É visto pelo Ministério Público como o cérebro e principal operacional do assalto aos paióis nacionais de Tancos e desde que foi preso, em setembro de 2018, nunca prestou qualquer esclarecimento sobre o seu envolvimento no processo. Só agora, na última sessão antes das alegações finais da fase de instrução criminal liderada pelo juiz Carlos Alexandre, é que João Paulino decidiu quebrar o silêncio. Ainda assim, não abriu totalmente o jogo e, logo no arranque, avisou que só falaria no achamento das armas.

João Paulino, que foi posto em liberdade por ter esgotado a prisão preventiva em plena pandemia de Covid-19, chegou ao Tribunal de Monsanto aparentemente calmo. E foi com essa calma que disse a todos os presentes, juiz de instrução, magistrada do Ministério Público e alguns advogados — todos protegidos por máscaras cirúrgicas — que não iria falar no furto, apenas do achamento das armas, em Constância, numa operação que a acusação acredita ter sido montada pela própria Polícia Judiciária Militar.

Segundo fontes judiciais contactadas pelo Observador, Paulino assumiu que participou no furto das armas, mas o seu advogado, Carlos Melo Alves, travou-lhe sempre as respostas às perguntas dos advogados que queriam saber mais pormenores sobre o crime de furto. Paulino, no entanto, mostrou vontade de falar sobre Paulo Lemos — o ‘Fechaduras’, homem que terá sido contactado por João Paulino para dar-lhe informações sobre a melhor forma de arrombar as portas dos paiol mas que, apesar de ter sido constituído arguido, não foi acusado pelo Ministério Público. Vários advogados de defesa têm tentado demonstrar que tal foi fruto de ter sido informador da Polícia Judiciária civil.

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Foi por causa de ‘Fechaduras’, segundo conta Paulino, que os dois militares da GNR, Bruno Ataíde (seu amigo de infância) e Lima Santos, do Departamento de Investigação Criminal de Loulé, o contactaram na tentativa de chegar a ele. Segundo Paulino, encontrou-se com eles mais de trinta vezes — embora a acusação refira poucos encontros porque se baseou na localização dos telemóveis para confirmar os encontros. E que ficou com a ideia clara, através dos militares, que o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, saberia de todo o plano que estava a ser montado para a recuperação das armas. No entanto, garante que o único nome da Polícia Judiciária Militar (PJM) que ouviu falar como estando a par do plano para o chamado ‘achamento’ foi o do do major Vasco Brazão (então porta-voz da PJM e também acusado no âmbito do processo).

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Segundo a Lusa, o advogado Carlos Melo Alves terá dito por diversas vezes que Bruno Ataíde e Lima Santos lhe sugeriram um encontro com o diretor da Polícia Judiciária Militar [Luís Vieira, também arguido] e com Vasco Brazão, mas tal não chegou sugestão não chegou a concretizar-se.

Pelas palavras de Paulino, os advogados presentes na sala ficaram com a ideia de que não terá sido ele afinal quem planeou o assalto. O arguido nunca explicou para quem eram as armas, embora tenha afastado a tese do terrorismo. E chegou mesmo a dizer que quando começou a ler essa tese nos jornais começou a “dormir” mal e já só queria ver-se livre do armamento.

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Garantiu também que as armas não estavam escondidas na casa da avó, entre Ourém e Tomar. Estariam num sítio que recusou mencionar. Disse também que não foi ele a ir buscar as armas para enterrrá-las em Constância — num plano feito com a GNR e a PJM. Foi sim um homem “dos seus”, que não está identificado no processo, que não foi testemunha e muitos menos arguido. E cujo nome também não denunciará. Esse alegado cúmplice, segundo o arguido afirmou perante o juiz Carlos Alexandre, terá desenhado mesmo um croqui do local onde enterrou as armas, entregou-o a Paulino que, por seu turno, entregou a Bruno Ataíde. Fê-lo porque não queria que se soubesse onde as armas estavam escondidas, garantiu Paulino.

Promete falar mais durante o julgamento

Paulino, que chegou a pertencer aos Fuzileiros, disse que — ao contrário do que o também arguido e ex-diretor nacional da PJM Luís Vieira chegou a dizer —, nunca pensou afundar o armamento na barragem. Pode tê-lo dito, mas em tom irónico.

Quando a procuradora do Ministério Público lhe perguntou porque não denunciou o caso à polícia quando se arrependeu do assalto, João Paulino afirmou que conhecia diversos reclusos que o tinham feito e que foram presos à mesma. Por outro lado, ao colaborar com a GNR de Loulé, o arguido sempre pensou que não seria preso.

Já no final das declarações, o arguido prometeu que em fase de julgamento — caso seja essa essa a decisão de Carlos Alexandre — falará no furto. Até lá, remete-se novamente ao silêncio.

As alegações finais do processo — que envolve nove arguidos acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e 14 outros, entre eles o antigo ministro Azeredo Lopes, de estarem a par da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento — estão marcadas para os dias 4 e 5 de maio. Após essa fase final, o juiz Carlos Alexandre decidirá que arguidos irão a julgamento.

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