Era a muito aguardada reunião com especialistas, já na posse dos números que podem — ou não — ilustrar o aligeirar de algumas medidas de confinamento que começou em Portugal no início do mês. À saída nem todos mostraram os mesmos níveis de confiança, mas o Presidente da República fez questão de apontar o valor do R (essa variável da equação que já todos conhecem de cor) e de frisar que nos outros países, com planos de desconfinamento mais avançados que Portugal, esse número não sofreu grandes oscilações com a retoma da mobilidade da população no território. Mas parece que os portugueses foram muito contidos no desconfinamento e isso atira uma nova avaliação para dia 18, 15 dias depois de dia 3 de maio.

Frisando o facto de, neste momento, 11 dias depois do início do desconfinamento “ainda haver poucos dados”, Marcelo Rebelo de Sousa apontou que o R em Portugal está próximo de um, nos 0,98, embora haja oscilações a nível nacional. Lisboa e Vale do Tejo está acima desse valor, mas a região Norte está abaixo com 0,91, enumerou Marcelo. Ainda não é possível falar-se numa “luz ao fundo do túnel”, já que se circula nesse túnel com 15 dias de atraso. Só daqui a 15 dias é possível perceber o impacto das ações tomadas hoje e isso traz cautelas na hora do desconfinamento. “Falar em luz ao fundo do túnel é falar de uma realidade que os portugueses têm de ir conquistando”, disse o Presidente da República, para recordar a todos a sua missão de agentes de saúde pública.

Ainda que haja poucos dados e que uma melhor avaliação tenha sido atirada para dia 18 de maio (volvidos 15 dias desde o momento da reabertura do comércio local e do desconfinamento), há dados positivos: mantém-se tendência de “diminuição de casos de internamento e taxa de letalidade”, frisou Marcelo atribuindo essa consequência à “comunicação muito boa entre as autoridades sanitárias e os portugueses”.

Depois da intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, que estava acompanhado por António Costa e pelo presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues, seguiram-se os comentários dos vários partidos políticos que marcaram uma vez mais presença na reunião e aí sim, as visões passam da “confiança” do PS, ao alerta do PSD para o “fio da navalha” em que o país está — apontando para o R de 1 —, passando pelas críticas do CDS à “novela triste entre Centeno e Costa”.

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José Luís Carneiro, do PS, à saída da reunião com especialistas no Infarmed.

PS confiante com indicadores “positivos” depois do desconfinamento

O secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, em representação dos socialistas, foi o primeiro a aproximar-se do microfone depois da introdução de Marcelo Rebelo de Sousa. Falou dos “indicadores positivos” na sequência do desconfinamento. “Os dados que hoje pudemos conhecer são dados que não permitem ainda olhar para uma tendência consolidada”, disse, acrescentando porém que eles “ilustram um nível de confiança relativo ao desconfinamento”.

“Foi possível verificar que, pese embora termos realizado o desconfinamento gradual, os indicadores são positivos. Nomeadamente os indicadores relativos ao recurso às unidades hospitalares, UCI e também relativamente ao indicador de contágio e redução do número de mortes”, disse o socialista. “Devemos continuar a ter confiança neste processo de desconfinamento gradual, objeto de observação e de controlo”, acrescentou.

“Na próxima semana vamos receber informação por escrito das autoridades de saúde para podermos ter um conhecimento mais aprofundado dos efeitos do desconfinamento. No mês de junho podemos avaliar com outra visão sistémica o modo como o desconfinamento nos transmite confiança”, disse José Luís Carneiro.

O secretário-geral-adjunto do PS acrescentou que “vamos conviver com o Covid e com esta pandemia durante vários meses, o que exige uma atitude e comportamento individual e coletiva de grande responsabilidade”. Ao mesmo tempo, “é perspetivável que no outono e no inverno, por força daquilo que é uma regularidade em determinado tipo de doenças, haja um acréscimo no contágio. São dados com os quais temos de lidar”.

“É muito relevante que, como comunidade nacional, sejamos capazes de perceber que o desconfinamento tem efeitos na manutenção e no contacto com esta epidemia e no contágio”, sublinhou, apelando também a que se evite qualquer tipo de “estigmatização” daqueles que venham a contrair a doença, durante o processo de “imunização da comunidade nacional”.

Ricardo Baptista Leite, do PSD, à saída da reunião com especialistas no Infarmed.

PSD. “Estamos no fio da navalha. Há regiões do país em que o R é superior a 1”

O vice-presidente da bancada do PSD, Ricardo Batista Leite, diz que compreende “os pais que sentem natural ansiedade dos que têm filhos que regressem às creches ou ao ensino secundário”. Ricardo Batista Leite diz que “o R está muito perto do 1, e portanto a responsabilidade dos portugueses vai ser crítica para sairmos desta crise”.

