André Ventura já fez de tudo nesta campanha: levantou suspeições sobre o processo eleitoral — dizendo que quer os votos “bem contados” e acrescentando “não brinquem com a democracia” — e lançou lama sobre quase toda a gente. Jerónimo de Sousa parece, diz Ventura, um “avô bêbado”. A Ana Gomes, a quem chamara no passado “candidata cigana”, falta pouco para ser “contrabandista”. João Ferreira parece um “operário beto”. Marcelo Rebelo de Sousa parecia “um fantasma” no debate da RTP. E Marisa Matias tem “os lábios muito vermelhos”.

Sem o nomear diretamente, o candidato presidencial apoiado pela Iniciativa Liberal, Tiago Mayan, desfere o primeiro ataque a Ventura das ações de campanha pós-debates. Em nota publicada nas suas contas oficiais nas redes sociais, o político critica o “tom e estilo de campanha de baixo nível a que temos assistido e que já tinha sido tentado em alguns debates entre candidatos”:

A maioria dos portugueses não quer uma campanha agressiva, carregada de acusações, insinuações e insultos. A história já demonstrou que o extremar de posições e o discurso político baseado em ataques pessoais sem conteúdo nunca traz bons resultados”, escreve ainda Mayan.

Traçando uma linha distintiva entre o debate político e ideológico e as ofensas e insultos, Tiago Mayan Gonçalves nota que os candidatos à Presidência da República devem “apresentar” as suas propostas para o país “de forma cordata e serena”. O discurso ofensivo, diz ainda, “é prejudicial para essa desejável troca de ideias e para que os portugueses entendam verdadeiramente o que nos diferencia”.

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O candidato volta a vincar que é “liberal” e que não se revê “em muitas posições” dos seus adversários, mas é no plano das ideias para o país — e não no plano pessoal e insultuoso — que o debate deve acontecer: “Entendo que o pluralismo de opiniões é absolutamente essencial numa democracia”.

⏩ Não me revejo no tom e estilo de campanha de baixo nível a que temos assistido e que já tinha sido tentado em alguns…

Posted by Tiago Mayan – Presidenciais 2021 on Friday, January 15, 2021

A última frase publicada por Tiago Mayan Gonçalves é uma declaração de compromisso com a luta política contra frentes autoritárias e de defesa de valores como o respeito pelo adversário no debate político. Mas não só. Escreveu o candidato da Iniciativa Liberal: “Tudo farei para que o populismo e o extremismo sucumbam à moderação e à boa-educação e para que o ódio e o ressentimento sejam derrotados pela construção de soluções positivas para a vida dos portugueses”.

Proibir o Chega? Ilegalizar? Nada disso. “É preciso fazer a confrontação”

Algumas horas depois da mensagem deixada nas redes sociais, Tiago Mayan Gonçalves voltaria a falar do Chega de André Ventura — desta feita, em resposta a estudantes de direito da Universidade Católica Portuguesa (polo de Lisboa) que organizaram uma conversa-entrevista por Zoom com o candidato. Aí notou a “deriva autoritária” e o “vazio de propostas”, as soluções que visam “a opressão do indivíduo e do Estado de direito, a opressão dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.

Há ainda assim um problema e o candidato presidencial apoiado pela Iniciativa Liberal seria confrontado com ele: porque é que estes extremismos crescem e se tornam apelativos para os eleitores? “Há uma responsabilidade partilhada de todos os intervenientes na vida política. Alguma coisa está a falhar para as pessoas sentirem que chegaram a um ponto de desespero ou de revolta que os leva a sentirem-se seduzidos por visões mais radicais”.

O que tentarei fazer é sempre demonstrar olhos nos olhos [o vazio de propostas do Chega]. Não é proibindo e ilegalizando [que se resolve], é estando em frente a essas propostas e mostrando os vazios de propostas de valor, as totais incongruências entre o que se proclama e os efeitos das propostas que fazem. É fazendo essa denúncia e essa confrontação, penso que é a única via. Tem de ser olhos nos olhos e com uma visão clara de alternativa que também tem falhado muitas vezes”, notou.

O debate com forças extremistas deve ser “aberto, franco e direto” para que os eleitores possam ver, além do “vazio de propostas”, o que estas forças “representam em termos de opressão do indivíduo, do Estado de direito, das liberdades e garantias das pessoas”, apontou ainda Mayan. Mas a ascensão de movimentos populistas e autoritários deve-se igualmente a “décadas de contínua estagnação a nível económico”, ao “estado de podridão do sistema político” e ao “estado de bloqueio do país em inúmeros aspectos”, defendeu ainda o candidato presidencial.

Ataque ao Presidente: “A versão de Marcelo sobre a PGR vai mudando”

André Ventura, porém, não foi o único candidato presidencial a quem Tiago Mayan Gonçalves deixou críticas.  Sobre João Ferreira, lembrou que “o comunismo preconiza uma ditadura, a ditadura da classe operária”. De Ana Gomes, voltou a dizer que “vê mal ao perto” por causa de José Sócrates. E à socialista e aos restantes candidatos, apontou uma mesma crítica: veem os problemas (a corrupção), que são apenas os sintomas de uma doença, mas não sabem identificar a causa: para Mayan, a culpa é da burocratização e da dimensão do Estado, que facilitam a corrupção.

