O número de urgências nos hospitais públicos caiu 35% de março a setembro, face ao período homólogo, com menos 1,3 milhões de atendimentos, e a queda maior foi na pediatria (-57%), segundo um estudo esta terça-feira apresentado.

O trabalho, desenvolvido pela multinacional espanhola IASIST e que resultou num artigo a publicar na edição deste mês da revista da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), indica que os meses de abril (-51%) e maio (-43%) foram aqueles em que se registou uma diminuição mais acentuada no número de urgências.

A quebra nestes dois meses teve especial peso na urgência pediátrica, com -77% e -72%, respetivamente. Entre março e setembro deste ano, a urgência que menos caiu nos atendimentos foi a de psiquiatria (-20%).

Olhando para a urgência que representa maior volume de casos — a urgência geral – a quebra da procura foi de 30%, ou seja, menos 822 mil observações do que no ano anterior.

O estudo indica ainda que o perfil de procura das urgências de acordo com a triagem de Manchester — que atribui cores consoante a gravidade — não se alterou.

“Podíamos pensar que com a redução da ida às urgências só iria quem precisasse mesmo e as chamadas falsas urgências desapareciam. Mas isso não aconteceu“, explicou à Lusa Manuel Delgado, da IASIST.

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O responsável, que foi secretário de Estado da Saúde, sublinhou que a redução de 35% em média nos episódios de urgência se deveu ao medo dos doentes em serem contaminados com Covid-19.

Manuel Delgado, que assina, em coautoria, o estudo/artigo que será publicado na revista APAH, diz que a decisão de fechar a atividade assistencial não urgente “foi excessiva”, mas sublinha: “Temos de ter alguma compreensão para isso. Não se sabia qual era a carga que a Covid ia provocar na pressão hospitalar”.

“A exemplo do que tinha acontecido em Itália e Espanha, esperava-se uma maior carga na primeira vaga e isso não ocorreu”, acrescentou.

Os dados deste estudo indicam que as taxas de ocupação das camas dos hospitais públicos apresentaram em 2020 valores médios mensais que variaram entre 57% (abril) e 70% (julho), enquanto no ano anterior, e para os mesmos meses, os valores rondaram os 80%.

“Como nestas taxas estão já incluídos os doentes Covid, fica clara a acentuada diminuição dos níveis de resposta dos nossos hospitais e o elevado incremento dos custos fixos por doente tratado”, referem os autores.

Houve menos cerca de 72 mil altas, o que representa menos 23% face ao período homólogo do ano anterior. A área cirúrgica foi responsável por 60% da diminuição das altas, com especial destaque para os meses de abril (-48%) e maio (-35%) e as maiores quebras registaram-se nos Hospitais do Grupo E (Hospitais Centrais), com uma redução de 29% do internamento.

Com a interrupção da atividade não urgente por causa da pandemia, as intervenções cirúrgicas baixaram e as de regime ambulatório foram as que caíram mais (-34%), o que os especialistas consideram que “surpreende face ao circuito específico desses doentes e à dispensa de internamento”.

“Suspeita-se que, com a reorganização estrutural para fazer face aos casos de Covid, os profissionais de saúde afetos ao ambulatório, nomeadamente enfermeiros e médicos (anestesistas), tenham sido realocados, o que, consequentemente, influenciou a atividade de cirurgia de ambulatório”, escrevem.

As consultas médicas caíram 14% na comparação homóloga entre março e setembro, o que se traduziu em menos um milhão de consultas realizadas. O impacto nas primeiras consultas (-23%) foi superior ao verificado nas consultas subsequentes (-11%), o que permite concluir que “foram mais prejudicados doentes ainda sem confirmação diagnóstica e, assim, sem terapêutica instituída”, refere o artigo.

Em declarações à Lusa, Manuel Delgado sublinha que os hospitais, quando perceberam que a pressão da primeira vaga da pandemia não era tão forte como se esperava, deviam ter sido mais rápidos a retomar a atividade que tinha sido suspensa.

