Nas últimas duas semanas, a Google e a Apple uniram esforços para criar um software de rastreamento digital de pessoas que estiveram perto de outras, que estivessem infetadas pelo novo coronavírus. Mas não foram as únicas. Há uma tecnologia de rastreamento de contacto desenvolvida pela HypeLabs, uma startup do Porto, que tem sido testada e implementada ao longo dos últimos cinco anos e que também quer ajudar no combate à propagação da Covid-19, garantindo a privacidade dos utilizadores.

A solução da HypeLabs permite fazer o rastreio de contacto “de forma privada e anónima, inclusive em segundo plano” e sem acesso à internet, refere a empresa em comunicado. A tecnologia — já desenvolvida — pode ser integrada em qualquer app e sistema que esteja a ser desenvolvido pelos governos (não está atualmente ligada ao governo português). “Mesmo para alguém que não queira ser rastreado, existe uma opção: desinstalar a app onde a tecnologia SDK [utilizada pela empresa] está a correr”, explica a startup.

Para ajudar no combate à Covid-19, a empresa juntou-se ao movimento Tech4Covid19 e aproveitou a sua tecnologia para criar a CovidApp, um sistema que permite a quarentena seletiva e pode ser implementado de imediato e de forma gratuita. Este sistema de rastreamento de contacto “privado e anónimo” vai detetar proximidade física entre smartphones — através de sinais Bluetooth ou Wi-Fi.

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Os registos destes “encontros” ficam armazenados durante 14 dias no dispositivo e são enviados para um servidor central que vai cruzar informação para perceber se os utilizador estiveram em contacto próximo com alguém que testou positivo à Covid-19. Se tiverem tido algum contacto, recebem um alerta com recomendações, ainda que não saibam quem é a pessoa infetada, mas sim que estiveram em contacto com ela.

Este sistema de rastreamento utiliza a tecnologia de redes mesh, que permite o funcionamento em diferentes sistemas operativos, desde Android a iOS, e “que corre até em segundo plano ou mesmo se o smartphone estiver bloqueado” ou sem internet. O software utiliza ID [identidades] aleatórios, anónimos e que não exigem qualquer base de dados ou informação pessoal de qualquer indivíduo.

A ideia da empresa também é a de que os funcionários autorizados distribuam informações aos utilizadores finais, desde anúncios a recomendações de saúde para combater a propagação do vírus, através de portais web para profissionais de saúde e dos governos de cada país. “Apenas pessoal médico autorizado pode interagir com o portal e atualizar o estado de saúde dos cidadãos testados”, assegura a HypeLabs. E como é que isto tudo funciona? A solução, explica a empresa ao Observador, está dividida em três partes:

  1. Uma app para o utilizador receber informação e alertas de uma autoridade competente. “Na eventualidade de um dos utilizadores ser reportado positivo, o utilizador da aplicação recebe automaticamente um alerta por parte da autoridade competente com informação sobre como deverá proceder”, explica a HypeLabs, acrescentando que há também a possibilidade de criar “um canal de comunicação direto entre o utilizador e a autoridade competente, de forma a diariamente se fazer tracking de desenvolvimento de sintomas”, ainda que esta seja “uma funcionalidade adicional que poderá ou não ser implementada pela autoridade oficial, dependendo de governo para governo”;
  2. Um portal da clínica/hospital, onde o estado de saúde do paciente pode ser atualizado, mediante teste clínico. Também neste caso, volta a sublinhar a empresa, “o paciente é apenas tratado com ID anónimo, nunca envolvendo dados pessoais”;
  3. Um portal para o governo, onde é possível aceder ao número de infetados, de pessoas que estiveram em contacto com infetados e o número de pessoas que estiveram em contacto com estes últimos, tudo também de forma anónima.

“Nunca ninguém verá as informações privadas dos utilizadores”

Tendo em conta que a privacidade dos dados é uma das maiores preocupações colocadas relativamente a este tipo de software, Carlos Lei, cofundador e presidente da HypeLabs assegura que “nunca ninguém verá as informações privadas dos utilizadores“. “Apenas o ID exclusivo do dispositivo é visível para as autoridades governamentais”, acrescenta. No site do software, é indicado que este ID do dispositivo “é um número aleatório e diferente do número do telemóvel dos utilizadores”.

Há duas formas de o utilizador ficar a conhecer o resultado do teste, sendo que em nenhuma delas é associado o ID aleatório ao utilizador. Qualquer uma necessita também do consentimento de cada cidadão. Em primeiro lugar, o próprio cidadão, através da app, poderá ler um QR code que está associado ao portal da clínica/hospital no momento do teste, ficando também ele associado a um teste em específico e, mais tarde, permitindo que o sistema associe o ID a um determinado resultado.

Em segundo lugar, o utilizador também pode, no momento em que sabe o resultado de um teste, receber um código específico que depois insere na sua app, de forma a atualizar o estado. “Não existe aqui qualquer cruzamento de dados do ID anónimo a dados pessoais do utilizador”, volta a assegurar a empresa.

O software utiliza IDs aleatórios, anónimos e que não exigem qualquer base de dados ou informação pessoal de qualquer indivíduo

A CovidApp já foi testada e implementada em alguns países da América Latina, como a Colômbia, o primeiro país a adotar o sistema, não tendo ainda havido qualquer tipo de contacto por parte do governo português ou de entidades de saúde portuguesas.

“Além de ajudar os virologistas a recolher dados importantes para evitar futuras pandemias, o rastreamento de contacto é uma tecnologia que os governos locais, estaduais e nacionais podem usar como ferramenta geral de análise, privada, para melhorar os sistemas de transporte e ajudar a planear um fluxo mais eficiente de cidades inteiras”, assegura ainda a startup.

Na passada quinta-feira, recorde-se, a Comissão Europeia defendeu que a utilização de dados de localização em aplicações móveis de rastreamento para tentar conter a pandemia Covid-19 “viola” as regras comunitárias e aconselhou antes o recurso às redes Bluetooth, como é o caso desta empresa. O Bluetooth é uma solução tecnológica que salvaguarda a privacidade, visto que permite a conexão e a troca de informações entre dispositivos através de uma frequência de rádio de curta distância que é mais segura do que, por exemplo, os serviços de geolocalização.

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“O sistema desenvolvido respeita todas as leis e normas europeias, e foi desenhado com base nos documentos europeus que falam sobre este género de aplicação. A HypeLabs disponibiliza também templates  daqueles que considera serem as políticas de privacidade e termos de uso que recomenda serem adotados pelos países que implementam a solução”, assegura ainda a empresa.