Nove dias depois do início e logo à terceira sessão, o julgamento de Diana Fialho e Iuri Mata, o casal acusado do homicídio e profanação de cadáver de Amélia Fialho, 59 anos, mãe adotiva dela, sogra dele, segue para as alegações finais. Pela natureza dos crimes de que estão acusados, enfrentam a pena máxima de 25 anos de prisão. A leitura da sentença está marcada para o próximo dia 19 de julho, às 14h00.

Apesar de ter sido contestado pelos advogados de defesa, que consideraram o julgamento rápido demais, o presidente do coletivo de juízes, Nuno Salpico, manteve esta sexta-feira a decisão que já tinha comunicado na passada terça-feira à tarde: “O tribunal tem a obrigação de indeferir o que é dilatório. Não vejo necessidade de ver o julgamento ser prolongado por muito mais tempo”.

Na verdade, desde que na noite do passado dia 3 de setembro Diana, de 23 anos, deu conta do desaparecimento da mãe adotiva através de uma publicação no Facebook, todo o processo se desenrolou de forma consideravelmente célere. Em apenas 36 horas, Diana e o marido Iuri, de 27 anos, foram detidos por “fortes suspeitas” de terem cometido o crime, estando em prisão preventiva desde então, ela no Estabelecimento Prisional de Tires, ele no do Montijo.

O procurador do Ministério Público foi o primeiro a falar e, antes de passar à reconstituição do crime, referiu a “culpabilidade reforçada” dos dois arguidos, que acusou de terem “ceifado a vida a alguém de uma forma escabrosa, maquiavélica e com requintes de barbárie”, por alegadamente não terem tido “a paciência, a tolerância ou o humanismo para esperarem para receber uma herança”, apontando ainda como agravante o facto de a vítima, Amélia Fialho, ser alguém com quem tinham uma relação de coabitação e proximidade — Diana e Iuri — e de parentesco — Diana. “É a ingratidão humana mais profunda que se possa conceber.”

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Também afastou qualquer hipótese de que o crime pudesse ter sido cometido apenas por um dos arguidos através da descrição da remoção do corpo, de casa para a garagem e daí para o carro — “Isto é uma ação para duas pessoas — pelo menos. O corpo morto é um corpo inerte, o transporte desse peso tinha de ser feito por duas pessoas, os arguidos” –; e das imagens de videogilância da bomba de gasolina — “As filmagens transmitem-nos duas pessoas que moram juntas, que dormem juntas, que são marido e mulher, a entrarem e a saírem da bomba de gasolina separadamente, o que também é prova do calculismo dos arguidos”.

O representante do Ministério Público acusou ainda ambas defesas dos arguidos de terem, “de forma indecorosa”, “jogado com o facto de o avançado estado de decomposição do corpo não permitir identificar a vítima”. E atestou: “A medicina dentária e forense diz que com absoluta certeza o corpo da vítima corresponde ao do perfil de ADN com que foi comparado”. Minutos mais tarde, de forma irónica, fez referência às intervenções de algumas das testemunhas arroladas pelos advogados de Diana e de Iuri: “As testemunhas de defesa foram bastante bem-vindas, pelo reforço que trouxeram à acusação”.

Depois, e ao fim de quase uma hora de intervenção, sob o olhar impassível de coletivo de juízes, advogados de defesa, Diana Fialho e Iuri Mata, o procurador pediu justiça e penas de 25 anos — “ou muito próximo disso” — para cada um dos arguidos. Na sala do Tribunal Judicial de Almada, lotada para esta terceira sessão, não se ouviu qualquer reação. Nem por parte da mãe biológica de Diana e da irmã, nem da mãe de Iuri ou da respetiva família.

Antes, o representante do Ministério Público já tinha lamentado a ausência de confissão por parte dos arguidos — “Tínhamos a esperança de que os arguidos tivessem feito uma introspeção, quase um ano passado, e que assumissem outra humildade perante os factos. Mas isso não aconteceu” –, e acusado Diana e Iuri de terem “passado para além do que é o padrão médio de um homicídio”.