Foi porém nos comentários sobre Marcelo Rebelo de Sousa que o candidato da Iniciativa Liberal mais se alongou na conversa-entrevista por Zoom. Deixou desde logo críticas quanto aos processos de não recondução do anterior presidente do Tribunal de Contas, Vítor Caldeira, e da anterior Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal — além de reiterar a garantia de que teria vetado a “lei relativa às eleições para as CCDR”, que considera um “simulacro de democracia” e “uma negociação entre PSD e PS, o centrão de interesses”, e que Marcelo legitimou promulgando, dando a entidades que considera que ficaram indevidamente enquadradas “grandes responsabilidades na gestão dos fundos europeus, não é de somenos”.

Sobre a PGR, já ouvimos de Marcelo Rebelo de Sousa várias versões. No debate disse que a Procuradora [Joana Marques Vidal] é que tinha dito que não preconizava a renovação. Quando já tinha dito antes que tinha sido ele e antes mesmo disso que tinha sido [por decisão de] António Costa. A versão vai mudando”, apontou.

Notando que Joana Marques Vidal “estava no primeiro mandato e poderia ponderar ir para o segundo, não estava perpetuada no cargo” — uma nota relevante dado que o partido de Mayan, a Iniciativa Liberal, defende veementemeente a limitação de mandatos e a renovação nos cargos públicos —, o candidato presidencial recordou que a PGR passava por “um contexto muito difícil, com muitos processos complexos” e que Marques Vidal “tinha o elogio unânime de todos os operadores da justiça, do próprio Presidente da República, do próprio Governo”. Assim sendo, “o normal seria a recondução” mas “à última hora” invocou-se o “argumento — que não está na lei — que esses mandatos não se renovam”.

Com o anterior presidente do Tribunal de Contas “foi igual”, defendeu o candidato, que lembrou ainda que António Costa já tinha feito parte de um Governo “que achou muito bem renovar mandato de um então titular do Tribunal de Contas” — o que sugere que “parece mudar de opinião sobre essa questão da renovação, é estranho”. Acresce que, para complicar tudo, “o presidente cessante [Vítor Caldeira] tinha pouco tempo antes falado numa lei de contratação pública considerando-a campo aberto para haver mais corrupção. Diria que é connect the dots [as coisas estão ligadas], como se diz”.

A Marcelo Rebelo de Sousa e ao Governo, Tiago Mayan Gonçalves imputa também a responsabilidade de “uma lei de bases da saúde que mantém um grande preconceito ideológico quanto ao [não] enquadramento de um sistema verdadeiramente integrado de saúde, com público e privado”. Mas não só: falou ainda na “alteração ocorrida na lei eleitoral autárquica” e em “alterações várias no contexto da contratação pública que criaram aberto para a possibilidade de compadrios e de controlo do Estado”, promulgadas pelo PR. “E isto foi só este ano… já estão aqui alguns exemplos” de leis que teria vetado se fosse Presidente.

Contra a delação premiada. E ainda e sempre a “nova estratégia” para a Covid

Questionado pelos dois moderadores da conversa por Zoom sobre se era favorável à delação premiada como instrumento judicial, o candidato-advogado portuense respondeu “não”, pelo menos “nos contextos” em que tem sido apresentada. E explicou porquê: “Apesar de achar muito importante criar mecanismos de facilitação no processo de corrupção, a delação premiada tal como é concebida [normalmente] pode abrir caminho não só à desresponsabilização de alguém que praticou crimes mas também à disfunção do processo investigatório”.

Sou favorável ao cenário de whistleblowing, de [denúncia de] alguém que não está a praticar crimes mas está inserido na estrutura de organização e dá conta de problemas”, acrescentou Tiago Mayan Gonçalves.

Outro dos temas inevitavelmente em debate na sessão por Zoom — como em todos os restantes dias da campanha — foi a evolução da Covid-19 em Portugal. Tiago Mayan Gonçalves reconheceu que “estamos neste ponto e alguma coisa tem de ser feita”, mas defendeu que “pelo menos desde abril muita coisa poderia ter sido feita e não foi”. Exemplos? “O uso integrado de toda a oferta de saúde em Portugal para dar resposta a problemas de saúde Covid e não Covid. O foco na testagem e o não se perder de vista as cadeias de contágio. Este Governo falhou em toda a linha nesse aspeto”.

O candidato à Presidência da República apoiado pela Iniciativa Liberal vai, porém, mais longe. Esta sexta-feira, voltou a defender uma estratégia mais focada “nos grupos de risco”, nos “mais vulneráveis”, que “já sabemos quais são”. São esses que “efetivamente correm perigo de vida quando enfrentam a doença”, que “enfrentam perigo sério de fatalidade”, pelo que Tiago Mayan Gonçalves considera necessárias “medidas mais cirúrgicas e direcionadas a estas populações, a estes grupos”. Medidas que “não cobrissem a população toda em geral, o que permitiria mitigar o efeito destrutivo de todas estas medidas de confinamento — algumas contraproducentes, como concentrar pessoas às compras em meios fins-de-semana”.

O recolher obrigatório às 13h nos fins-de-semana “não só não trouxe nenhum efeito [benéfico] no combate à pandemia” como “até terá sido fator de risco para aumento de contágios”, apontou o candidato, que falou ainda das eleições em contexto pandémico: “Está a ser uma trapalhada em muitos aspetos. Isso vai-se sentir na participação dos eleitores. Não podemos preconizar rasgar as leis e a Constituição não realizando as eleições, mas é desconfortável pensar no que poderia ter sido feito — tanta coisa. Mas infelizmente já chegámos a um ponto em que nada mais pode ser feito”.

O artigo foi atualizado ao longo do dia