O deputado do PSD alerta que “há regiões do país em que o R é superior a 1, o que significa que a infeção se pode propagar rapidamente” e o que foi demonstrado é que “isso ocorre sobretudo por surtos, em hostels, lares, portanto o distanciamento social é crítico para o nosso sucesso”.

Ricardo Batista Leite diz que “temos de esperar o melhor, mas esperar o pior”. O deputado diz que “caso Portugal tivesse mantido o Serviço Nacional de Saúde a funcionar em pleno, teriam faltado 352 camas de cuidados incentivos”, mesmo com o investimento que foi feito ao longo destes últimos dois meses. “Esse investimento tem de ser feito no próximo inverno”, disse.

Também para preparar o inverno, Ricardo Batista Leite fala na “importância da vacinação da gripe, para prevenir a Covid-19, mas acima de tudo para não sobrecarregar o Serviço Nacional de Saúde”.

Batista Leite avisa que Portugal “ao contrário de muitos países europeus, ainda não iniciou o procedimentos concursal para a compra da vacina da gripe e esta é uma matéria de fundamental importância para a população em risco”.

Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda, no final da reunião com especialistas no Infarmed.

BE alerta para os 20% dos portugueses que admitiram ter dificuldade em comprar máscaras e pede reforço orçamental para SNS

O dado relativo à dificuldade em adquirir máscaras foi avançado pelos especialistas, recuperado de um inquérito da Escola Nacional de Saúde Pública realizado nos últimos dias: “20% dos inquiridos revelou ter dificuldade de acesso a máscaras porque considerava caras”. O BE anotou e veio exigir um reforço suplementar para o SNS e soluções para os que enfrentam dificuldades em comprar as máscaras obrigatórias nos transportes públicos e locais fechados.

“Um orçamento suplementar para o SNS que garanta que tudo o que foi gasto e investido no combate à Covid não sai do orçamento que tinha sido aprovado para 2020, mas acresce a esse orçamento”, disse Moisés Ferreira, deputado do Bloco de Esquerda, recordando que o SNS “deverá retomar a atividade normal que já tinha antes” da Covid-19.

Para as próximas fases de desconfinamento, o BE quer garantir proteção às pessoas mais vulneráveis à Covid-19, quer do ponto de vista da saúde, quer do ponto de vista socioeconómico. Assim, as pessoas com maior vulnerabilidade de saúde e que são consideradas de risco, o BE quer que sejam dispensadas do trabalho sem perderem rendimentos e a manutenção das “prestações sociais que repõem rendimento” que, defendem, “devem manter-se além da fase mais dura da epidemia”.

PCP confiante na recuperação do país, mas “com todos os ‘ses’ e graus de incerteza”

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, mostrou-se também confiante, embora tenha sublinhado um grau de “incerteza” que obriga a cautela na análise dos dados.

“Nesta sessão importante que se realizou, há uma nota relevante com todos os ses e graus de incerteza que são naturais: uma ideia de controlo da situação e de progresso, tendo em conta os internamentos, os recuperados”, disse Jerónimo acrescentando que se nota “uma tendência positiva” que “com o grau de incerteza que resulta por parte dos próprios cientistas, que se demonstra que é possível medidas de desconfinamento, que é um caminho a prosseguir”.

O líder comunista sublinhou a importância do Serviço Nacional de Saúde, lembrando a sua “importância determinante, estratégica”. O SNS “deu resposta, continua a dar resposta, e continua a precisar do seu reforço, seja no plano orçamental, seja no plano de conseguir mais profissionais”.

Jerónimo destacou a questão da disponibilidade de camas, a que o país ficou a dar mais atenção devido a esta pandemia — mas garantiu que atualmente é uma “situação perfeitamente controlada”.

O secretário-geral do PCP destacou também como a pandemia deixou evidente um “um problema económico e social dramático, particularmente para aqueles que menos têm e menos ganham, com consequências imprevisíveis”.

“Diz-se que estamos todos no mesmo barco, mas há centenas de milhares de pessoas que perderam os seus rendimentos e que precisam de uma resposta”, afirmou, alertando ainda: “Que ao drama do vírus não se acrescente o drama social”.

Jerónimo de Sousa apelou ainda a que seja dada mais atenção à higienização dos locais de trabalho e dos transportes públicos. A retoma deve ser “acompanhada desta proteção especial de quem trabalha e de quem se desloca para o trabalho”. Nos transportes públicos, assegurou, “não tem havido uma resposta cabal”.

“Acreditamos ser possível dobrarmos este cabo das tormentas que tem existido e voltarmos à atividade necessária”, com “incerteza, mas simultaneamente confiança”, resumiu.

Líder do CDS considera “incompreensível” a “novela triste” entre Centeno e Costa que distrai de combate à pandemia

O líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, diz que a “evolução da situação epidemiológica nacional revela alguma estabilidade”, mas diz que devem ser “feitos apelos aos portugueses para não entrarmos em estado de euforia, garantindo que todos os procedimentos de higiene e segurança são adotados para não serem comprometidos todos os esforços que os portugueses” fizeram até agora.

