O momento nacional é delicado em matéria de respeito pelos direitos humanos, mas o caso mais falado da última semana — o do homicídio de um imigrante às mãos de responsáveis de uma entidade pública — não esteve em nenhuma linha das comemorações do 75.º Aniversário da Organização das Nações Unidas e dos 65 Anos da Adesão de Portugal à organização guardiã da declaração universal de direitos humanos. O Presidente da República e o secretário-geral da ONU centraram-se no muito que falta fazer numa instituição “obsoleta e imperfeita” (nas palavras de Marcelo) e no meio de “cooperação muito insatisfatória” entre os Estados (nas palavras de António Guterres). Palavras duras, mas para fora.

Numa cerimónia gravada em vídeo, esta tarde no salão nobre da Assembleia da República, o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi até elogioso para a ação portuguesa em matéria de migrações, referindo como “bom exemplo” neste tempo de pandemia “a extensão dos cuidados de saúde a migrantes e refugiados”. O antigo primeiro-ministro português acrescentou logo de seguida que o país é uma exceção à regra, já que “a colaboração e solidariedade entre estados não tem estado ao nível do que a circunstância exige”. “No quadro global, a cooperação é muito insatisfatória“, queixou-se Guterres.

E teve em Marcelo Rebelo de Sousa um apoiante nestas críticas genéricas, com o Presidente da República a falar mesmo, nesta sessão comemorativa da ONU, em como a instituição é “imperfeita e em parte obsoleta, mas essencial e insubstituível”.

Marcelo tem “renovada esperança” neste momento, mas diz que alguns dos desígnios de Guterres, em matéria de direitos humanos, “já deviam ser realidade, não fora o tempo perdido pelos anos recentes e pelo revisitar de egoísmos e solipsimos de outras eras“. Agravado pela pandemia — e ambos voltam a estar de acordo –, com Guterres a admitir que os “tempos conturbados” atuais “vieram agravar o contexto de tensões geopolíticas, as ameaças climáticas, a globalização, a utilização mal intencionada de novas tecnologias e também expôs fragilidade e interdependência”.

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Já o Presidente da República diz que a “experiência desta pandemia” no início “foi tudo menos o que devia ter sido: dissimulação, fechamento, atraso na cooperação, luta selvática pelos meios mais diversos, dificuldade em fazer vingar critérios e linhas orientadoras comuns. Recusa muito infelizmente efetiva do que nos deveria unir”, referiu na sua declaração.

Cá fora passou depressa pelos jornalistas, evitando responder a mais perguntas, numa semana em que se mostrou especialmente interventivo em matéria de Administração Interna, precisamente a propósito do caso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sobre a robustez do ministro da tutela e sobre ainda a reforma que o Governo está a preparar para o organismo. Recorde-se que ainda ontem deu palco em Belém ao diretor nacional da PSP, que foi lá que fez uma declaração aos jornalistas, decidida à última hora e já depois da reunião com o Presidente, sobre o que gostaria de ver nessa reforma (a polícia única). Uma ação que — mais uma vez — deixou o ministro Eduardo Cabrita incomodado.

Cabrita critica diretor da PSP e diz que não é “um diretor de Polícia” que anuncia reforma do SEF

Da parte do Governo, na cerimónia comemorativa da ONU, apresentada pelo presidente da Assembleia da República, esteve o ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas Augusto Santos Silva preferiu centrar a sua intervenção na cronologia da participação de Portugal nos vários momentos da ONU, incluindo aquele em que o país adotou a declaração universal dos direitos humanos, em 1978.