“Foi o medo de que a situação evoluísse em Portugal como evoluiu em Espanha que levou Portugal a adotar medidas de precaução muito cedo”, conclui a revista alemã Der Spiegel, que dedicou uma longa reportagem à busca de explicações para o aparente “milagre português”, com números de infeções e mortes na pandemia Covid-19 que “não são tão maus assim” quando comparados com os de Espanha ou de outros países. Essa atuação rápida por parte das autoridades será uma das principais explicações para a evolução mais contida, até ao momento, do surto – mas há outras, incluindo uma, enunciada por um anónimo, mais difícil de comprovar: “Nós temos Fátima. Os espanhóis não têm nada parecido…

A 8 de março, quatro dias antes de o governo português anunciar o fecho das escolas, em Espanha as autoridades públicas de saúde – incluindo o ministro da Saúde – diziam à população que, “a menos que tivessem sintomas”, as pessoas poderiam participar na marcha feminista em Madrid (e outras cidades) que acabou por juntar largos milhares. Isto quando já se sabia há muito que o novo coronavírus era altamente contagioso mesmo em pessoas assintomáticas ou em período de incubação.

Em contraste, assinala a Der Spiegel, já nessa altura Portugal estava a tomar várias medidas de contenção, de forma preventiva – embora tenha beneficiado de um início mais tardio da pandemia e tenha podido, por isso, nortear a sua ação pelo que tinha sido feito noutros países. “Logo no início de março, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi o primeiro chefe de Estado a entrar em quarentena voluntária. Por sorte, foi um falso alarme“, comenta a revista, acrescentando que pouco tempo depois já se estavam a tomar medidas como fechar as escolas e limitar o número de pessoas nos supermercados, para evitar grandes aglomerações.

Notando que “o número de vítimas mortais em Espanha é cerca de 40 vezes mais do que em Portugal”, a Der Spiegel assinala que “cada novo relatório estatístico que é publicado traz uma nova confirmação de que a resposta de Lisboa tem sido muito melhor do que a gestão feita pela sua irmã Madrid”. Isto apesar de Portugal ter “um sistema de saúde menos robusto” do que, por exemplo, a Alemanha – onde existem 33,9 camas de cuidados intensivos por cada 100.000 habitantes, ao passo que Portugal tinha 6,4 camas por 100.000 habitantes.

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A Der Spiegel, que antes das últimas eleições publicou um texto onde elogiava o primeiro-ministro chamando-lhe o “simpático Senhor Costa” e “socialista confiável”, destaca, também, medidas avançadas pelo Governo como garantir metade de 66% do salário das pessoas que têm de ficar em casa para tomar conta de filhos com menos de 12 anos (embora a revista não refira, por exemplo, que se os dois pais estão em teletrabalho nenhum pode candidatar-se a esse apoio).

Der Spiegel chama “socialista confiável” ao “simpático Senhor Costa” e compara Portugal à aldeia de Astérix

Mas pode haver outras explicações para o bom desempenho de Portugal, pelo menos até agora. Tal como no resto do mundo, a mortalidade concentra-se nas idades mais avançadas mas, mesmo aí, pode haver uma diferença de partida: “em contraste com Espanha e Itália, os idosos em Portugal por regra levaram a vacina contra a tuberculose – e um estudo recente encontrou uma possível correlação entre os países onde essa vacina foi obrigatória e uma taxa menor de mortalidade por Covid-19″.

A reportagem da Der Spiegel reconhece que as ruas de Lisboa estão “irreconhecíveis”, completamente transfiguradas pela ausência de pessoas (residentes e turistas), seja porque as pessoas estão fechadas em casa ou “porque aqueles que têm possibilidade de fazer isso saíram para o campo”. Ao mesmo tempo que existe a crise sanitária, a revista salienta a melhoria da situação económica desde os “dias negros” da crise da dívida, uma recuperação muito feita graças ao turismo. “E, agora, isto…“, lamenta a revista.

Recuperando a máxima do Marquês de Pombal – “enterrem os mortos, cuidem dos vivos”, após o terramoto de 1755 – a Der Spiegel salienta que Portugal tomou a decisão de suspender nesta fase todos os processos de residência no SEF (basicamente dando a todas as pessoas no país, mesmo que não já legalizadas, todos os direitos de acesso ao sistema de saúde). Uma medida que o repórter da revista alemã compara à história de Aristides Sousa Mendes, o ex-cônsul português que sacrificou a sua carreira diplomática quando desobedeceu a regras expressas para ajudar milhares de judeus a fugirem para Portugal, ameaçados pelas forças nazi.

Já antes da revista Der Spiegel o norte-americano The New York Times tinha elogiado Portugal por estar a “sair-se muito melhor” do que Espanha na gestão desta pandemia. Um médico ouvido pelo jornal, para essa reportagem, afirmava que o país “merece admiração”.

“Merece admiração”. Jornal The New York Times diz que Portugal “saiu-se muito melhor” do que Espanha