O Partido Liberal do Canadá conseguiu sobreviver a uma campanha dura e cheia percalços ao vencer as eleições gerais desta segunda-feira, mas não conseguiu evitar uma sangria de votos para os partidos à sua esquerda, causando a perda da maioria absoluta com que Justin Trudeau governou nos últimos quatro anos.

Às 7h00 de Lisboa (2h00 de Ottawa), os resultados apontavam para uma vitória do Partido Liberal, conquistando 157 dos 338 deputados na Câmara dos Comuns.

Apesar da perda de deputados em relação à última legislativa (em que o Partido Liberal tinha 184 deputados), Justin Trudeau disse ter um “claro mandato” para tornar a governar.

“De uma costa à outra, hoje os canadianos rejeitaram o medo e a negatividade”, disse Justin Trudeau. “Rejeitaram os cortes e a austeridade e votaram a favor de uma agenda progressiva e uma ação forte quanto às alterações climáticas.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar do tom vitorioso do seu discurso, houve espaço para uma referência aos que têm criticado a prestação de Justin Trudeau por ficar aquém das suas promessas e imagem projetada para o estrangeiro no que toca a temas como o ambiente e a reconciliação com os povos indígenas do Canadá, o primeiro-ministro disse: “Os liberais sabem, tal como todos os canadianos, que é sempre possível fazer melhor”.

Justin Trudeau repete assim aquilo que já tinha sido a realidade do seu pai, o ex-primeiro-ministro Pierre Trudeau, que foi eleito com maioria absoluta no primeiro mandato e que, ao ser reeleito, perdeu a maioria absoluta. À semelhança do filho, também o pai perdeu a possibilidade de governar sozinho após um primeiro mandato marcado por promessas por cumprir, além de casos e escândalos que desmotivaram o eleitorado liberal.

Justin Trudeau, de príncipe liberal a rei de escândalos e contradições

Em segundo lugar, ficou o Partido Conservador, com 121 deputados. Apesar de ter ficado com menos assentos parlamentares do que o Partido Liberal, o Partido Conservador foi o que teve mais voto popular, de acordo com as projeções. Às 7h00 de Lisboa (2h00 de Ottawa), o Partido Conservador tinha 34,47% dos votos  — ligeiramente acima do dos 32,98% de Justin Trudeau. Este desfecho, em que o partido mais votado surge com menos deputados, é um resultado direto do sistema eleitoral canadiano, assente em círculos uninominais, inspirado no do Reino Unido.

“Hoje, os conservadores colocaram Justin Trudeau de sobreaviso”, disse Andrew Scheer, no discurso de concessão de derrota. “E, senhor Trudeau, quando o seu governo falhar, os conservadores estarão prontos e iremos vencer.”

Trudeau dependente dos partidos à sua esquerda

Sem a maioria absoluta que pautou o seu primeiro mandato, Justin Trudeau terá agora de procurar consensos à sua esquerda para poder chegar aos 170 votos necessários para ter maioria na Câmara dos Comuns.

Uma dessas hipóteses será o Bloco do Quebeque (BQ), partido nacionalista do Canadá e tendencialmente à esquerda que concorre apenas naquela região. Ao saltar dos 10 deputados da anterior legislatura para uma projeção de 32 assentos parlamentares para os próximos quatro anos, o BQ foi uma das maiores surpresas da noite. 

O líder do BQ, Yves-François Blanchet, rejeitou a possibilidade de formar um governo de coligação com Justin Trudeau mas demonstrou disponibilidade para negociar caso a caso. “O BQ não quer formar um governo ou participar num governo. No entanto, se o que for proposto for para ajudar o Quebeque, podem contar connosco. Mas, se for algo para prejudicar o Quebeque, o bloco irá levantar-se e bloqueá-lo”, disse.

Outra opção para Justin Trudeau, igualmente à sua esquerda, é o Partido Novo Democrata (PND), de Jagmeet Singh. Com um resultado aquém daquilo que as sondagens previam, o PND acabou por preder votos em relação às eleições anteriores: entre os 39 deputados que tinha até agora, manterá apenas 24.

Apesar do resultado pouco favorável, Jagmeet Singh fez um discurso com pouco lugar à tristeza. O foco foi antes o papel que o PND, descrito pelo jornal canadiano Globe and Mail como o “aliado natural” para o Partido Liberal, poderá ter nos próximos quatro anos sempre que Justin Trudeau precisar dos seus votos.

“Se os outros partidos trabalharem connosco, teremos uma oportunidade incrível para tornar as vidas de todos os canadianos muito melhores. Temos até uma oportunidade de mudar a maneira como fazemos política neste país”, disse o líder do PND. Num e-mail enviado aos apoiantes do partido já depois de as projeções serem conhecidas, Jagmeet Singh escrevia: “A nossa tarefa é evidente: garantir que o governo nos serve a nós e não aos mais ricos e poderosos”.