O caminho para o hospital de campanha, em Ovar, foi feito a pé e à chegada eram muitos os miúdos e graúdos que esperavam, de telemóvel em punho, pelo Presidente da República. Dentro do pavilhão desportivo estão sete doentes infetados com o novo coronavírus, internados, e alguns conseguem mesmo sentar-se na cama para ver quem chega mais de perto. Um grupo de médicas e enfermeiras, vestidas a rigor, aproxima-se da varanda e pede uma seflie ao rei das selfies, agora à distância. Marcelo desce parte da escadaria para lhes fazer a vontade, mas não quer posar sozinho. Chama para perto de si Costa, Cabrita, Malheiro e também Marta Temido, ministra da Saúde, que entretanto chega ao local. Durante a sessão, é mesmo ele quem dá indicações aos fotógrafos para conseguirem o melhor ângulo. “Se subirem aquelas escadas conseguem uma perspetiva melhor”, atirava entre a confusão.

Perante uma plateia com os elementos que integram o gabinete de crise de Ovar, Marta Temido confidencia que hoje, pela primeira vez, entrou num centro de saúde daquela zona pela janela, resultado dos novos circuitos impostos pela Covid-19. Temido garante que “nada será como antes”, mas que agora “todos sabemos mais do que sabíamos antes”. Costa reforça o reconhecimento do Governo à cidade e recomenda que “da próxima vez que alguém se queixar que a máscara faz calor ou embacia os óculos se lembre do exemplo de Ovar”.

Marcelo não quis posar sozinho para fotografia com a equipa médica do hospital de campanha de Ovar (Foto: Rui Oliveira/Observador)

Marcelo Rebelo de Sousa preferiu falar de uma pandemia que “não era óbvia” e dos que ainda se recusam a dar-lhe a devida importância. “A maioria das pessoas tem memória curta”, atira, acrescentando que este “é o desafio da nossa vida, que vai mudar a nossa vida”.

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Para o chefe de Estado, este vírus é um vírus democrático e não elitista, que também mudou a forma de fazer política. “A política não volta a ser o que era. Não sei se todos os políticos já perceberam isso, acho que ainda não perceberam. Continuam a fazer conversa do antigamente, a conversa mudou.” “Estamos a discutir o número de infetados, dos internados, dos cuidados intensivos, estamos a respeitar aqueles que estão a morrer e estão a discutir o sexo dos anjos? Há prioridades e depois há tempo para o sexo dos anjos.

O Presidente da República não tem dúvidas de que há um período pré e pós pandemia. “Essa mudança há de ser aprendida por todos. O discurso antigo vai ter que mudar um bocadinho, porque a nossa vida mudou muito. Os que perceberem, percebem a lição da pandemia, os que não perceberem vão ficar a falar sozinhos. São do outro mundo, são da pré historia da pandemia.”

O autarca “irrequieto”, “reivindicativo”, “vaidoso” e o apelo para encher o copo

Talvez seja da pré-história da política, mas por ali, o dia tinha começado com um providencial almoço com Rui Rio, depois de vários dias com o país extra-pandemia a falar de presidenciais e o possível apoio do PS a Marcelo. Nenhum dos protagonistas quis desenvolver o assunto desta vez, mas a fotografia de Rio com Marcelo ficou feita para quem quiser ler . A digestão do almoço com Rui Rio na base aérea fez-se na fábrica Flex2000, uma das empresas que foi obrigada a encerrar portas durante a cerca sanitária. O prejuízo ultrapassou um milhão de euros, a produção chegou a cair 80%, mas os 250 trabalhadores mantêm-se.

Marcelo Rebelo de Sousa encontrou-se à entrada, já depois da hora marcada, com o Primeiro-Ministro, Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, e Pedro Siza Vieira, ministro da Economia. O autarca Salvador Malheiro foi o mestre de cerimónias durante a visita aquela que é “a maior fábrica de espuma da Península Ibérica”. Mediram a temperatura, vestiram um colete personalizado, desinfetaram as mãos e colocaram uns óculos de proteção transparentes para poderem acompanhar todo o processo de produção de colchões hospitalares, que foram fornecidos durante a pandemia.

