Foi revelado sem aviso prévio há pouco mais de 24 horas, publicado na plataforma de streaming Netflix mas disponibilizado também na íntegra no YouTube (como pode confirmar no vídeo que se segue). Chama-se “8:46”, uma referência ao tempo durante o qual o polícia de Minneapolis Derek Chauvin asfixiou George Floyd com o joelho e não é bem mais um momento de stand-up de Dave Chappelle, cheio de gargalhadas (embora também as tenha, claro, quase como alívio da dureza e tensão dos restantes momentos) e boa disposição.

Chappelle tinha coisas para dizer sobre o racismo nos EUA, sobre violência policial e sobre os protestos que se propagam como gasolina pelo país. E disse-as mesmo, a 6 de junho, em Ohio, perante uma plateia socialmente distanciada, sentada em lugares marcados e com máscaras de proteção na cara.

Neste “especial”, um formato que é uma espécie de monológo tendencialmente humorístico, Dave Chappelle faz perguntas difíceis para as quais não haverá grandes respostas. Por exemplo: “Porque é que alguém se importaria com o que o seu humorista favorito pensa depois de ver um polícia pressionar o pescoço de um homem com o joelho durante oito minutos e 46 segundos? Conseguem imaginar isso?”. Eis a explicação para o título: “Não consigo tirar esse número da minha cabeça”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Este tipo pensou que ia morrer, sabia que ia morrer. Chamou pela sua mãe, pela sua mãe já morta. Só tinha visto isso uma vez na minha vida: o meu pai, no seu leito de morte, chamou pela sua avó. Quando vi aquela gravação, percebi que aquele homem soube que ia morrer. As pessoas viram-no, filmaram-no. Por alguma razão que ainda não consigo perceber, todos aqueles cab**** daqueles polícias tinham as mãos nos bolsos”

Pelo meio há a revisão da história recente de um racismo nos EUA que remonta a um passado bem mais longínquo, com referências às mortas de Trayvon Martin, Philando Castile, Eric Garner, Michael Brown e John Crawford, este último conterrâneo de Dave Chappelle — mas também com referências críticas à comentadora conservadora Candace Owens e à apresentadora de televisão da Fox News, Laura Ingraham.

Dave Chappelle e Bill Burr: podemos rir-nos destes humoristas conservadores?

As reações ao monólogo de Dave Chappelle já se começam a multiplicar pela internet e pelas redes sociais. O humorista português Bruno Nogueira, por exemplo, escreveu um longo texto sobre o especial, referindo: “É um depoimento poderoso sobre os tempos duros e revoltantes que se vivem nos EUA, incendiados pela morte de George Floyd. O racismo abordado com a temperatura a que obriga”.

O racismo existe, e manifesta-se das maneiras mais camufladas, a começar por aqueles que dizem que o racismo não existe, e a acabar nos que dizem “all lives matter” num assunto que diz respeito a “black lives”. O racismo existe, rouba vidas, rouba direitos, rouba futuro. Dave Chappelle tem o dom e a sina de saber falar disso tudo. E é urgente, mais do que nunca, que este assunto passe a ser nosso, e não apenas do outros”, vincou.

A publicação de Bruno Nogueira na rede social Instagram, fazendo uma referência elogiosa ao especial de Dave Chappelle

Também o ator Sean Penn partilhou o vídeo do monólogo do humorista, comentando: “Até que tenhamos uma vacina para o racismo e para a Covid-19, isto é o mais próximo que temos de uma cura. 8:46 – Dave Chappelle”. Também o antigo basquetebolista Dwyane Wade elogiou o momento: “Dave Chappelle, obrigado”, escreveu. Outra reação chegou da atriz Viola Davis, que classificou o monólogo como “poderoso”: