“Este é o melhor dos quatro orçamentos desta legislatura.” O mantra para o debate estava lançado com uma das primeiras frases do ministro Tiago Brandão Rodrigues na Assembleia da República. Ao longo da audição, seria repetido pela oposição vezes sem conta, com mais ou menos ironia. No arranque das audições na especialidade, coube ao ministro da Educação fazer a defesa do orçamento para a Educação e anunciar alguns números novos: oferecer manuais escolares gratuitos a todos os alunos da rede pública vai custar 160 milhões de euros, o investimento por aluno sobe 21%, tornando-se o maior dos últimos 8 anos, e a rede de educação pré-escolar ganha 225 novas salas ao longo da legislatura, o que corresponde a 6000 novas vagas.

Por responder, fica a pergunta que mais vezes foi feita pelos deputados e que levou mesmo a bloquista Joana Mortágua a colocá-la duas vezes, face à falta de resposta do ministro: afinal, quanto custa recuperar os dois anos, 9 meses e 4 dias das carreiras dos professores? O mais próximo de uma resposta foram os 120 milhões apontados pelo ministro como custos previsto com medidas de descongelamento de carreiras, onde se inclui a recuperação dos dois anos. Ou seja, um valor muito inferior ao que será alocado a manuais escolares.

No Orçamento do Estado não se aponta qualquer custo para esta medida, referindo-se apenas que surgirá em dotação específica. Por outro lado, o decreto-lei que formaliza a decisão do governo — tomada sem o acordo dos sindicatos dos professores que exigem a recuperação total do tempo em que as carreiras estiveram congeladas, 9 anos, 4 meses e 2 dias — ainda não chegou à Presidência da República para promulgação. E os deputados, à direita e à esquerda, não se conformam com este silêncio do Executivo.

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De mais para uns, de menos para outros

Foi a deputada Joana Mortágua quem melhor resumiu o que se passou durante a primeira ronda de intervenções no plenário. “Há duas maneiras de ver este orçamento: há os que acham que foi demasiado longe — na redução de alunos, na gratuitidade dos manuais escolares na colocação dos professores — e os que acham que não foi longe o suficiente”, disse, fazendo uma referência óbvia à intervenção de Margarida Mano, a social-democrata que falou antes de si e que atacou a gratuitidade dos manuais escolares.

Na bancada laranja, a deputada começou por dizer que o ministro da Educação “tem razão” quando diz que este é o melhor orçamento dos últimos quatro anos, mas por motivos bem diferentes. “Cresce pela primeira vez em relação ao executado, finalmente chegaram aí”, disse a parlamentar, afirmando que, apesar disso, “o governo desinvestiu na educação”.

“Por isso apetece perguntar onde está o Wally. O senhor ministro promete, promete, mas onde está o orçamento?”, questionou Margarida Mano. Em contrapartida, acusou o ministro de fazer aumentar em 16% os custos com o seu gabinete e de usar o dinheiro em manuais gratuitos que podia usar em ação social escolar. “Há neste orçamento escolhas que nos separam ideologicamente: se não pagássemos a todos, mas apenas aos que necessitam verdadeiramente, teríamos margem financeira para apoiar a ação social e muito mais.”

Porfírio Silva, do PS, fez a defesa da medida. “A tese de que a gratuitidade devia ser só para alguns é a ideia de que o estado social é só para pobrezinhos. Pôr a divisória social a passar pelos livros, só passa pela cabeça de quem prefere o assistencialismo.”

Sobre os manuais escolares, também Ana Rita Bessa, do CDS, teve uma palavra a dizer, no sentido oposto ao do PSD. A medida devia ir mais além e chegar a todos os alunos, mesmo àqueles que não frequentam a rede pública. “Com esta medida, fica de fora o ensino privado o que é incompreensível”, disse, acrescentando que tal só pode acontecer “por ideologia”, pedindo ao ministro que volte atrás e repense a medida de forma a chegar a todos os estudantes.

Para responder, a metáfora do ministro foi feita com os hospitais, dizendo que quem vai ao público tem uma resposta pública e quem vai ao privado tem uma resposta privada. Assim que voltou a ter a palavra, a deputada centrista retorquiu: “Mas a comparticipação de medicamentos pelo Estado é para todos, escolham ir ao público ou ao privado.”

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A ausência de respostas sobre carreiras congeladas

Margarida Mano foi a primeira a pôr o dedo na ferida. “Neste orçamento parece que há dinheiro para tudo menos para os professores”, disse a deputada, lembrando que “os partidos que apoiam o governo aprovaram na generalidade um orçamento que confirma o não cumprimento da lei do Orçamento do Estado de 2018”.