Logo de seguida, e de forma breve, foi o advogado dos dois familiares de Amélia Fialho que se constituíram como assistentes do processo, reclamando uma indemnização de 100 mil euros, a falar. Garantiu que os clientes querem apenas que “seja feita justiça” e que o nome da família “seja limpo”: “O dinheiro para eles não interessa, felizmente têm muito dinheiro”.

Por seu turno, Tânia Reis, advogada de Diana Fialho, acusou o Ministério Público de ter construído uma acusação a partir de “provas indiretas”, questionou a forma como foi feita, por Iuri Mata, a reconstituição do crime com os inspetores da Polícia Judiciária, enfatizando a ausência do advogado do arguido, e levantou a dúvida sobre a pretensa arma do crime: “De onde é que surge a ideia do martelo? Da tal reconstituição”. A partir daí, colocou em causa tudo o resto: “O que é certo é que o martelo não aparece nem o carro se vê na imagem. Quanto à gasolina e ao isqueiro, foram eles que compraram, sim, mas isso não significa que a gasolina tenha sido usada para queimar o corpo. Se fosse para isso não teriam pago com cartão multibanco. Além disso, foi aqui dito por duas testemunhas: eles fumavam“. No final, após 28 minutos de monólogo, pediu a absolvição para Diana Fialho.

Já a advogada de Iuri Mata, que também começou por acusar o Ministério Público de apresentar uma “acusação coxa”, constituída por “provas circunstanciais”, e de ter feito uma “pseudo-reconstituição” do crime, criticou de forma direta tribunal, comunicação social e opinião pública — “Desde o início é evidente que os arguidos já se encontram condenados. Aquilo que dissessem, enfim, seria sempre encarado e entendido como se estivessem a mentir” — e fez com que o juiz Nuno Salpico interviesse pela primeira vez desde o início das alegações. “Eu não lhe admito! Está a desrespeitar o tribunal! Tem a obrigação de saber estar em tribunal! Não me responda! Fez duas referências insultuosas ao tribunal e não volta a fazê-lo!”, exaltou-se o presidente do coletivo de juízes.

Antes, a advogada já tinha feito referência aos “medicamentos anti-psicóticos” que Iuri Mata estará a tomar e revelou: “O meu cliente já se tentou matar duas vezes na prisão, essa é a verdade”. Uma vez mais, não houve qualquer comoção a registar na audiência. Aconteceu o mesmo quando ao terminar a intervenção pediu, à semelhança do que tinha feito a colega, a absolvição para o genro de Amélia Fialho.

Como o Observador noticiou na altura, Amélia, professora de Físico-Química na Escola Secundária Jorge Peixinho, terá sido drogada e agredida violentamente na cabeça com um martelo pela filha e pelo genro, com quem vivia, num apartamento na mesma localidade. O cadáver terá sido enrolado depois numa manta, transportado até um descampado na zona de Pegões e queimado, com recurso a gasolina.

A Polícia Judiciária, que investigou o caso, terá encontrado um sem número de provas, incluindo sangue, terra e imagens de videovigilância captadas no posto de abastecimento onde o casal, já com o corpo de Amélia no porta-bagagens, terá comprado a gasolina para acelerar o processo de combustão.

Apenas três dias depois do pedido de ajuda nas redes sociais — e de uma série de entrevistas para canais de televisão e jornais — Diana e Iuri terão confessado, revelou na altura fonte da PJ ao Observador: “Eles podiam não prestar declarações mas acabaram por prestar e admitiram os factos. Admitiram a sua responsabilidade porque não tinham justificação para um conjunto de coisas com as quais foram confrontados”.

Na primeira sessão do julgamento a inspetora da PJ Fátima Mira explicou que, à data da investigação, Iuri Mata ter-se-á dito “arrependido”, tendo ajudado as autoridades a reconstituir o crime.

À saída da sessão, que começou com uma hora de atraso e se prolongou durante cerca de duas horas e meia, a advogada de Diana Fialho foi a única a aceitar falar aos jornalistas. Considerou “natural” o pedido da pena máxima feito pelo Ministério Público e admitiu, à partida e a uma semana de conhecer a decisão do coletivo de juízes, recorrer da sentença. “Mas a esperança é a última a morrer”, rematou.

Da adoção ao homicídio. O caso da morte de Amélia Fialho, a professora assassinada pela filha no Montijo