Os tempos modernos trouxeram para cima da mesa uma palavra que até há poucos anos só servia para questões de saúde: viral. Desde há uns anos, desde o boom da internet, desde o momento em que todos partilhamos tudo uns com os outros e queremos ser conhecidos e reconhecidos por partilharmos tudo uns com os outros, as coisas têm a tendência para se tornarem virais. Os vídeos engraçados tornam-se virais, as notícias mais fora da caixa tornam-se virais, as imagens mais curiosas tornam-se virais. E de repente, se ainda não tivermos visto o vídeo, a notícia ou a imagem, estamos totalmente desatualizados.

José Mourinho saltou para a ribalta do futebol europeu em 2004, com a conquista da Liga dos Campeões ao serviço do FC Porto. De lá para cá, teve sucesso no Chelsea, no Inter Milão, no Real Madrid e no Manchester United, onde apesar de todas as polémicas e da saída atribulada acabou por conseguir ganhar uma Liga Europa. Em Inglaterra, em Itália e em Espanha, Mourinho foi o protagonista de dezenas de momentos memoráveis que tinham todo o potencial para se tornarem virais: só que o termo, nestas alturas, ainda não existia. Ou pelo menos não estava presente da forma como está hoje.

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Atualmente, no Tottenham, Mourinho é treinador de um dos big six da Premier League na fase do auge das redes sociais. Ou seja, tudo o que Mourinho faz, diz e gesticula acaba por ir parar, de uma forma ou de outra, ao Facebook, ao Instagram ou a qualquer outra rede social. No domingo, depois de (surpreendentemente) o Tottenham ter vencido o Manchester City por dois golos sem resposta, o vídeo do treinador português a reagir à grande penalidade defendida por Lloris tornou-se, claro está, viral. E o fenómeno está a repetir-se cada vez que Mourinho entra numa sala de imprensa ou é citado.

Desta vez, o motivo foi o conselho que deu a Steven Bergwijn, o holandês que era do PSV e reforçou o Tottenham neste mercado de inverno, estreou-se contra o Manchester City e abriu o marcador com um grande golo. “Não foi fácil, principalmente a primeira parte, foi muito difícil. Depois disso, acho que estive bem. Tive de trabalhar muito, mas Mourinho já me tinha dito: ‘Quando morreres, morreste’. Por isso, dei tudo o que tinha”, contou Bergwijn ao site do clube inglês. Os anos passam, Mourinho troca de clube e de país, fica teoricamente mais calmo mas a lógica mantém-se: dar tudo o que há até já não haver mais nada.

Esta quarta-feira, o Tottenham recebia o Southampton na repetição do jogo da quarta ronda da Taça de Inglaterra, que na semana passada ficou empatado a uma bola em St. Mary’s com golos de Son e Boufal. Depois da vitória perante o Manchester City, os spurs disputavam o futuro na segunda competição interna: Gedson era suplente, assim como Dele Alli, que chegou a estar em dúvida depois de ter saído do jogo com os citizens com queixas na perna após uma entrada dura de Sterling. Bergwijn não era opção por não estar inscrito na Taça e Lo Celso e Lamela estão ambos lesionados. Contra o Southampton, o Tottenham colocou-se em vantagem ainda dentro do quarto de hora inicial, por intermédio de um remate de Ndombele de fora de área que desviou em Stephens e enganou o guarda-redes, acabando mesmo por ser atribuído o autogolo ao central (12′).

O Southampton nunca se escondeu e foi à procura de repor a igualdade no jogo e na eliminatória, tomando conta dos desígnios da partida desde que ficou em desvantagem. O empate surgiu mesmo pouco depois da meia-hora, com Shane Long a marcar na recarga após Lloris defender para a frente um remate de Redmond (34′). Na ida para o intervalo, e já depois da saída de Ward-Prowse, lateral direito do Southampton, com aquilo que pareceu ter sido uma lesão grave no joelho, os saints estavam mais confortáveis no jogo e com superior clareza, enquanto que a equipa de Mourinho só conseguia sair para o ataque em situações de velocidade, profundidade e superioridade numérica.

Na segunda parte, tanto o Southampton como o Tottenham poderiam ter marcado logo nos instantes iniciais, com uma oportunidade para Boufal e outra para Lucas Moura. Mourinho mexeu pela primeira vez na equipa com a entrada de Gedson Fernandes para o lugar de Vertonghen, reforçando o meio-campo e a criatividade, mas os spurs não tinham bola nem forma de levar jogo do setor mais recuado para o mais adiantado. Dele Alli entrou por volta da hora de jogo e o Tottenham cresceu — mas acabou por sofrer o segundo golo através daquilo que estava a ser o calcanhar de Aquiles da equipa. Gedson cruzou da direita para o segundo poste, para onde não estava ninguém, e o Southampton lançou-se para o contra-ataque depois de aliviar: Redmond acelerou pela direita, passou por toda a gente e assistiu Danny Ings, que rematou para bater Lloris (72′).

Apesar do golo sofrido, o Tottenham estava claramente na melhor fase do jogo e acabou por capitalizar esse ascendente. Lucas Moura combinou com Son à entrada da grande área, tirou um defesa da frente e rematou de pé direito, sem qualquer hipótese para o guarda-redes do Southampton (78′). A menos de cinco minutos dos 90′, Son foi derrubado em falta pelo guardião Angus Gunn no interior da grande área e converteu a grande penalidade (87′), carimbando a passagem do Tottenham à quinta eliminatória da Taça de Inglaterra. Num jogo onde foi quase sempre inferior, Mourinho conseguiu a vitória graças à estabilidade emocional, às primeiras duas substituições que fez e à maturidade de uma equipa que durante a metade inicial da temporada perdeu jogos atrás de jogos devido ao descontrolo emotivo.