A sua pergunta foi a mesma que muitos parlamentares, de todas as bancadas, fizeram a seguir: “Por que razão a contabilização para início da recuperação do tempo de serviço cumprido pelos professores — prevista no Acordo de Compromisso assinado pelo Governo com os sindicatos para se iniciar em 2019 — não consta da proposta que foi apresentada pelo Governo? Se sim, se consta, qual o valor, relativo a quanto tempo e onde está inscrita?”

Pediu também ao ministro para se pronunciar sobre o facto de existirem neste momento três regimes diferentes para a recuperação do tempo: um na Madeira (recupera 9 anos), um nos Açores (já tinha recuperado dois e agora recupera mais dois) e outro no continente. Ilídia Araújo, do CDS, quis saber onde estava o impacto orçamental em 2019 do artigo 19.º do anterior orçamento.

Joana Mortágua foi mais longe: “Onde está o decreto lei que prevê a recuperação? Quando vai ser enviado ao Presidente da República para podermos fazer uma apreciação parlamentar?”

As respostas foram vagas. Tiago Brandão Rodrigues falou em 120 milhões para cobrir as várias despesas decorrentes do descongelamento de carreiras, onde se inclui a recuperação dos dois anos de tempo congelado, as progressões e as vinculações de professores contratados. Também referiu que até 2023 haverá “um acumulado superior a 750 milhões de euros de investimento adicional na remuneração dos nossos docentes”. Mas sobre o custo concreto da recuperação, não ofereceu nenhum valor.

Já sobre o decreto-lei, e sobre a sua chegada a Belém, disse apenas que o diploma está a fazer “a tramitação inerente” à aprovação em Conselho de Ministros.

Sobre as regiões autónomas, o discurso de Tiago Brandão Rodrigues gerou um mal-entendido. “Valorizamos de mais a autonomia, não tecerei nenhum tipo de comentário ao estatuto das regiões autónomas. Fazem aquilo que querem fazer. E aqui também fazemos o que sabemos e o que podemos fazer”, disse o ministro.

Imediatamente Berta Cabral, deputada eleita pelo PSD no círculo dos Açores, disse sentir-se “chocada” com as declarações do ministro e com “o desrespeito pelas autonomias locais”. O problema foi o “de mais” de Tiago Brandão Rodrigues. Berta Cabral entendeu que o ministro dissera que a autonomia da Madeira e dos Açores era excessiva e lançou-se a confusão. O ministro disse estar “boquiaberto”, explicou o que queria dizer, e Berta Cabral aceitou as explicações.

O PIB a subir e os 194 milhões a menos em custo com pessoal

O facto de o orçamento da Educação representar em valores percentuais uma fatia menor do PIB do que em outros anos também serviu de arma de arremesso. Margarida Mano usou o argumento para dizer que “o desinvestimento na Educação é o real legado político” do atual executivo.

Joana Mortágua voltou a pegar nesse dado, já depois de o ministro confirmar, na resposta à social-democrata, que esse é um facto indesmentível. Com o crescimento do PIB, disse o governante, talvez “possamos ir além do que estamos dotados, o que ele ainda não nos permite é ter o baby boom desejado, mas é verdade que o valor estagna”, disse o ministro, lembrando que há uma diminuição considerável de alunos na escola, como consequência da queda demográfica.

Já a bloquista, pegou no crescimento do PIB para perguntar se o orçamento da Educação cresce “à medida das possibilidades” que o país tem. “É suficiente em relação às necessidades e às possibilidades?” A pergunta ficou sem resposta.

Outra questão colocada por todas as bancadas parlamentares durante as três rondas de perguntas ao governo foi sobre a diminuição de 194 milhões de euros com gastos de pessoal.

Ao longo das várias rondas, o ministro foi sempre dizendo que só compara o comparável e que por isso o orçamento inicial deve ser comparado com o orçamento inicial do ano anterior, e o executado com o executado. Daí, explicou, “a diminuição dos 194 milhões aparece quando se compara o inicial com o inicial”. No final, a diferença poderá não ser essa, já que “nunca nenhum salário fica por pagar”. Ao longo do ano, explicou o ministro, serão feitos os reforços necessários para cumprir com as obrigações do Estado. “Há uma parte desse valor que está no Ministério das Finanças”, disse, lembrando que há um grande esforço financeiro colocado no descongelamento das carreiras. “Em 2023, teremos quase todos os professores com duas progressões na carreira e 32% terão mais de três. Daqui até 2023 teremos um aumento de 19% dos salários, o que dá um aumento de 3,6% ao ano”, acrescentou Tiago Brandão Rodrigues.