No espaço de apenas duas semanas, o número de novos desempregados nos EUA equivale a toda a população de Portugal. Um primeiro recorde foi batido na semana anterior, com uns impressionantes 3,2 milhões de novos pedidos de subsídio, e esta semana disparou outra vez — mas para o dobro, com 6,6 milhões de pessoas a pedirem ajuda ao Estado por terem ficado sem trabalho.

Para termos uma noção mais clara da dimensão destes números, ajuda a comparação com o recorde antes desta pandemia — tinha sido registado não durante a crise financeira global de 2008/2009 mas em 1982, com “apenas” 690 mil novos desempregados numa semana. Os economistas nunca “viram nada assim” e há já quem receie os piores números de desemprego desde a Grande Depressão do século XX.

Ou seja, os números da semana passada são 10 vezes maiores do que esse recorde pré-pandemia, sendo que os da semana anterior — que já eram impensáveis — foram cinco vezes mais elevados.

O gráfico que o New York Times partilha esta quinta-feira mostra ainda melhor o “tsunami” no mercado laboral americano. A azul, lá em baixo, a evolução semanal desde 2004, incluindo a cinzento o período da recessão de 2008/2009. À direita, a laranja, os picos destas duas semanas.

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Antes da pandemia, os EUA registavam cerca de 200 mil novos pedidos por semana há pelo menos um ano.

Evolução da perda de empregos nos EUA

“O que normalmente demora uns meses ou uns trimestres a acontecer durante uma recessão está a acontecer em semanas”, nota Michelle Meyer, economista do Bank of America Merrill Lynch, citada pelo New York Times.

O jornal explica que o impacto da pandemia foi sentido inicialmente sobretudo no turismo e na hotelaria, mas que agora se alastra a muitos outros setores.

A administração de Donald Trump ainda não divulgou as estatísticas oficiais do desemprego, mas economistas ouvidos pelo Washington Post admitem como provável um salto para 10% em março, face a fevereiro quando a taxa de desemprego rondava os 3,5%. É uma perda de postos de trabalho impressionante — desde a grande recessão vivida no pós-crise de 2008, os Estados Unidos só tiveram uma taxa de 10% em outubro de 2010.

[Há filas de quilómetros para bancos alimentares nos Estados Unidos:]

A rapidez com que se estão a perder empregos por estas semanas não tem paralelo na história americana. “Nunca vimos nada assim”, avisa Aaron Sojourner, um economista da área laboral da Universidade do Minnesota. Os números das duas últimas semanas equivalem aos postos de trabalho perdidos em dois anos durante a Grande Recessão, da década passada.

Heidi Shierholz, economista que tem estudado o mercado do trabalho americano, admite que ficou abalada quando viu os números “terríveis” do emprego em março. A sua estimativa é a de que 20 milhões de pessoas estarão sem emprego até julho — o que seria a pior situação de desemprego desde a Grande Depressão da década de 1930 do século passado. E isto, alerta, é no melhor cenário em que o congresso avança com mais um pacote de estímulos económicos.

Entrevista a Miguel Faria e Castro: “Esperemos conseguir evitar que isto se torne numa crise financeira”

Estes dados parecem dar força a alguns dos cenários mais adversos que têm sido apontados em alguns estudos já divulgados, como a previsão de uma perda de 47 milhões de empregos nos Estados Unidos, correspondente a uma taxa de mais de 30%, como consequência do Covid-19. Esta projeção faz parte de um estudo elaborado por um economista português para a Reserva Federal de St. Louis, um dos bancos do banco central americano. No entanto, em entrevista ao Observador, Miguel Faria e Castro ressalvou que estas estimativas correspondem àquele que seria o pior dos piores cenários.