O Governo criou nesta legislatura mais de quatro mil vagas para investigadores doutorados com reduzida experiência de investigação, deixando poucas vagas — cerca de 400 — para distribuir entre os investigadores com mais experiência. Destas, só uma pequena fatia está aberta para os coordenadores das equipas de investigação. O resultado do programa de Estímulo ao Emprego Científico é que há mais investigadores juniores com financiamento, mas muitos deles sem líderes de equipa, porque ficaram desempregados. Alertar para esta situação é uma das motivações da carta assinada por mais de 500 investigadores e enviada esta segunda-feira ao presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Paulo Ferrão.

“De facto, parece que a única solução que resta aos investigadores com 10 anos ou mais de carreira, e reconhecido mérito, é aceitar um corte de salário de 34% e passar a ser investigador júnior”, diz ao Observador Montserrat Comesaña. “O que está a acontecer neste momento é termos membros mais juniores com financiamento e os líderes das equipas no desemprego”, alerta a investigadora, uma de vários seniores que ficou sem emprego. Comesaña foi uma dos cerca de 30 investigadores que indicou expressamente estar desempregado na assinatura da carta.

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Há mais de 10 anos, no final de 2007, Montserrat Comesaña que trabalhava numa empresa de investigação e desenvolvimento, em Vigo (Galiza), foi convidada pela Universidade do Minho a candidatar-se a um contrato de cinco anos. Concorreu e conseguiu um lugar na Faculdade de Psicologia ao abrigo do programa Ciência 2008 — um resultado prestigiante tendo em conta a exigência e competitividade deste concurso. Em 2013 voltou a concorrer para mais cinco anos, num concurso altamente competitivo, e conseguiu um contrato Investigador FCT na mesma instituição. O contrato acabou no final de dezembro e à investigadora só lhe resta preparar os papéis para o subsídio de desemprego.

Apesar de ter tido estes dois contratos, de ter criado um laboratório de raiz na instituição, de ter orientado vários alunos de mestrado e doutoramento e de ter dezenas de publicações científicas, o reitor da Universidade do Minho, Rui Vieira de Castro, nunca cumpriu a promessa de a integrar na universidade — nem a ela, nem a outros investigadores na mesma situação. O mesmo se tem passado com a generalidade dos investigadores que conseguiram contratos Ciência ou Investigador FCT (ou ambos), válidos por cinco ou seis anos e que pressupunham um contrato com a instituição depois de avaliação. Não houve avaliação, nem contrato sem termo com a instituição e muitos acabaram no desemprego ou saíram do país.

Não há uma estratégia claramente definida para a retenção de investigadores que formaram grupo dentro da instituição e que tiveram avaliações anuais de excelência”, lamenta Montserrat Comesaña. Nem mesmo o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública (PREVPAP) parece ser uma solução para estes investigadores que trabalham há mais de 10 anos numa mesma instituição: a lei diz que devem ser contratados, os reitores não querem.

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O problema agrava-se porque as vagas criadas pelo atual Governo parecem focar-se sobretudo nos investigadores juniores, com pouca experiência, como destaca a carta assinada por mais de 500 investigadores a que o Observador teve acesso. A título de exemplo, o Concurso de Estímulo ao Emprego Científico Individual 2017 (CEEC Individual) atribuiu 55% das 500 vagas a investigadores juniores (com o nível de remuneração mais baixo) e apenas 1% a investigadores coordenadores (apenas 4). Este contrato deixou de fora muitos “investigadores que exercem a sua atividade de forma independente há mais de 10 anos e têm equipas de investigação que lideram, suportando as suas equipas com financiamento nacional e internacional por eles cativado”, como aliás o Observador já tinha noticiado.

A proposta apresentada nesta carta é que a FCT, em vez de se fechar nos 10% ou 12% de aprovação em cada categoria, aumente o número de vagas para investigadores auxiliares, principais e coordenadores, porque são estes que angariam financiamento para as instituições e para o desenvolvimento de investigação científica. “Apelamos à FCT para que aproveite a nova edição do CEEC Individual para corrigir a desigualdade de oportunidades gerada pelos instrumentos de emprego científico já implementados, disponibilizando sobretudo vagas para as categorias de investigador auxiliar, principal e coordenador, e valorizando, de facto, o mérito absoluto”, lê-se na carta. “Apelamos também para que o número de vagas seja igual ao da edição anterior [500, em vez das 300 anunciadas].”

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Os autores da carta aproveitaram também para lembrar que o CEEC Individual 2017, cujos resultados após avaliação foram publicados em setembro, ainda não tem uma lista definitiva e ainda não existem contratos assinados. “Terminamos alertando para o atraso na implementação dos vários instrumentos de emprego científico, o qual pode levar a situações paradoxais como a de investigadores que terminaram os seus contratos em 2018 terem que enfrentar uma situação de desemprego estando propostos para financiamento pelo CEEC Individual, e tendo simultaneamente parecer positivo para integração na carreira no âmbito do PREVPAP.” Ou seja, podiam estar a receber dinheiro, mas não estão porque todos os processos estão atrasados. O que não tem impedido o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de gabar os resultados alcançados, embora muitos sejam apenas provisórios.

Montserrat Comesaña era elegível para o PREVPAP e prometeram-lhe uma resposta até ao final de 2018, mas até agora nada. No CEEC Individual 2017 não foi selecionada, mas recorreu porque considera que deveria ter sido melhor avaliada. Para esta reclamação ainda não tem reposta, nem ela, nem os mais de 700 investigadores não recomendados para financiamento que recorreram em audiência prévia. Não descarta candidatar-se ao CEEC Individual 2018 — embora ainda não saiba por que instituição –, mas já anda à procura de um emprego estável fora do país.