Se o festival lisboeta Super Bock Super Rock tem já oficiosamente instituído um dia dedicado ao hip hop, o segundo dia do NOS Primavera Sound (que na véspera já recebera o rapper Tyler, the Creator) pareceu querer repetir a ideia. Afinal, os últimos dois concertos da noite no palco principal foram de Vince Staples e A$AP Rocky, dois dos maiores representantes americanos desse género musical. Se o hip hop esteve em maioria no maior palco, o segundo dia da sétima edição do festival teve outros motivos de interesse, nomeadamente concertos de indie-rock, música eletrónica e jazz de fusão.

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A boa forma de Kim Deal, 30 anos depois dos Pixies

Esta sexta-feira, o primeiro concerto a motivar o interesse do público foi o de Breeders, a banda de Kim Deal, ex-baixista dos Pixies. O fim de tarde estava ameno, a chuva continuou sem dar sinal de si (contrariando as previsões) e na relva que fica em frente ao palco NOS estava um público de uma faixa etária mais velha do que o da véspera ou que se seguiria nos concertos de Vince Staples e A$AP Rocky. Um público que se deve recordar dos tempos áureos dos Pixies e do quarteto que voltou esta sexta-feira a Portugal.

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O grupo de Kim Deal, que inclui ainda a sua irmã Kelley (guitarrista, tal como Kim o é nesta banda), a baixista Josephine Wiggs e o baterista Jim MacPherson, voltou aos palcos em 2013 e este ano lançou um novo disco de originais. Foi um verdadeiro acontecimento no mundo do rock alternativo, visto que é o primeiro disco do grupo nos últimos dez anos.

O que se viu no Primavera Sound do Porto é que a passagem do tempo não afetou os quatro cinquentões negativamente. Estão todos mais velhos, mas o prazer de tocar parece ser o mesmo. Houve muitos sorrisos durante o concerto, piadas e palavras simpáticas trocadas entre os quatro e indie-rock à antiga, que não inventa a roda mas que é mel para os ouvidos dos fãs de guitarras.

Os riffs vêm do indie dos anos 1990 e as semelhanças com os Pixies são evidentes mas a fórmula guitarras-baixo-bateria ainda não está esgotada. Pelo menos ao vivo, na abertura de um palco de um festival como o Primavera Sound, já que ao novo disco falta algum rasgo. No concerto, os Breeders tocaram canções novas, canções antigas e canções dos Pixies (“Gigantic”). Também se ouviu o grande hino que os notabilizou, “Cannonball”, logo a seguir a”I Just Wanna Get Along”, numa bela sequência que entusiasmou o público. Girl power com um homem a ajudar: foi isso que se viu na abertura do palco principal do festival, esta sexta-feira.

O indie-rock delicodoce dos Grizzly Bear e a eletrónica de Four Tet

O início do concerto dos Grizzly Bear fez temer o pior para os meninos bonitos do indie-rock americano. Quando a banda de Brooklyn iniciou o seu concerto, às 20h50, no palco Seat, o cenário era bem diferente daquele que se vira um dia antes, no concerto de Fahter John Misty (que começou mais ou menos à mesma hora): bancadas repletas, é certa, mas plateia em pé despida de público, com apenas algumas dezenas verdadeiramente interessadas em ver o concerto de perto.

Tudo mudaria minutos depois. Em frente ao palco, o número de pessoas foi aumentando. Já depois das 21h, quando o vocalista e guitarrista Edward Droste concedeu algumas palavras ao público dizendo que “temeram tocar num festival chuvoso mas felizmente estava um lindo começo de noite”, era difícil a alguém movimentar-se por ali. Um bom sinal para uma banda que quis sair do esquecimento e voltar a editar um disco cinco anos depois de Shields, álbum de 2012. Painted Ruins, o novo trabalho, foi relativamente bem recebido pelo público que o ouviu e pela crítica, mas esteve longe de lograr o impacto do terceiro álbum da banda, até hoje o mais elogiado, Veckatimest.

