A série “All Or Nothing: Manchester City” permite ter um olhar muito abrangente e pormenorizado sobre a forma como Pep Guardiola revolucionou o futebol do clube inglês. Com incidência na temporada 2017/18, a primeira em que o espanhol conquistou a Premier League, os longos episódios deixam entender a maneira como Guardiola mudou uma equipa, a maneira como Guardiola colocou uma equipa a sofrer com as derrotas, a vibrar com as vitórias e a jogar como uma família. De lá para cá, o City também foi campeão no ano seguinte mas falhou o título na época passada, abrindo espaço para a conquista do Liverpool. E, nesse processo, algo se perdeu.
Além de continuar a falhar a vitória na Liga dos Campeões, que é ainda um objetivo do clube, o Manchester City deixou escapar a Premier League na época passada, deixou escapar a Taça de Inglaterra e ficou apenas com a Taça da Liga. No início desta temporada, os resultados irregulares — que incluíram uma goleada em casa, por 2-5, sofrida contra o Leicester — voltaram a confirmar que o City tinha perdido alguma identidade. Que jogadores que outrora tinham sido cruciais, como Bernardo Silva, estavam apagados; que o rolo compressor, que outrora anulava praticamente todos os adversários com vários golos, estava enferrujado; e que a capacidade de Guardiola reagir a um resultado negativo, que outrora tinha conquistado vitórias, estava abaixo do normal.
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Nas últimas semanas, porém, o Manchester City recuperou o fôlego. Rúben Dias e John Stones formam agora uma dupla impressionante no centro da defesa, João Cancelo é agora um elemento importante no movimento ofensivo da equipa, Gündoğan está agora num momento de forma assinalável e os jovens Ferrán Torres e Phil Foden têm cada vez mais influência nos jogos. Os citizens chegavam este sábado à receção ao Sheffield United no topo da Premier League, com sete vitórias nas últimas sete jornadas e totalmente invictos há 18 jogos para todas as competições. O que é que mudou? Guardiola decidiu ir ao passado inspirar-se para mudar o futuro.
“Não estava a gostar da forma como jogávamos e tivemos de voltar ao que fazíamos nas temporadas anteriores, com os extremos mais abertos e colocados na profundidade. Voltámos aos nossos primeiros princípios. O resto foi a qualidade dos jogadores a falar por si. Devido a muitas razões, no início da época tivemos de adaptar o modelo de jogo mas percebi que, com os extremos colocados desta forma, somos mais equilibrados e temos mais controlo do jogo. Tendo mais bola, corremos menos”, disse o treinador espanhol na conferência de imprensa de antevisão, ressalvando depois, numa entrevista ao site oficial do clube, que tem a “sensação” de que a equipa está mesmo a melhorar. “Estamos mais confortáveis. Controlamos mais aspetos do que em alguns jogos no início da temporada, quando os jogadores não estavam em forma ou tiveram Covid. Estamos de volta e a melhorar, mas o futebol está sempre mudando, então não podemos achar que acabou. O futebol são pequenos detalhes que podem ser destruídos. Não podemos desapontar-nos quando os resultados não forem bons porque a situação é estranha. E quando correm bem, temos que ter calma e pensar no próximo jogo”, explicou Guardiola, que estava finalmente no caminho certo para ganhar a Premier League pela terceira vez desde que chegou a Inglaterra.
Este sábado, o adversário era então o Sheffield United — que está enterrado na última posição da tabela, com apenas duas vitórias em 20 jornadas, mas que a meio da semana surpreendeu e venceu o Manchester United em Old Trafford. Na liderança da classificação com mais um ponto do que os red devils, o City tinha então a possibilidade de abrir quatro pontos de vantagem (sendo que o United jogava mais tarde, ainda este sábado, e que o City tem um jogo em atraso). No Etihad, Guardiola poupava João Cancelo, que tem sido sempre titular, e lançava Kyle Walker na direita da defesa. Stones, Mahrez e Sterling também descansavam e Laporte, Torres e Foden saltavam para o onze, sendo que Bernardo e Rúben Dias mantinham a titularidade. No meio-campo, Fernandinho voltava a render De Bruyne, que sofreu uma lesão muscular na semana passada contra o Aston Villa.
