A ministra responsável pela pasta da Igualdade no Governo francês, Elisabeth Moreno, considera que o confinamento devido à Covid-19 mostrou uma “realidade crua” sobre as desigualdades entre os sexos e que foi fator agravante na violência doméstica no país.

“Ainda é cedo para me pronunciar ou fazer projeções [sobre um possível aumento da violência contra as mulheres em França devido à pandemia], mas o que é certo é que o confinamento, devido ao facto de encerrar num local fechado vítima e agressor, constitui um fator agravante da violência doméstica”, afirmou a ministra em entrevista à Agência Lusa.

Elisabeth Moreno é de origem cabo-verdiana e chegou ao Governo francês este verão, após um convite do então recém-designado primeiro-ministro, Jean Castex. Antes da entrada no executivo, Moreno, que se instalou ainda em criança com os pais em França, era vice-presidente e diretora-geral África da empresa Hewlett-Packard.

Entre 2018 e 2019, segundo dados divulgados este mês pelo Ministério do Interior, as queixas por violência doméstica em França aumentaram 16% e 88% das vítimas eram mulheres. Números que não deixam a ministra indiferente.

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“Os números dos feminicídios e da violência doméstica em geral, infelizmente, não decrescem. E essa realidade leva-nos a ir cada vez mais longe. Para 2021, o orçamento para o meu ministério vai ser aumentado em 40%“, disse a ministra, indicando que um dos polos de investimento vai ser o tecido associativo de forma a prevenir a violência contra as mulheres.

Conscientes desta realidade, as autoridades francesas puseram à disposição das vítimas de violência doméstica diversos meios de denúncia e apoio logo no primeiro confinamento.

O número de chamadas recebidas pelo número de emergência para a escuta e orientação das mulheres vítimas de violência multiplicou-se por três. No mesmo período, as intervenções ao domicílio das forças de segurança na esfera familiar aumentaram 42% e as conversas na plataforma travar a violência quadruplicaram”, referiu a ministra.

Elisabeth Moreno sublinhou que a França tem “agido muito” para lutar contra a violência contra as mulheres, nomeadamente em 2019, quando a sua antecessora Marlene Schiappa, agora ministra da Cidadania, lançou um grande debate sobre o tema dando origem a medidas como o reforço do apoio social nas esquadras ou a introdução de pulseira eletrónica para os agressores.

“A França foi também o primeiro país do Mundo a instaurar o crime de insultos sexistas”, acrescentou a ministra.

Para além da violência, o confinamento mostrou “a realidade crua” das desigualdades entre sexos.

“O primeiro período de confinamento mostrou uma realidade crua sobre as desigualdades entre homens e mulheres. As mulheres estiveram na primeira linha. Os trabalhos mais precários e menos valorizados – muitas vezes levados a cabo por mulheres – foram indispensáveis para o bom funcionamento do nosso país neste período de crise”, indicou.

De forma a ultrapassar estas desigualdades, Elisabeth Moreno considera é preciso “fazer evoluir a cultura e as mentalidades”. “As desigualdades em casa agravam a carga mental e têm impacto na vida profissional”, concluiu a governante.

Filha de emigrantes, ministra francesa mantém “laços extremamente profundos” com Cabo Verde

Elisabeth Moreno nasceu em Cabo Verde e considera que este país ainda faz parte de si e que a língua portuguesa é a língua dos seus sonhos.

“Nasci em Cabo Verde, um país com o qual tenho laços extremamente profundos, onde estão as minhas raízes e que faz parte de mim, mesmo de forma inconsciente. França, Cabo Verde, África e Europa fazem parte das minhas identidades”, afirmou Elisabeth Moreno em entrevista à Agência Lusa.

Para a ministra, que chegou a França aos sete anos com os seus pais, viveu num dos bairros mais pobres de Paris e foi na escola pública francesa que encontrou o seu “refúgio”, mas a língua portuguesa continua a fazer parte da sua identidade.

“É a língua da minha infância, dos meus pais e, às vezes, dos meus sonhos. O português é uma língua que faz parte da minha identidade”, sublinhou.

Com um percurso de mais de 30 anos no setor privado onde passou por várias empresas do ramo tecnológico como a Dell, Lenovo e Hewlett-Packard, Elisabeth Moreno aceitou este verão o convite do então recém-designado primeiro-ministro, Jean Castex, para integrar o Governo. Um desafio perante o qual não hesitou.

Sempre me interessei pela ação pública, mas não conhecia de todo o mundo político. Era, pode dizer-se, uma espetadora participativa. Mas a ideia de agir, de servir o meu país e as maravilhosas causas que são os direitos das mulheres, da igualdade de oportunidades e a luta contra a discriminação fez-me dizer sim”, declarou.

Em paralelo com a sua atividade profissional, Elisabeth Moreno desenvolveu uma atividade social intensa não só na comunidade cabo-verdiana, mas também no campo da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres nas empresas e no acesso à educação.

Como ministra, não nega que a existência da discriminação no acesso ao alojamento ou ao trabalho, mas considera que “a promessa republicana francesa de liberdade, emancipação e igualdade não é uma fábula”.

“É uma realidade perfectível – na qual trabalhamos –, mas que funciona”, sublinhou.

Elisabeth Moreno é a única mulher negra no Governo francês e, em resposta à Lusa, considera que isso lhe dá “uma responsabilidade suplementar”.

Mesmo que vivamos numa ‘França plural’, as pessoas que vêm de origens diferentes estão ainda insuficientemente representadas na política […]. Esta realidade reforça desde logo a exigência para comigo mesma, já que tenho consciência da maneira como sou vista e as expectativas que posso suscitar”, considerou.

No entanto, a ministra garante que a cor da sua pele “não é um horizonte inultrapassável” e que a República francesa vê apenas cidadãos.

“A República francesa transcende origens étnicas e sociais, orientações sexuais e credos. Ela vê em nós apenas cidadãos. Este é, a meu ver, o melhor caminho para a emancipação e para a igualdade. A minha cor de pele não é nem uma qualidade, nem um defeito, é um atributo”, concluiu.