O PSD decidiu recuar e votar contra a proposta do PCP que pretendia retirar o rendimento dos filhos das contas para a condição de recursos do Complemento Solidário para Idosos. Esta segunda-feira, a proposta tinha sido aprovada com voto contra do Partido Socialista, mas os sociais-democratas chamaram a medida para nova votação no plenário, para poderem corrigir o sentido de votação e juntarem-se aos socialistas.

Mantêm-se, no entanto, válidas as propostas do Bloco de Esquerda e do PS, que retiram da equação o rendimento dos filhos até ao terceiro escalão de rendimento do IRS. Ou seja, entram nas contas os rendimentos de filhos que ganhem mais de 20.322 euros por ano. Na proposta de orçamento apresentada por Mário Centeno, o Governo tinha eliminado esse fator apenas até ao segundo escalão.

O Complemento Solidário para Idosos destina-se a idosos de baixos recursos, com pelo menos 66 anos e 5 meses, mas devem cumprir vários requisitos. Até aqui, os rendimentos dos filhos eram levados em conta apenas até ao primeiro escalão.

IRS. “Grande baixa” chega para o ano

As mexidas no IRS foram outro tema do debate desta manhã. O Bloco de Esquerda começou por defender a revisão dos escalões e o englobamento obrigatório dos rendimentos de capital no IRS, mas Mariana Mortágua reconheceu que, este ano, a prioridade do BE foi a descida do IVA da luz. Ou seja, para este ano, o BE apenas se vai bater por uma atualização dos escalões das tabelas de IRS à taxa de inflação (já que o Governo fez uma atualização abaixo), prometendo estar “cá” para o ano para fazer “a verdadeira reforma do IRS”.

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À direita, João Almeida, do CDS, criticou a ideia de continuar a melhorar as contas públicas à custa do aumento da carga fiscal, e João Cotrim Figueiredo, do Iniciativa Liberal, lembrou a proposta emblemática do partido de taxa única de IRS, pedindo explicações sobre a tributação no alojamento local (que o PSD também repetiu).

Mas, na resposta, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, foi duro com os interlocutores. Ao deputado do Iniciativa Liberal disse que a sua proposta era “inepta” e às críticas sobre o aumento da carga fiscal, disse que o governo não é campeão da carga fiscal mas sim campeão “da receita contributiva para a Segurança Social”, na medida em que o governo conseguiu “mais emprego e melhor emprego”. “Olhar para as contribuições sociais como um imposto é, no mínimo, absurdo”, disse.

Duarte Pacheco, do PSD, contudo, não resistiu a instar o secretário de Estado a desmentir se fosse caso disso: “Não há agravamento do imposto de selo? Não há agravamento do imposto sobre o alojamento local? Não há agravamento do imposto sobre combustíveis?”. A resposta foi perentória: “Não sei onde encontra neste Orçamento qualquer aumento de impostos”, disse Mendonça Mendes.

E sobre o IRS, dirigindo-se para o Bloco de Esquerda e o PCP, António Mendonça Mendes disse que o Governo regista “com muito apreço as questões que colocam sobre o IRS”, assegurando que, “com este caminho orçamental prudente, conseguiremos fazer no próximo ano uma grande baixa de impostos para os rendimentos médios e olharemos para os escalões e as deduções específicas”. Ou seja, baixa no IRS só para o ano.

Novo Banco. Quem é mais transparente?

Outro dos temas que vai marcar este segundo dia de votações é a questão das injeções de capital ao Novo Banco. BE, PAN e PSD têm propostas neste sentido mas, na fase de debate, mediram forças entre quem é que propõem de facto uma solução mais transparente e quem, pelo contrário quer dar cheques em branco ao governo.

Do lado do PSD, Hugo Carneiro defendeu que o Governo tem “o dever” de ser transparente quanto às injeções no Novo Banco, daí que, se o PS chumbar a proposta do PSD, isso quer apenas dizer que o PS e o Governo “tem algo a esconder”. “O PSD não está disposto a dar cheques em branco ao governo sem apresentar uma proposta que o contrarie. Os compromissos contratuais do Estado devem ser cumpridos, sim, mas o PSD propõe que se limite as futuras injeções no Novo Banco, que terão de passar a vir sempre a esta Assembleia para serem aprovadas”, defendeu o deputado social-democrata responsável pelas contas do partido.