Edward Droste, vocalista dos Grizzly Bear. Fotografia: João Porfírio / Observador

Tal como os Breeders, que tocaram imediatamente antes, também os Grizzly Bear fazem indie-rock com guitarras, baixo e bateria, mas acrescentam-lhe camadas de efeitos mais intrincadas do que a distorção típica dos anos 1990. A música é outra, mais melancólica e sonhadora, por vezes inspirada na pop psicadélica.

As canções são sólidas, a banda está bem oleada e os executantes são de bom nível, mas, tal como no último disco da banda, também no concerto sentiu-se uma monotonia e melancolia excessiva, a que o canto arrastado e ligeiramente afetado de Edward Droste não é alheio. As canções mais antigas (maravilhoso o final de “Fine For Now”) e os momentos em que os músicos se libertavam do formato canção, dialogando mais livremente em momentos instrumentos, acabaram por salvar o concerto do aborrecimento.

Tudo isto acontecia enquanto as gémeas Lisa-Kaindé e Naomi Diaz, nascidas em França mas muito relacionadas com outros culturas (desde logo, mas não só, a cubana e venezuelana), apresentavam as canções ecléticas, cruzando vários estilos e linguagens, que gravaram com o projeto Ibeyi, no palco Pitchfork. Também o rock dos Shellac de Steve Albini atraía público no palco Super Bock.

Em horário mais tardio, já depois do impressionante concerto de Vince Staples no palco principal, as atenções dividiam-se entre o o jazz de fusão de Thundercat, isto é, Stephen Lee Bruner, que cresce de relevo ao vivo por ser ainda mais notório o virtuosismo do músico e da banda que o acompanha (falta só aplicá-lo a temas mais sólidos do que os de The Golden Age of Apocalypse, Apocalypse e Drunk, os álbuns já editados), e a eletrónica mágica de Four Tet.

Thundercat no NOS Primavera Sound 2018. Fotografia: João Porfírio / Observador

Este último, Four Tet, juntou em seu redor muito público, curioso para assistir a mais uma atuação do britânico Kierean Hebden, autor de alguns dos álbuns mais estimulantes da música eletrónica dos últimos anos. New Energy, o último trabalho, passou pelo alinhamento, com a sua eletrónica com inspirações tão díspares quanto os ritmos orientais, o house e garage britânicos, a música ambiental, a sobriedade do estilo clássico e uns pózinhos de jazz.

O best of dos Unknown Mortal Orchestra

Enquanto A$AP Rocky prosseguia o seu ataque punk de batidas hip hop no palco NOS, agitando o público, os Unknown Mortal Orchestra davam um concerto best of no palco Pitchfork. Conciliar álbuns tão distintos quanto os últimos da banda de Ruban Nielsen é um desafio e as transições estilísticas de canção para canção foram naturalmente muito notórias no concerto desta noite.

Sex & Food, o novo álbum da banda, editado já este ano, é ao mesmo tempo uma súmula dos trabalhos anteriores (tem rock, pop psicadélico, soul, R&B e canções mais inspiradas no synth-rock) e um passo em frente. A banda de Nielson não para de crescer e de se reinventar, vai conseguindo fazê-lo com trabalhos sólidos mas esta sexta-feira, por condições de som deficitárias ou por dificuldade a transpor os temas do estúdio para o palco, o concerto foi um pouco inferior aos anteriores em solo português. Só cresceu de intensidade e relevo quando Nielsen atacou mais livremente a guitarra elétrica, ele que é um grande guitarrista.

Ruban Nielsen, líder dos Unknowm Mortal Orchestra, no NOS Primavera Sound 2018. Fotografia: João Porfírio / Observador

A noite prosseguiria com dança, motivada por atuações dos DJs e produtores musicais Helena Hauff, Levon Vincent e Marcel Dettmann (no palco coberto Primavera Bits, que já recebera os ritmos lusófonos de Lycox antes do início da madrugada) e por um concerto do sempre Sam Shepherd, aka Floating Points.