Tomás Correia ao ataque. Em declarações ao Observador, o presidente da Mutualista insurge-se contra a norma explicativa, proposta pelo Governo e promulgada por Marcelo Rebelo de Sousa, para forçar a Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões a avaliar a sua idoneidade à frente da maior mutualista portuguesa. Mas vai mais longe: diz que se trata de “uma revisão lei, com procedimentos nunca vistos”, “em tempo record” e que tem origem numa condenação “sem fundamento” do Banco de Portugal.

Vamos por partes. Em finais de fevereiro, o Banco de Portugal condenou o ex-presidente da Caixa Económica Montepio Geral, Tomás Correia, por irregularidades graves quando estava na gestão do banco. A multa aplicada ao ainda presidente da associação mutualista foi de 1,25 milhões de euros por sete ilícitos.

A instituição financeira, que passou a chamar-se Banco Montepio, foi também condenada no âmbito destes processos, o que valeu uma coima de 2,5 milhões de euros. As coimas totais aplicadas pelo Banco de Portugal nestes processos ascenderão a 4,9 milhões de euros.

Banco de Portugal. Condenação e multa para Tomás Correia

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Em causa estão processos de contraordenação por falhas no sistema de controlo interno do banco que foi liderado por Tomás Correia até 2015, em particular nas regras de concessão de financiamentos e de análise de risco.

Em primeiro lugar, e apesar de dizer que está ”sereno”, Tomás Correia aponta o dedo ao Banco de Portugal por esta decisão. “Estou com total serenidade porque nada disto faz sentido, desde a decisão do supervisor [Banco de Portugal], que nada fundamenta”. Pior, salienta que o BdP lhe aplicou uma coima quando, na fundamentação da condenação, até diz que os dirigentes do Montepio visados “não tentaram obter qualquer benefício pessoal”.

“Aplicou coimas nunca vistas. Não encontrou fundamento para uma pena acessória com vista a inibir-me do exercício da minha profissão”, considerou Tomás Correia.

A idoneidade de Tomás Correia à frente da Associação Mutualista Montepio Geral tem vindo a ser discutida na praça pública desde há muito tempo, especialmente porque o gestor tem várias investigações em curso no Banco de Portugal e também no Ministério Público. As dúvidas sobre a idoneidade de Tomás Correia foi uma das razões que levaram o governo a publicar, em agosto, um novo Código das Mutualistas que atribuiu à Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) a supervisão financeira das mutualistas com maior volume de negócios.

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No entanto, a nova legislação criou um período temporário de 12 anos para a aplicação das regras dos seguros às mutualistas, o que deu margem ao presidente da ASF, José Almaça, para declarar este regulador incompetente para avaliar a idoneidade dos gestores do Montepio. Num “jogo do empurra”, Almaça disse que essa avaliação competia ao Governo e o executivo, por intermédio do ministro Vieira da Silva, retribuiu, adiantando que cabia à ASF. O ministro do Trabalho disse-o com um argumento muito particular: afirmou que a lei não precisava de clarificação, porque já era suficientemente clara.

O primeiro-ministro contrariou-o posteriormente, dizendo que o governo iria aprovar uma “norma interpretativa” do decreto-lei que aprova o Código das Mutualistas. Essa clarificação iria, assim, deixar claro que a ASF tinha obrigação de avaliar, e desde já, a idoneidade de Tomás Correia, o que, em última análise, o pode afastar da mutualista Montepio Geral.

A norma foi aprovada em conselho de ministros na quinta-feira, promulgada no mesmo dia pelo Presidente da República e publicada em Diário da República na manhã desta sexta-feira.

Na prática, a norma altera a alínea f do número 5 do artigo 6 do decreto-lei com o Código Mutualista. Este fica com a seguinte redação (em itálico o que foi acrescentado):

“Analisar o sistema de governação, designadamente verificando a adequação e assegurando o registo das pessoas que dirigem efetivamente as associações mutualistas, as fiscalizam ou são responsáveis por funções-chave, incluindo o cumprimento dos requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência, disponibilidade e capacidade, bem como os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a estar expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador”

É toda esta sequência que incomoda Tomás Correia. Ao Observador, o presidente da mutualista diz que “tudo isto motivou esta onda de comentários em vários grupos da sociedade, nomeadamente no espaço político, que levou a uma revisão da lei, com procedimentos nunca vistos, em tempo record”.

“Naturalmente terei de analisar com a tranquilidade e serenidade que um assunto desta magnitude obriga”, completou.

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A defesa de Tomás Correia poderá passar, assim, pela ideia de que o Governo (suportado numa condenação recente do Banco de Portugal) criou uma lei “ad hominem” (que o visa pessoalmente). É isso que deixa transparecer numa entrevista a divulgar este sábado pela rádio TSF.

Tomás Correia diz que “parece que” a norma interpretativa foi feita para o avaliar

Nessa entrevista — que só será publicada na íntegra este fim-de-semana em conjunto com o Diário de Notícias e o Dinheiro Vivo — Tomás Correia diz que ainda tem “de ver o diploma e perceber o que está em causa”, mas questionado sobre se a lei foi feita a pensar em si, o gestor atira: “Não tenho dúvida nenhuma, olhando para o que sai na comunicação social, que parece que sim“.

Tomás Correia destaca que desconhece os detalhes da nova interpretação da lei, e que a “única coisa” que tem “assistido é a todo um conjunto de intervenções, muito pouco precisas, exclusivamente dirigidas a uma pessoa que, bom, pode desembocar aqui na publicação de um diploma, ao que parece vai ser”.

Já depois da publicação da norma, a ASF afirmou que está a proceder às diligências para aplicar avaliação da idoneidade dos gestores do Montepio, sem se referir em específico a Tomás Correia.

“Na sequência da publicação do Decreto-Lei n.o 37/2019 de 15 de março, a ASF está a desenvolver as diligências necessárias no sentido de dar cumprimento ao mesmo”, diz o regulador dos seguros ao Jornal de Negócios.

Isso significa que todos os gestores do Montepio poderão ser sujeitados à avaliação de idoneidade da ASF, o que levanta novos problemas para os órgãos sociais da mutualista.

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