Há cada vez menos consenso parlamentar em torno do estado de emergência. Se na primeira votação, em março, seis partidos votaram a favor e nenhum contra, esta sexta-feira, na aprovação do quinto período de emergência em 2020, sobram os dois maiores partidos: PS e PSD. O debate ficou ainda marcado por uma guerra esquerda-direita sobre a realização do Congresso do PCP. PSD e CDS acusaram o Governo de permitir um evento que coloca em causa da saúde pública apenas por necessidade política. Os debates estão para durar como aliás, avisou o ministro Eduardo Cabrita: “Daqui a duas semanas cá estaremos outra vez a renovar o estado de emergência”.

A realização do Congresso do PCP provocou os momentos de maior crispação no debate. O PSD abriu as hostilidades ao dizer que “para uns ditam-se proibições, para outros aceitam-se exceções”. O líder parlamentar Adão Silva lamenta que enquanto “milhões de portugueses bloqueados em casa, umas centenas de militantes comunistas em alegre convívio congressista”. Disse ainda esperar que o Governo não faça nenhuma “habilidade saloia” para legitimar o congresso comunista, algo que seria, no entender do deputado do PSD, o “cúmulo do ridículo”.

O PSD foi mais longe e sugeriu que o Governo só permite algo lesivo para a saúde pública porque “deve a sua sobrevivência política ao partido comunista”. O mesmo fez o CDS, através do líder parlamentar, que disse que se lá fora o populismo é de Trump e Bolsonaro, em Portugal o “movimento negacionista é de esquerda”, numa referência ao congresso do PCP. Telmo Correia partilha da ideia que o governo de Costa só permite o evento comunista porque “o PS precisa deles para aprovar o Orçamento de Estado”. E meteu Marcelo ao barulho, dizendo que tem dado a mão ao Governo nesta matéria.

O PSD não ficou sem resposta e o PCP, através do líder parlamentar João Oliveira, que ripostou ao dzier que ficou “sem saber” se a posição de Adão Silva “corresponde ao pensamento do PSD” ou “se foi mais uma encomenda do Chega que o PSD cumpriu”. Uma provocação devido ao acordo entre o PSD e o Chega nos Açores. O deputado André Ventura, do Chega, também acabaria por atirar ao congresso dos comunistas ao dizer: “Talvez seja melhor o PCP organizar o Natal este ano, porque assim teremos a certeza de que haverá Natal”.

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Quanto ao evento comunista, João Oliveira reiterou que “o congresso vai-se realizar com todas as condições de segurança sanitária dando o exemplo daquilo que defendemos em relação a todas as áreas no país”.

Mas o PCP não ficou sozinho na defesa do Congresso. O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, — que falou em nome do Governo, embora António Costa estivesse presente — saiu em defesa da reunião dos comunistas e também do Presidente da República, que lembrou nada poder fazer para impedir o Congresso do PCP (“é injusta a crítica feita ao Presidente da República). Eduardo Cabrita acusou “a direita e a extrema-direita” de quererem “suspender a democracia”, lembrando que era “noutro tempo” (leia-se, no Estado Novo) que se proibiam eventos políticos ou sindicais. O governante disse mesmo ser “proibido proibir” eventos políticos. Lembrou ainda, apelando à memória comum entre PS e PSD nestas matérias, que a lei do estado de emergência foi esboçada quando Cavaco Silva era primeiro-ministro e Mário Soares Presidente da República.

Cada vez menos apoio no estado de emergência. CDS salta fora

O consenso tem vindo a diminuir progressivamente. No primeiro estado de emergência votaram a favor seis partidos (PS, PSD, BE, PAN, CDS e CH) e ninguém votou contra; no segundo estado de emergência, cinco partidos votaram a favor (PS, PSD, BE, CDS e PAN) e só a IL votou contra; no terceiro estado de emergência voltaram a ser cinco a votar a favor, mas o PCP, IL e Joacine Katar-Moreira votaram mesmo a contra.

No último estado de emergência, aprovado há duas semanas, só três partidos (PS, PSD e CDS) tinham votado a favor, aos quais se juntou a deputada não inscrita Cristina Rodrigues. Desta vez, apenas os dois maiores partidos vão votar favoravelmente ao documento, contando novamente com o voto favorável da deputada não-inscrita Cristina Rodrigues.

O CDS queria conhecer as medidas do governo antes de aprovar o estado de emergência — e não que foi tomadas num posterior Conselho de Ministros — e esse foi um dos motivos que levou os centristas a absterem-se. O Bloco de Esquerda também repetiu pela segunda vez a abstenção e voltou a dedicar parte da intervenção na garantia de que os privados não tentam lucrar com a requisição dos seus serviços. O PEV sugeriu mesmo que os lucros obtidos durante os acordos com o privado em tempo de pandemia sejam nacionalizados e revertam a favor do SNS.