Mas Mariana Mortágua não se ficou, e puxou a brasa à sua proposta. “Quem entende que não deve haver nova injeção ao Novo Banco sem antes vir à AR vota a proposta do BE, e quem quer dar um cheque em branco ao Governo até aos 850 milhões de euros vota as propostas do PSD e do PAN”, atirou, criticando ainda que o governo “levou a défice” 800 milhões de euros injetados no Novo Banco e “ninguém ouviu um piu”. Valor que, lembra, é “mais do que uma baixa do IVA da eletricidade”. “Não houve dramas nem vitimizações”, notou ainda a deputada bloquista.

No final do debate sobre este ponto, o secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, arrumou o assunto: “As propostas não vêm acrescentar nada ao que já existe”. Segundo o secretário de Estado, “há um limite anual de 850 milhões de euros [para injeções de capital] que não é nem mais nem menos do que nos anos anteriores”, disse.

Vistos gold sob fogo cerrado. “Autêntica lavandaria automática”

O Bloco de Esquerda e o PAN apontaram baterias contra os vistos gold. “Um país que quer sério não vende autorizações de residência”, atirou José Manuel Pureza, para quem a proposta socialista — que visa reencaminhar os vistos gold para fora de Lisboa e Porto — “não belisca o essencial”. O deputado bloquista cita a posição do Parlamento Europeu, que avisou para os riscos de branqueamento de capitais deste tipo de regimes fiscais. Também André Silva, do PAN, atacou a medida, falando “numa autêntica lavandaria automática”.

Carlos Pereira, do PS, defendeu o regime fiscal, por considerá-lo “importante para a atração de investimento” e dá exemplos similares em Espanha, Reino Unido e outros países.

No CDS, Cecília Meireles acusou os partidos à esquerda de hipocrisia, porque entende que este regime contribuiu para o mesmo crescimento económico que foi elogiado.

Manuais escolares gratuitos para todos ou só para os mais carenciados? “Faltam sociais-democratas no PSD”, acusa PS

Relativamente à gratuitidade dos manuais escolares, a deputada do PSD Cláudia André começou por defendeu que os alunos carenciados em escolas com contratos de associação também deviam ter direito a manuais escolares gratuitos. E o PS não gostou.

Numa intervenção acalorada que suscitou aplausos fortes da bancada do PS, o deputado Porfírio Silva acusou o PSD de ser pouco “social-democrata” por estar contra a gratuitidade dos manuais escolares para todos, e defendendo só para alguns. Admitindo que se trata de um debate de “ideologia”, Porfírio Silva aproveitou o momento para atirar ao PSD.

“Nós queremos que a gratuitidade seja para todos. É ideologia, dirão, mas o Estado social não é só para os mais carenciados, como qualquer social-democrata em todo o lado do mundo saberia”, ironizou, defendendo que os manuais escolares “não devem ser muros sociais dentro da escola”. O deputado criticou ainda o facto de o PSD querer alargar a ação social e os manuais escolares às escolas privadas e lembrou que isso já acontece nas escolas privadas com contrato de associação (aquelas que cobrem territórios onde não existem escolas públicas).

Do lado do BE, Joana Mortágua defendeu o alargamento da ação social a mais famílias, e não apenas às “muito, muito pobres”.

Susana Amador, secretária de Estado da Educação, terminou esta parte dizendo que há mais verbas para a ação social escolar e defendendo a gratuitidade dos manuais escolares. “Não podem ser aceites pelo governo as propostas que devolvem os manuais escolares só para alguns”, disse a governante pondo termo à discussão.

…E faltam socialistas no PS. Ventura ataca, BE contra-ataca. Ventura em fora de jogo?

Depois da Educação, a Saúde. André Ventura aproveitou a deixa de Porfírio Silva para dizer que também “faltam socialistas no PS”, já que andam a prometer “médico de família a todos os portugueses” ano após ano, empurrando sempre para o ano seguinte. “O que falta no PS são socialistas a sério que cumpram o que prometeram no próprio programa de governo”, disse, pedindo de seguida que em 2020, sim, todos os portugueses tenham médico de família atribuído. Do lado do PS, Hortense Martins afirmou que esse trabalho está a ser feito e já 98% dos portugueses têm médico atribuído.

O debate aqueceu de seguida numa troca acesa de acusações entre André Ventura e o deputado bloquista Moisés Ferreira. Depois de o deputado do BE ter afirmado que “não há gente séria” naquela bancada, apontando para a direita, André Ventura pediu a defesa da honra para dizer que não aceitava lições de moral e de caráter por parte do Bloco de Esquerda, mas Moisés Ferreira reafirmou o que disse.

“Não há gente séria na bancada do Chega, reafirmo isso. O Chega tem um programa eleitoral que escondeu, um programa eleitoral que renega para vir dizer exatamente o seu contrário, e diz que o Estado não deve interferir como prestador de bens e serviços, por isso, até prova em contrário, não há gente séria naquela bancada”, disse. E rematou, numa terminologia que “o deputado deve entender melhor”: “No que toca ao SNS, o senhor deputado está em fora de jogo”.

André Ventura ainda tentou nova defesa da honra, mas foi impedido pelo presidente da AR em exercício. Quem encerrou a discussão foi Cecília Meireles que defendeu a honra das bancadas da direita que alegadamente tinham sido alvo da primeira acusação.

“A classe média está farta, farta de pagar impostos”

Antes, André Ventura tinha ainda acusado a esquerda de ter negociado com o Governo “um acordo ao domingo” para as pensões como moeda de troca para que BE e PCP deixassem cair a descida do IVA na eletricidade. “Uns não se vendem ao governo, outros estão sempre prontos a dar mão ao Governo do PS”, atirou André Ventura.

Esta segunda-feira, PCP e Bloco de Esquerda — que tinha anunciado um voto em todas as propostas que descessem o IVA na eletricidade — ajudaram a chumbar uma das medidas que o PSD tinha avançado como contrapartida a uma redução da fatura da energia. Os três partidos propunham diferentes formas de redução dos custos para os consumidores, mas até aqui ganhava força uma possível coligação negativa, que isolaria o PS. Com este chumbo à contrapartida do PSD — um corte de 22 milhões de euros nos gabinetes — fica em dúvida a potencial redução do IVA na energia, que será votada esta quarta-feira. Por outro lado, foi esta segunda-feira aprovado um aumento extraordinário das pensões.

Chega e Bloco de Esquerda acabaram por protagonizar o momento mais acalorado da manhã até ao momento, com enfoque na habitação pública. André Ventura desafiou o Bloco a dizer que tipo de habitação pública quer em troca da quantidade de impostos que propõe. “A classe média está farta, farta de pagar impostos. E as vossas propostas são sempre para aumentar mais os impostos. Um dia vai-vos sair mais cara do que pensam”, afirmou. O Bloco de Esquerda respondeu que André Ventura quer destruir a habitação pública. “Leia o seu programa”, gritou na bancada o deputado Jorge Costa.

“Bem prega Frei Tomás”. Cativações marcaram início do debate

O PSD arrancou o segundo dia de debate e votações na especialidade com o tema das cativações e com uma frase que os vários grupos parlamentares, e também o Governo, foram repetindo: “Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz não faças o que ele faz”. O deputado social-democrata Alberto Fonseca usou a frase para censurar os partidos da esquerda por, ao longo da discussão do OE, criticarem as cativações do Ministério das Finanças, mas depois votarem contra as propostas do PSD para descativar despesa nas entidades reguladoras.

A primeira resposta veio do secretário de Estado do Orçamento, João Leão, que repetiu o ditado, mas com o PSD como destinatário. “Tem razão senhor deputado: ‘Bem prega Frei Tomás’. O PSD passou o tempo a queixar-se que este orçamento tem um excesso de despesa. E o que apresenta? Medidas para aumentar a despesa”.

O PS pegou no tema e atacou o PSD enquanto governo, lembrando os oito orçamentos retificativos do governo social-democrata. “Precisaram de oito orçamentos para acertar alguma coisa. (…) As cativações sempre foram um instrumento de política orçamental e um bom instrumento que os senhores também usaram durante quatro anos”.

Cecília Meireles, do CDS-PP, preferiu puxar pelo tema das pensões e o aumento extraordinário aprovado na segunda-feira, no primeiro dia de debate e votações do OE na especialidade. Para o CDS, as pensões mais baixas têm um aumento extraordinário de seis euros, inferior às outras, que é de dez euros. “É esta a vossa ideia de justiça social”, questionou a deputada às bancadas da esquerda.