“A EDP nasce do Estado, a EDP era o Estado, a EDP era o Ministério da Energia” e foi a origem dos quadros técnicos que foram para a Direção-Geral de Energia e para o regulador. O ex-presidente da elétrica, João Talone, usou este argumento para justificar os contratos de rendas elevadas, mas não necessariamente excessivas, que foram atribuídas à elétrica, quando ainda era pública ou tinha participação do Estado.

Quando chegou a presidente da EDP, cargo que ocupou entre 2003 e 2006, João Talone diz que o Ministério da Economia achava que a EDP “ainda estava na sua alça”. O gestor, que foi ouvido esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito das rendas excessivas da eletricidade, lembrou que teve de explicar que o Estado só tinha 25% e que o seu papel como presidente era defender os interesses de todos os acionistas, incluindo os privados.

Talone citou a avaliação dos analistas para dizer que os chamados CAE (contratos de aquisição de energia) representavam cerca de 30% do valor da empresa. Daí que a passagem destes contratos para os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) foi um dos “problemas mais importantes que a minha gestão tinha de enfrentar”. E foi muito complexo. Revelou ainda que chegou a dizer ao Governo — Durão Barroso e Carlos Tavares —  que a EDP recusaria transitar para o novo regime, como o fizeram os produtores privados, se não tivesse garantias de entidades independentes da neutralidade dos CMEC. Era preciso garantir que a EDP não perdia valor.

“É claro que o Estado podia destituir a administração, mas este era o meu ponto de partida. Hoje a EDP é o mau da fita. Dá votos bater na EDP”, afirmou aos deputados de uma comissão de inquérito cujo nome já concluiu que as rendas do setor elétrico são excessivas. João Talone alertou para o risco de destruir a elétrica portuguesa, nomeadamente de a ver comprada por uma empresa espanholas, mas também sublinhou: “Não estou a defender que devemos criar valor artificial na EDP”. E garantiu que “nunca foi intenção, no regime inicial que negociou em 2004, que os CMEC favorecessem mais a EDP do que os CAE”, mas também não deviam prejudicar. E lembra que estava previsto refazer as contas ao fim dos dez anos.

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O gestor assinala ainda que o maior risco dos CMEC não era financeiro ou económico, mas sim político, “o risco político de passar pela cabeça de alguém expropriar a EDP”, dessas receitas.

Para João Talone, o “ponteiro do relógio” que marca o início das rendas da EDP deve ser colocado quando os contratos de aquisição de energia (CAE) foram estendidos à elétrica nacional. “Em 1996, quando foi decidida a extensão dos CAE à EDP, foi criada a maior renda para a empresa.” O ex-gestor da elétrica, que hoje é o responsável pelo fundo de investimento Magnum, defendeu ainda que a sua “missão como presidente da EDP era assegurar que os CMEC eram tão blindados como os CAE e se os senhores acham isso é porque fiz o meu trabalho”.

A propósito de rendas e “rendeiros” na energia, João Talone admitiu também que podem ser prejudiciais para a economia, mas isso não quer dizer que sejam ilegítimas. “As rendas podem ser altas, mas não são necessariamente excessivas”.

Os dois lapsos de memória de João Talone

Numa audição onde procurou responder a tudo, mesmo quando não se lembrava muito bem — e em contraste com a prestação da manhã do ex-presidente da REN  — João Talone reconheceu apenas dois lapsos de memória, dois “irritantes”. Não se lembra de ter contratado Ricardo Ferreira que passou diretamente do gabinete do ex-ministro da Economia, Carlos Tavares, para a EDP. Mas admite que o terá feito, apesar de ser contra esse trânsito direta do Estado para as empresas, justificando com as qualidades da pessoa e a necessidade de ter uma boa equipa de regulação.

Ricardo Ferreira considera “natural” sair do Governo e ir para EDP

A propósito do tema já recorrente das “portas giratórias” entre o Estado, o regulador e as empresas de energia, João Talone recorda que quando chegou à EDP encontrou 12 consultores externos com motorista que ocupavam um andar inteiro e que tinham sido ministros dos Governos PS e PSD/CDS. Destaca que rescindiu com cada um deles, numa altura em que a empresa precisava de reduzir os custos. “Não estou no céu, nem no inferno, se calhar estou no purgatório com a contratação de Ricardo Ferreira”.

Já o outro lapso tem a ver com a negociação com o Governo que permitiu à EDP assegurar que o prolongamento do prazo do domínio hídrico das barragens sob sua exploração seria automaticamente atribuído, quando cessassem os contratos CAE (contratos de aquisição de energia). Isso aconteceu em 2005, quando ainda estava na empresa, mas o ex-presidente não recorda. Foi esta a condição legal invocada pelo ministro Manuel Pinho para justificar como inevitável a extensão por 25 anos do prazo de concessão das barragens em 2007, sem a realização de um concurso público.

Antes de ser presidente da EDP, João Talone apresentou a pedido do Governo de Durão Barroso uma proposta para a reorganização do setor energético e das empresas públicas do setor. E confessa que foi durante este período alvo de chamadas anónimas com ameaças à sua família que só terminaram depois de entregue a proposta. Sobre a sua ida para a presidência da EDP depois de ter apresentado uma solução que defendia a saída dos ativos de gás do controlo da Galp para o controlo da elétrica, João Talone reconhece que foi criticado por conflito de interesses. “A primeira pessoa a criticar-me foi o meu pai”.