Das janelas, muitas enfeitadas com colchas, velas ou flores, a população da Senhora da Hora, em Matosinhos, viu neste domingo o crucifixo passar-lhe à porta de carro, numa visita pascal adaptada às contingências do combate à propagação do novo coronavírus.

Inspirando-se no “papamóvel” – veículo criado para a locomoção do Papa nas aparições públicas – o padre Amaro Gonçalo Ferreira, da paróquia da Senhora da Hora, no distrito do Porto, fez hoje a visita pascal no “padre móvel”, percorrendo a partir das 16:00 as ruas da freguesia e acompanhado, a partir das suas casas, por muitos residentes.

Com o céu a ameaçar chuva, a carrinha de caixa aberta onde seguiram, na traseira, o padre e o crucifixo, percorreu a uma velocidade lenta, mas desmobilizadora de qualquer aproximação, as ruas da freguesia, num trajeto acompanhado por uma gravação onde se escutava a mensagem pascal, que aconselhava as pessoas a manterem-se em casa.

À passagem do “padre móvel” viam-se, à janela ou nas varandas, sobretudo pessoas de meia-idade e idosos, correspondendo à interação que o padre, antes de iniciar a visita pascal, em conversa com a Lusa, expressou acontecesse, num percurso de emoções ora expresso em palmas ou em lágrimas.

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“Nós não podemos ficar em casa nesta quadra. A igreja tem de ter um suplemento, um sobressalto de criatividade para ir ao encontro das pessoas […] para passar a nossa mensagem”, disse o padre Amaro Gonçalo Ferreira, confiante no civismo dos católicos com quem iria cruzar-se nas horas seguintes.

Colocado na traseira da viatura, o crucifixo estava “em lugar inacessível, pelo que as pessoas podem apenas contemplar, olhar”, correspondendo-lhes o pároco com “uma bênção, com um gesto de paz e de saudação”.

Admitindo haver nas “aldeias [maior] algum risco, pois as pessoas são mais próximas, mais familiares”, afastou a possibilidade de alguém querer tocar ou beijar a cruz no contexto em que a sua paróquia se insere, argumentando terem as pessoas “uma mentalidade mais citadina”.

“O nosso delegado de saúde e a nossa presidente de Câmara [de Matosinhos] além de não o impedirem, recomendaram e felicitaram-nos pela iniciativa porque acham que neste dia faz falta às pessoas uma mensagem diferente”, acrescentou.

À janela de sua casa, com um círio pascal aceso, Maria Vieira viu, em lágrimas, a viatura passar, confessando depois à Lusa que “viver a Páscoa nesta situação é muito triste”, repetindo esse estado de espírito depois de elogiar a ideia do padre da paróquia onde, “nestes dias, fazia sempre parte do compasso”.

Sem conseguir conter, novamente, as lágrimas, Maria Vieira enfatizou, contudo, ter ficado “muito, muito, muito feliz pela vinda do padre” até ao seu bairro.

Helena Sineiro, com uma criança aos ombros, falou de uma “Páscoa diferente”, destacando o facto de se “poder vivê-la, verdadeira”, mesmo “sem ter Jesus Cristo fisicamente”.

“A decisão do padre foi maravilhosa. No Brasil fazemos isto sempre, colocámos Jesus Sacramentado no carro e saímos, em dias normais, pelas ruas. Por isso é que considero que esta decisão foi espetacular”, acrescentou.

Também da janela, Nuno Pereira assistiu à passagem do “padre móvel”, decisão que classificou de “correta”, argumentando ser uma “iniciativa que permite apreciar o que de bom tem a Páscoa”.

“Por causa do [novo] coronavírus, esta é uma Páscoa que vai ficar para sempre na memória das pessoas, mas a ideia foi a correta”, reforçou.

Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registam-se 504 mortos, mais 34 do que no sábado (+7,2%), e 16.585 casos de infeção confirmados, o que representa um aumento de 598 em relação a sexta-feira (+3,7%).

Dos infetados, 1.177 estão internados, 228 dos quais em unidades de cuidados intensivos, e há 277 doentes que já recuperaram.

Portugal, onde os primeiros casos confirmados foram registados a 02 de março, encontra-se em estado de emergência desde de 19 de março e até ao final do dia 17 de abril.