Para o líder centrista é “preciso cautela”, que este “desconfinamento seja assegurado por equipamentos de proteção individual, disponível aos trabalhadores, manter o foco na testagem e proteger a situação em que se encontram os mais vulneráveis da sociedade”. O CDS tem “três preocupações de fundo, a primeira é política: e não podemos deixar a novela triste, que devia fazer corar de vergonha os principais responsáveis políticos do país, por terem mergulhado a discussão política mais recente numa espécie de novela, em que parece que os políticos vivem numa bolha, desligados do país real e das preocupações das pessoas.”

Francisco Rodrigues dos Santos diz que “parece que alguns países estão mais empenhados em fazer um país de faz de conta: faz de conta que vai haver uma candidatura presidencial, faz de conta que existe um conflito entre o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, faz de conta que o ministro se vai demitir, mas há portugueses que perderam rendimentos e outros que passam fome”.

O líder do CDS diz que é “incompreensível que num momento em que devíamos estar a discutir um plano de emergência social e de relançamento da economia, o país estivesse envolto em fait divers políticos que deixaram as preocupações dos portugueses em suspenso”.

Em segunda preocupação do CDS é o setor social e lembra as propostas que irá apresentar esta quinta-feira na Assembleia da República. Na perspetiva da Saúde, diz que “as coisas têm funcionado razoavelmente no SNS, mas a verdade é que comparativamente com o ano anterior, por cada morte de Covid temos quatro novas fatalidades”, além disso “há menos 122 mil consultas de urgência, o que significa que hoje em Portugal verificam-se mais quatro mil mortes do que no ano anterior e que os portugueses não estão a ter o melhor acesso ao SNS”.

O líder do CDS diz ainda que o Estado “tem de pagar o que deve aos portugueses” e de “ser tão bom pagador como cobrador”, exigindo o pagamento rápido do IRS, bem como menos burocracia no acesso aos apoios para o lay-off.

Os Verdes falam em “confiança e determinação”

Numa curta declaração, Os Verdes saíram da reunião com os especialistas a pedir um reforço nos transportes públicos, não apenas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mas em todo o país para que todos os que têm que utilizá-los “sintam segurança”.

“É necessário voltar a trazer a segurança e a confiança das pessoas na utilização dos mesmos”, disse a deputada Mariana Silva frisando que os números hoje divulgados “não transmitem toda a segurança” que o partido gostaria de ter ouvido, mas que fica a “confiança para que o desconfinamento seja gradual” e que se possa “voltar ao dia a dia”.

Alertando ainda para a maior fragilidade da população com menos rendimentos, Mariana Silva apontou para “uma parte da população que já tem os rendimentos muito afetados e as condições de vida muito afetadas”.

Chega. “Não, não estamos numa situação nem de confiança nem de segurança”

O líder do Chega, André Ventura, disse não ter “a mesma ideia de confiança e estabilidade” apresentada pelos outros partidos. “Os dados que nos foram hoje apresentados revelam que 40% dos portugueses perderam ou totalmente ou parcialmente os seus rendimentos. Não, não estamos numa situação nem de confiança nem de segurança. Isso deve-nos obrigar a pensar e a repensar como é que vamos fazer esta saída progressiva. Coloca-nos num dos piores cenários da Europa ocidental em termos de rendimentos”, disse Ventura.

O líder do Chega questionou também a decisão do Governo de criar um calendário de reabertura com duas semanas entre cada fase. “Nós vamos dia 18 passar um das fases mais preocupantes. Mas não temos ainda a avaliação do desconfinamento que houve a 3 de maio. Estamos a cumprir um risco desmesurado, os prazos não foram bem pensados. A análise do desconfinamento que foi feito a 3 de maio não está ainda terminada”, disse, acrescentando que o salto será feito “sem ter a análise dos dados”.

“Temos um outro problema: a questão dos surtos. Estão associados a eventos específicos. Vamos ter abertura do futebol, vamos ter alguns eventos políticos como a Festa do Avante. É preciso saber se os surtos estão associados a eventos de massas. Antes de transmitir às pessoas que vai acontecer A ou B temos de ter segurança. Hoje fiquei com a sensação de que há dois mundos: o dos cientistas e o dos políticos. Lá dentro é dita uma coisa e cá fora é transmitida outra”, acrescentou Ventura.

O líder do Chega criticou ainda — sublinhando que se trata de um assunto paralelo à pandemia — a crise política à volta da injeção de dinheiro no Novo Banco. Para Ventura, a solução encontrada por Centeno e Costa para saírem da crise foi “criar um fait divers com as eleições presidenciais”.

“O que me custa não é que o Governo o tenha feito, já estamos habituados. O que me custa é que o Presidente da República se tenha deixado envolver nesta farsa. Estamos em maio e já se pode falar de eleições presidenciais. É um desvio de atenções à frente de todos”, afirmou.