Tal como tinha acontecido na última jornada, que acabou com uma goleada ao West Bromwich, o Manchester City não precisou de dez minutos para inaugurar o marcador. Ferrán Torres aproveitou um ressalto na direita para avançar no corredor, chegou a estar sentado no chão mas conseguiu ganhar a disputa na insistência e ainda tirou dois adversários da frente antes de fazer a assistência. Na pequena área, Gabriel Jesus não recebeu da melhor maneira, teve de dar um passo atrás mas teve tempo e espaço para se reorganizar e rematar para dentro da baliza (9′). Apesar de um arranque a meio gás, sem grande velocidade nem intensidade, o City aproveitava a eficácia absoluta para chegar ao intervalo a ganhar sem grandes sobressaltos, dominando a partida com posse de bola e praticamente sem sair do meio-campo adversário. O Sheffield, do outro lado, fez apenas um remate, já depois da meia-hora e direitinho para as mãos de Ederson (35′).
Na segunda parte, a lógica pouco se alterou. O Manchester City não estava a asfixiar nem tinha enormes oportunidades de golo, mas resguardava a posse de bola suficiente para manter o Sheffield completamente encerrado no próprio meio-campo. A equipa de Guardiola trocava a bola tranquilamente nas imediações da grande área, avançava quando descobria espaços e era especialmente perigosa através de cruzamentos a partir das alas, mas não precisava de enorme intensidade para manter a vantagem. Do outro lado, o Sheffield fez o segundo remate na partida à passagem da hora de jogo, um pontapé de fora de área que passou muito por cima (61′), e o relógio continuava a rodar sem que o marcador fosse ameaçado. Phil Foden ainda protagonizou um susto para Guardiola, com uma colisão que o deixou com marcas no rosto, mas recuperou; o treinador do Sheffield, Chris Wilder, mexeu pela primeira vez antes dos 20 minutos da segunda parte, trocando de avançado.
O Manchester City podia ter acabado com o jogo em dois lances consecutivos, primeiro com um remate de Zinchenko que o guarda-redes Ramsdale segurou — e que foi também o primeiro remate enquadrado da segunda parte — e depois com um cabeceamento por cima de Laporte. A equipa de Guardiola não conseguia chegar ao segundo golo da tranquilidade, apesar de ter as ocorrências aparentemente controladas, e o Sheffield começava a acreditar que um lance isolado poderia valer um ponto no Etihad. A cerca de um quarto de hora do final, Chris Wilder fez uma dupla substituição e tirou um defesa para lançar um avançado e o jogo partiu ligeiramente, com o City a sentir a pressão da vantagem mínima. A melhor chance do Sheffield apareceu já nos instantes finais, com um remate ao lado de John Fleck (86′), e Guardiola só mexeu mesmo em cima dos 90 minutos, ao trocar Torres por Rodri.
Jesus has never lost a #PL match when he's scored (W35 D1)
Will he extend that run against Sheff Utd?#MCISHU pic.twitter.com/hGX6PVJPlC
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No fim, porém, os citizens conseguiram mesmo garantir a vitória, a oitava jornada seguida a ganhar, a manutenção da liderança da Premier League e os provisórios quatro pontos de distância para o Manchester United, num jogo onde Bernardo Silva foi considerado o melhor em campo. Guardiola explicou durante a semana que teve de puxar o filme atrás para recuperar a identidade do Manchester City, preparar o presidente e desenhar o futuro. Mas a verdade é que o anjo da guarda do clube continua a ser Gabriel Jesus, já que o City nunca perdeu um jogo da Premier League em que o avançado brasileiro tenha marcado.