De colete, máscara e óculos, ambos viram o processo de produção de perto (Foto: Rui Oliveira/Observador)

No fim de uma espécie de visita de estudo, onde todos puderam levar esponjas de banho para casa como brinde, o Primeiro-Ministro disse que a sua visita ao município tem “uma carga simbólica”. Glorifica o “espírito de sacrifício” demonstrado pelo concelho e não esquece que o tempo presente manda “dar um passo em frente”. No entanto, Costa sente o receio nas pessoas que não querem ainda sair de casa, “porque efetivamente há um risco”. “Não sou mais valente que ninguém”, diz, defendendo que é “fundamental” dar esse passo em frente “com cautela” para que a crise económica e social “não ganhe vida própria”.

“Se não foi a doença que deu cabo de nós, também não será a cura”, sublinha, acrescentando que não interessa se o copo está meio cheio ou meio vazio. “Vamos é todos juntos encher o copo.” O líder do Governo quer que se lute tanto para retomar a economia como se lutou para combater a doença e, para isso, exige um “esforço coletivo”.

Tal como Rio, Costa acredita que ser líder da oposição é mais difícil do que ser primeiro-ministro, mas deixou claro aos jornalistas que não está “disponível para trocar de posição”. Reforçou a união do sistema político nacional, que se tornou “exemplar” em época de pandemia. Para chegar a essa conclusão basta ver o “contexto internacional”, onde muitos países comungavam desacordo, Portugal conseguiu manter-se à tona durante um verdadeiro tsunami. Sobre a possível segunda vaga da doença, António Costa recorda o velho ditado “homem prevenido vale por dois”, concluindo, que graças à experiência adquirida nos últimos dois meses, não tem dúvidas: “Estamos mais bem preparados para um novo surto”.

Marcelo tomou a palavra e, olhando para o autarca de Ovar, no meio dos dois ministros, recordou um Salvador Malheiro “herói”, “irrequieto”, “reivindicativo” e “vaidoso”, sendo testemunha dos seus telefonemas “a horas incríveis do dia e da noite”.

Marcelo Rebelo de Sousa e testar a espuma dos colchões hospitalares (Foto: Rui Oliveira/Observador)

“Todos os municípios mereciam uma visita destas e vão acontecer muitas mais, mas Ovar é especial”, sublinha o Presidente da República. Afinal, foi aqui que se viveu a situação mais dramática do país, por isso, os elogios parecem nunca ser demais. “É preciso vir aqui agradecer a todo o país e todo o país vir aqui agradecer a Ovar”. No fim das contas, “Ovar deu a volta por cima” e é assim “um exemplo de resistência”.

Última paragem: um pão de ló para a neta que faz anos

Durante a tarde, Marcelo Rebelo de Sousa confidenciou que uma das suas netas fazia anos nesta sexta-feira e de Ovar levaria um pão de ló húmido, típico da região. Promessa feita e cumprida. Foi recebido com aplausos em pleno centro da cidade, onde foram muitos os que quiseram vê-lo ao vivo e a cores. “Vocês é que estão de parabéns”, diz o Presidente no meio das palmas, das selfies e dos vídeos em direto para o Facebook. “Vamos voltar à normalidade e ao nosso carnaval”, ouvia-se de uma janela.

No fim do dia foi tempo para uma fatia de pão de ló, típico de Ovar, e um brinde com um cálice de vinho do Porto (Foto: Rui Oliveira/Observador)

Chega à morada da especialidade, calça um par de luvas e faz questão de servir Costa, Malheiro e companhia com uma fatia de pão de ló. Afinal, há costumes da velha política pré-Covid que não se perderam completamente. Para rematar? Só mesmo um cálice de vinho do Porto e um brinde, claro.