Imagine que vai organizar um jantar em sua casa. Encheu-se de confiança, sacou dos livros de receitas e preparou um repasto com pratos de carne e peixe, assim como entradas e sobremesa. Pode não acontecer com toda a gente, mas muitos escolheriam também, para acompanhar a refeição, vários tipos de vinho que encaixassem melhor com os pratos e produtos que fossem servidos — sempre guiados pela velha máxima do “vinho branco com peixe, tinto com carne e espumante para entradas”. Se este cenário hipotético pudesse ser real, quantos azeites serviria? Apenas um provavelmente.

“A maioria dos portugueses só usam um azeite. São quase mais fieis a essa marca do que às mulheres/maridos ou namoradas/namorados!” afirmou o jornalista Edgardo Pacheco, autor do livro “Os 100 Melhores Azeites de Portugal” e um dos anfitriões do jantar especial que decorreu na passada segunda-feira, no restaurante Saraiva’s, em Lisboa, onde os chefs Gonçalo Costa, Henrique Mouro e Pedro Rezende foram os cozinheiros da noite. Acompanhado pelo professor e especialista em azeite José Gouveia, Edgardo levantou uma pergunta: “Se escolhemos vários tipos e marcas de vinho, porque não fazemos o mesmo com o azeite?”

Foi este o mote da noite numa refeição em que quatro produtores portugueses — do Algarve, Alentejo, Ribatejo e Trás-os-Montes — também apresentaram os seus produtos e os deram a provar a todos os convidados, para que se percebesse que não, não é tudo a mesma coisa. Muito pelo contrário.

Vinho e Azeite: muito mais é o que os une que aquilo que os separa

O azeite, à semelhança do vinho, é um produto da terra, que nasce da natureza e que é espremido de forma a obter-se o seu “sumo”. No caso da uva, sai o vinho, mas mesmo esse só chega à sua forma mais reconhecível (a de bebida alcoólica, entenda-se) depois de um processo de fermentação e, se o enólogo assim definir, o estágio em barricas. Olhando para o fruto da oliveira pode-se ver que o processo é semelhante, mas há uma diferença grande: “O azeite é profundamente natural, não existe mais nada sem ser aquilo que se extrai das azeitonas espremidas, não há mais nenhum processo extra como o período de fermentação do vinho, por exemplo”. Ora com isto percebe-se que fazer azeite é quase comparável a fazer sumo de laranja, por exemplo. Basta espremer e já está.

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O professor José Gouveia, ao centro, com o jornalista Edgardo Pacheco, à sua direita, e o chef anfitrião Gonçalo Costa à esquerda. ©Diogo Lopes/Observador

Diferenças à parte, aquilo que nos faz escolher um vinho em vez de outro — a casta, a região, o terroir… — também é aplicável no mundo do olival. Existem vários tipos de azeitona, cada uma com características diferentes e que ganham o seu perfil por causa da terra onde nascem, do clima predominante e até do momento em que são colhidas. “Infelizmente ainda há quem apanhe as suas azeitonas numa época qualquer, para serem armazenadas em sacos ou coisas do género em vez de serem logo prensadas. Isso é um erro terrível”, afirmou Edgardo. Ora o segredo para um ideal processo de extração de azeite assenta em dois princípios base, a altura da apanha e o tempo a azeitona demora a até entrar no lagar.

O enólogo vai medindo e analisando as suas uvas, enquanto estas ainda estão na vinha, de forma a que quando atinjam um equilíbrio entre acidez e doçura sejam logo colhidas. Com a azeitona é um processo semelhante — ela só deve ser apanhada quando o produtor percebe que estão no ponto certo de expressão da sua identidade e sabor. Depois de alcançada esta meta e de se fazer a apanha do fruto do olival, o mesmo deve ir para o lagar o quanto antes. “Costumamos começar a apanha de manhã cedo e depois de almoço já está tudo no lagar a ser prensado”, contou à mesa um dos produtores convidados. Isto acontece porque, ao contrário do vinho, o azeite vai perdendo as suas propriedades de sabor com o passar do tempo — daí a importância de se fazer tudo o mais depressa possível. É por esta mesma razão que tanto o jornalista gastronómico e o seu parceiro (e mentor), o professor José Gouveia, deixaram bem frisada a importância de se consumir o azeite mais recente a ser lançado, “para que ele mantenha ao máximo todas as suas características” e que se consiga sentir isso quando ele chega à nossa boca.

A evangelização continua

“Já andamos nesta catequese há algum tempo”, explicou o José Gouveia logo no início da refeição, mesmo antes de se provarem pratos como o bacalhau azedo com alho e coentros ou o delicioso braseado de javali com abóbora e cogumelos silvestres. O que o professor do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa pretendia dizer era que este jantar não era o primeiro evento organizado pela dupla. Esta foi a segunda refeição deste género mas já houve formações com crianças pequenas e até outras mais sérias, com alunos de escolas de hotelaria. “É preciso dar a conhecer e explicar o que é o azeite de qualidade e como é que ele deve ser feito e consumido”, frisou o professor Gouveia. Ambos concordaram que já muita coisa mudou, mas mesmo assim ainda há muito caminho por trilhar.

O “kit” de prova de azeites. ©Diogo Lopes/Observador

“Já tivemos formações com alunos de escolas de hotelaria que nem sabiam o que era um D.O.P [Denominação de Origem Protegida] e em Portugal temos seis só associadas ao azeite!”, exclamou Edgardo Pacheco. Os hábitos alimentares dos portugueses, no que a este condimento dizem respeito, ainda carecem de desenvolvimento. O que pode ganhar com isso? Fácil. Primeiro há todo o lado de desenvolvimento pessoal de uma maior cultura gastronómica — porque, afinal de contas, o azeite é uma das bases do receituário português e continua a ser um dos produtos nacionais com mais qualidade — depois há a vertente de apoio a pequenos produtores que, nem de propósito, são os que mais tentam inovar ou revigorar esta indústria que durante muito tempo ficou reduzida apenas umas duas ou três marcas gigantes — um desperdício.

Para Pacheco, a receita para se dar nova vida ao interesse dos portugueses pelo azeite assenta em três “ingredientes” base: a educação, formação e consciencialização do grande público. Só desta forma é que se vai começar a perceber que, por exemplo, o azeite do norte do país costuma ser o mais pujante e intenso e por isso ficará sempre melhor a acompanhar pratos mais robustos. Quanto mais a sul se for, mais o líquido verde brilhante começa a ganhar subtileza, características que jogam melhor com pratos mais sensíveis como um delicado peixe cozido ou grelhado. A juntar a tudo isto, um método infalível para se aumentar o conhecimento no campo do azeite é provar: provar muito.