, Asto, foste uma das melhores figuras que encontrei no desporto. Descansa em paz”.

As palavras de Gianluigi Buffon no domingo, dia em que Davide Astori morreu, circularam um pouco por todo o mundo. E têm uma mensagem fortíssima, que resume da melhor forma centenas e centenas de mensagens deixadas por companheiros, antigos colegas, adversários ou simples fãs. Sem clube e sem cor, com todos na mesma equipa do central. Como se viu esta quinta-feira na Basílica de Santa Cruz, em Florença, onde milhares e milhares de pessoas prestaram uma última homenagem.

“Adeus, capitão”. As imagens da despedida de Davide Astori

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A última viagem de Astori, de 31 anos, passou pelo estádio Artemio Franchi, onde joga a Fiorentina, onde centenas de adeptos com camisolas, cachecóis e fotografias do capitão dos viola fizeram a derradeira despedida a um jogador que, apesar de ter chegado apenas em 2015, era uma referência de liderança e talvez o principal símbolo do conjunto comandado por Stefano Pioli (e onde jogam os portugueses Bruno Gaspar e Gil Dias), atual décimo classificado da Serie A. De seguida, realizou-se o funeral pelo arcebispo Giuseppe Betori, com a presença dos companheiros de equipa e elementos de várias formações das camadas jovens (uma das imagens mais marcantes da cerimónia), além de antigos companheiros e representantes de clubes.

Como já tinha sido referido após o triunfo da Juventus em Wembley frente ao Tottenham na segunda mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões, a Vecchia Signora fez-se representar por uma extensa delegação onde se contavam as presenças dos antigos companheiros de seleção Buffon, Marchisio e Chiellini (que não conseguiu conter as lágrimas na flash depois do jogo em Londres), além do treinador Massimiliano Allegri; da Roma, além do antigo histórico capitão Francesco Totti, estiveram também os ex-companheiros El Shaarawy, Nainggolan e Pellegrini; do Inter, o ex-capitão Javier Zanetti, Borja Valero e o treinador Luciano Spalletti; e nomes como Mario Balotelli (Nice), Giuseppe Rossi (Génova) o presidente da Fiorentina Diego Della Valle, ou Matteo Renzi, ex-primeiro ministro italiano que antes tinha sido presidente da câmara de Florença.

Tu eras o irmão e o filho que todos queriam ter. Os teus pais não cometeram qualquer erro contigo, não mudavam uma vírgula. Para os outros, tu és futebol, o verdadeiro, a mais pura das crianças. Os nossos pensamentos estão com os teus pais, com os teus irmãos, com a Francesca [esposa] e com a princesa Vichy [filha]. Foste um homem com ‘H’ grande e agora temos que te dizer que és a luz para todos nós”, leu Milan Badelj, médio croata que se expressou em nome do plantel.

Nascido em San Giovanni Bianco, localidade a 60 quilómetros de Milão, Davide Astori começou a jogar no modesto Pontisola, passando depois para as camadas jovens do AC Milan quando tinha apenas 14 anos (nunca chegou a alinhar no principal conjunto). No início da carreira como sénior, o central teve passagens pelo Pizzighettone e pela Cremonese (da Série C1, equivalente ao terceiro escalão) e assinou em 2008 pelo Cagliari, onde passou seis anos e fez a estreia pela seleção principal italiana (14 internacionalizações, entre 2011 e 2017, com um golo frente ao Uruguai na Taça das Confederações de 2013 no jogo do terceiro e quarto lugares). Após empréstimos de uma temporada à Roma e à Fiorentina, ficou mesmo nos viola a título definitivo até ao fatídico domingo onde foi vítima de uma paragem cardiorrespiratória.

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Nos últimos dias, entre a onda de consternação que correu pelo mundo, ficou a saber-se que a Fiorentina vai respeitar o acordo que tinha com o central para a renovação de contrato e continuar a pagar o salário à família do central transalpino, além de, tal como o Cagliari, retirar o número 13 que pertencia a Astori. Soube-se também como foram as últimas horas do capitão viola, no hotel em Udine onde a equipa estava concentrada: depois do jantar, foi ao quarto do amigo e guarda-redes Marco Sportiello para se entreter com vídeo-jogos e regressou ao seu por volta das 23h, a habitual hora de recolher nas concentrações. “Esqueceste-te aqui dos sapatos no meu quarto”, disse por SMS Sportiello ao defesa. “Passo para ir a buscá-los de manhã, antes do pequeno almoço”, respondeu numa mensagem de voz antes de morrer por causas naturais.

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Homem de convicções fortes e perfil de líder, defensor de que o mais importante numa equipa era formar um grupo onde todos os jogadores falassem a mesma língua em campo, amante de tecnologia e arquitectura, Davide Astori era visto como um alguém inteligente e capaz entre os mais velhos e uma referência e exemplo para os mais novos. Como futebolista, os companheiros destacam a capacidade que tinha para comandar a equipa em campo e ensinar aos que chegavam os posicionamentos que deviam seguir; como homem, além da boa disposição, recordam os muitos interesses fora de campo que comentava com os restantes jogadores nas concentrações. Hoje, todos se juntaram na mesma equipa para prestarem um último ciao a um amigo e companheiro, como destacou Chiellini após a vitória da Juventus diante do Tottenham.

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