Numa noite fria, com temperaturas baixas, os termómetros no debate entre João Ferreira e Ana Gomes também não entusiasmaram plateias. Isto, claro, se alguém desistiu de acompanhar a troca de ideias entre os candidatos presidenciais de esquerda à Presidência da República antes dos últimos cinco minutos. Num debate, na verdadeira aceção da palavra, que teve pouco mais de cinco minutos e serviu para deixar claro o que é que distingue as duas candidaturas: a União Europeia.

João Ferreira, ainda eurodeputado, e Ana Gomes (antiga eurodeputada), coabitaram em simultâneo em Bruxelas e Estrasburgo, mas a visão que têm sobre ela é bem diferente. E, numa altura em que a recuperação económica do país — pós-pandemia — depende em grande parte da ‘bazuca’ da União Europeia, João Ferreira teve dificuldade em responder ao que seria de Portugal sem esses apoios. Na reta final lá clarificou: “O que eu não aceito é que seja a Alemanha a determinar aspetos fundamentais da nossa política económica. Não me conformo que o nosso Orçamento do Estado, por via de legislação que Ana Gomes aprovou no Parlamento Europeu, antes de chegar à Assembleia da República tenha que ir ao carimbo de Bruxelas”.

João Ferreira não teve tempo para explicar que alternativa teria Portugal caso saísse da moeda única, mas rejeitou a ideia de querer abandonar a União Europeia. Na resposta Ana Gomes não podia ser mais clara. Afirmou-se como “profundamente europeísta” e atirou a João Ferreira aquilo que o eurodeputado votou contra ao longo dos últimos meses: “O imposto europeu sobre as multinacionais digitais; o relatório sobre as questões fiscais no escândalo LuxLeaks e a proposta para as multinacionais dizerem o que têm de pagar de impostos em cada país”.

O candidato apoiado pelo PCP ainda tentou falar das sanções europeias aprovadas por Ana Gomes e que acabaram por ter impacto também em Portugal, mas o tempo já estava esgotado e os microfones a meio-gás. Tivesse o debate começado pela parte europeia e a história deste confronto à esquerda podia ser outra.

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E o que aconteceu nos restantes 25 minutos? Ana Gomes começou por dizer que “está sempre disponível para convergências à esquerda”, mas João Ferreira respondeu que não encontrava nas outras candidaturas aquilo que a sua tinha. Desistir da corrida para apoiar outro candidato é, para já, um não cenário. Mas Ana Gomes ambiciona uma segunda volta e não o escondeu: “Penso que posso chegar à segunda volta e aí tudo é possível”. Para isso, acredita, será essencial que os “jovens assumam o controlo do país”. “Não vimos aqui brincar às eleições nem para marcar território. Penso que posso chegar à segunda volta e aí tudo é possível se houver uma convergência progressista”, disse ainda a socialista que concorre sem o apoio oficial do seu partido.

Num tom inicial que passou de frio a um-pouco-menos-frio, Ana Gomes ainda teve um momento de “tributo” ao PCP. Interrompida por João Ferreira — que a confrontava com erros passados de governos socialistas—, Ana Gomes respondeu: “Não tenho problema nenhum em prestar tributo ao PCP pelo papel positivo que teve na viabilização dos orçamentos desde 2015 e neste último Orçamento com aumento das pensões, proteção de desempregados e aumento do salário mínimo”.

Quando questionada sobre o valor da estabilidade política, Ana Gomes afirmou que “é importante, mas não é só por si o que conta”, defendendo um Presidente que fala mais na magistratura de influência. E, aqui, novamente pontos de contacto com João Ferreira: reforço dos meios na justiça e ser “contra a banalização do estado de emergência”. Ana Gomes afirma que pediria à Assembleia da República uma “lei de proteção sanitária” e que, no caso do ministro da Administração Interna não seria possível “tolerar” o episódio entre o Diretor da PSP, Magina da Silva, e Eduardo Cabrita. Na réplica à intervenção da candidata João Ferreira preferiu enumerar alguns dos vetos de Marcelo que “jamais faria”.

“Não teria promulgado alterações à legislação laboral que desorganizaram a vida de muitos trabalhadores e deixaram os jovens perante uma situação de maior vulnerabilidade; Não teria vetado uma lei que permitia a determinados inquilinos exercer um direito de preferência; Não teria criado dificuldades a que nas Áreas Metropolitanas se consagrasse definitivamente o caráter público dos transportes públicos”, apontou João Ferreira sem esquecer o veto de Marcelo ao “apoio que a Assembleia da República aprovou para os sócios-gerentes” de micro, pequenas e médias empresas durante a crise sanitária e económica.