O problema é que os hospitais fecharam portas e não tiveram a destreza para as reabrir imediatamente a seguir. Por volta de final de abril, meados de maio, já se tinha percebido que a pressão não ia ser assim tanta e devia ter-se retomado logo a atividade. Isso só começou a ser feito timidamente em junho e arrastamos até agora”, afirmou.

No estudo, os especialistas assinalam pela positiva, “o bom comportamento dos hospitais do Cluster F (IPO) e do Cluster P (psiquiátricos)” no que respeita às segundas consultas, com “um aumento que indicia que esses doentes mantiveram o acompanhamento clínico necessário”.

Para este trabalho foram utilizados os dados disponibilizados pela ACSS através do Portal da Transparência, comparando a atividade hospitalar dos meses de março a setembro dos anos de 2019 e 2020, assim como dados de um inquérito feito aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.

Pressão de internamentos maior em hospitais mais pequenos

A pandemia de Covid-19 tem exigido mais em internamentos aos hospitais mais pequenos, que apresentam uma média diária/mês de doentes internados proporcionalmente maior em relação a unidades de grande dimensão, segundo um estudo esta terça-feira divulgado.

Os dados, a que a Lusa teve acesso, indicam que o número médio de doentes Covid-19 internados entre abril e outubro em hospitais com capacidade para 300 camas é de 42 doentes/dia/mês, enquanto o dos hospitais com 800 ou mais camas é de 45.

O estudo foi realizado pela multinacional espanhola IASIST para analisar o impacto da Covid-19 nas principais linhas de atividade hospitalar e recorreu a dados disponibilizados pela ACSS através do Portal da Transparência, assim como a um inquérito aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.

Os números indicam que ronda os 85% a taxa de ocupação diária destes doentes nas unidades de cuidados intensivos (UCI) e que 17% dos doentes covid-19 internados nas unidades hospitalares precisam destes cuidados especializados.

Mostram ainda que 65% dos doentes admitidos em UCI são ventilados e lembram que alguns hospitais, como aconteceu no Norte do país, nalguns períodos de tempo, tiveram lotação de internamento esgotada.

A suspensão da atividade assistencial não urgente, que fez com que houvesse entre março e setembro menos um milhão de consultas médicas, afetou sobretudo as primeiras consultas (-23%), quando o doente ainda não tem a confirmação do diagnóstico. Nas consultas subsequentes a redução foi de 11%.

A pandemia não só obrigou ao cancelamento de consultas e cirurgias, mas fez com que os doentes, por medo de serem contaminados quando a atividade começou a retomar, faltassem.

Os dados a que a Lusa teve acesso indicam que, nas primeiras consultas, a taxa de absentismo foi de 15% a cardiologia e pediatria e 35% em oncologia. Já o cancelamento atingiu os 25% em neurologia e os 34% em psiquiatria.

Nas consultas subsequentes, as taxas de absentismo fixaram-se em 30% na pediatria e psiquiatria, quanto a taxa de cancelamento atingiu os 10% em cardiologia e neurologia.

O estudo indica que entre março e setembro houve menos 116.265 cirurgias (-30%). A quebra mais elevada registou-se nas cirurgias de ambulatório (-34%), seguidas das cirurgias programadas (-31%), convencionais (-27%) e urgentes (-13%). O mês de abril foi o que registou a maior quebra em todas estas categorias.

Outra das categorias analisadas neste estudo foi a dos transplantes, com uma redução a todos os níveis entre abril e junho. Segundo os dados divulgados, houve menos 44% de transplantes de coração (menos quatro), menos 57% de rim (menos 75 doentes transplantados), menos 37% de fígado (menos 24) e menos 14% de pulmão (menos dois).

Tendo em conta a pandemia que afetou o 2º trimestre do ano, a exceção à regra foram os transplantes do pâncreas, mantendo-se entre abril e junho deste ano os seis transplantes feitos no período homólogo.

Os dados apontam para um “aumento generalizado” de 7% do número de profissionais em todas as profissões da área da saúde entre março e setembro.

No mesmo período, segundo o estudo, os profissionais de saúde faltaram mais ao trabalho (+685.709 dias de ausência, +32%), sobretudo por razões de doença (+55%). Por outro lado, houve menos ausências para assistência a familiares (-11%).