Os números da pandemia em Portugal têm gerado uma preocupação acrescida nos últimos tempos, sobretudo no que diz respeito aos limites dos hospitais, que todos os dias tentam aguentar a pressão. A equipa de David Rodrigues, médico e responsável de conteúdos da startup UpHill, encontrou uma forma ajudar os profissionais de saúde que estão no terreno na altura da tomada de decisões. A startup desenvolve algoritmos interativos que recriam toda a jornada do doente, permitindo aos médicos saber qual a melhor decisão a tomar, de acordo com o percurso e condições do utente e com todo o conteúdo científico existente. Em altura de pandemia, há algoritmos específicos para a Covid-19 e para ajudar os médicos deslocados dos seus serviços.
“Desenvolvemos algoritmos que normalmente têm o tópico de uma doença em concreto, em que abordamos várias fases de abordagem, desde o diagnóstico às decisões de exames que devem ser requeridos ao doentes. Depois de estabelecido este diagnóstico, damos opções de recomendações de estilo de vida, mas também recomendações mais relacionadas com os fármacos ou com intervenções que devem ser levadas a cabo pelo doente”, explica David Rodrigues ao Observador.
Estes algoritmos são sempre baseados em guidelines (critérios) internacionais. E é em função desses critérios que a informação é simplificada através da app ou do próprio site da UpHill. Utilizando como exemplo o caso de doentes que precisam de ventilação, a UpHill desenvolveu um algoritmo que permite aos médicos saberem que tipo de ventilação aplicar, que tratamento devem definir e os passos a dar, de acordo com os critérios científicos internacionais e com as condições do paciente. O objetivo é simplificar o trabalho dos profissionais de saúde no terreno, permitindo um acesso mais rápido e intuitivo à informação científica existente.
Em função de alguns dados de análise e indicadores de oxigénio, por exemplo, está determinado por guidelines de várias instituições que devem receber diferentes tipos de ventilação. Aquilo que nós fazemos é simplificar esta informação toda. Se o doente cumpre determinados critérios, vai para determinado tipo de intervenção. Se o doente está mais grave, deve avançar para outro tipo de intervenção. E depois recuperamos esta informação e perguntamos, uma hora depois, se o doente está melhor. E a partir daí recomendamos o tipo de ventilação”, explica o responsável pelos conteúdos médicos.
Nos últimos meses, a UpHill dedicou-se a conteúdos relacionados com a Covid-19, desde o diagnóstico ao tratamento e também às decisões em contexto de urgência, uma vez que os hospitais estão próximos do limite e há médicos a serem deslocados do seu serviço para responderem a todas as necessidades. Atualmente, a prioridade está precisamente nos médicos no terreno que foram deslocados da sua especialidade para um ambiente de urgência, onde têm de lidar com problemas e decisões a que não estão habituados no dia-a-dia.
“Temos noção de que há muitos colegas médicos e enfermeiros que estão a ser deslocados dos seus lugares e decisões habituais e estão a ser colocados num contexto de medicina de Urgência, com decisões que habitualmente não têm de tomar. E, com isto em mente, o nosso objetivo foi ajudar a validar essas decisões num contexto de urgência, fornecendo uma série de escalas e de algoritmos de decisão rápida para ajudar os doentes no contexto de urgência, na assistência a doentes Covid-19, porque são os doentes que estão agora a encher as nossas urgências e os cuidados intensivos”, explica David Rodrigues.
Por outras palavras, através destes algoritmos os profissionais de saúde que estão nas urgências conseguem aceder mais facilmente a escalas médicas de vários tipos para perceberem mais rapidamente o que deve ser feito, consoante o problema que têm à frente. Há, por exemplo, escalas de gravidade dos doentes, escalas do nível de coma e também algoritmos para serem consultados nas Unidades de Cuidados Intensivos.
No último ano, a UpHill desenvolveu dez algoritmos diferentes, desde o diagnóstico ao tratamento da Covid-19, sendo que os conteúdos dedicados à pandemia são os mais utilizados pelos profissionais de saúde. Cada algoritmo, explica David Rodrigues, é pensado e desenvolvido em conjunto com uma rede de 100 médicos de todo o país e, mais tarde, validado por médicos diferentes dos que fizeram o conteúdo inicial — mas da especialidade em causa — e supervisionado por uma outra equipa. “Esta rede de médicos está no país todo. Vamos tendo um barómetro muito fidedigno daquilo que está a acontecer em vários pontos do país e, ao mesmo tempo, damos esta sensibilidade para adaptar os conteúdos ao que eles nos vão dando de feedback”, sublinha o responsável.
Todos os algoritmos são baseados em recomendações internacionais, ou seja, evidência científica robusta, que a UpHill aplica em forma de algoritmo interativo. Uma das grandes prioridades ao longo de todo o trabalho são as constantes atualizações que podem ser feitas aos conteúdos, sobretudo relacionados com a Covid-19, uma vez que ainda há “muita incerteza à volta de tudo”. É por isso que os algoritmos são atualizados em função do tempo (se passar um ano desde que o conteúdo foi publicado ele é revisto) e também cada vez que há nova informação ou conteúdo relevante para ser incluído.
A Covid-19 tem muita incerteza à volta de tudo o que é recomendação que possamos fazer, porque não há evidência robusta. Há um ano não havia quase evidência, hoje já há mais. Sabe-se muita coisa que não deve ser feita, sabemos algumas coisas que já funcionam, mas há outras áreas onde essa incerteza é mais reduzida e nessas áreas estamos muito mais confiantes em recomendar aos médicos o que fazer. A partir do momento em que há muita incerteza, ela deve ser reconhecida e aquilo que nós fazemos muitas vezes é alertar justamente disso”, explica David Rodrigues.
A “componente informada” de decisões tomadas em ambientes de caos
Apesar de ajudar no processo de tomada de decisão dos médicos num momento em que os hospitais atingem limites, os algoritmos da UpHill não servem para identificar quem se deve priorizar no tratamento (em casos em que a medicina de catástrofe possa acontecer). “Não é esse o âmbito, de todo. Não estamos a fazer uma triagem nem damos uma resposta do género: ‘Este tipo de doente vai e este não vai’. Essas são decisões demasiado locais em que há muitas variáveis em jogo”, alerta o médico, acrescentando que aquilo que é disponibilizado são “escalas internacionais, validadas, em contexto de urgência, que avaliam coisas habituais” e o que é colocado à frente do médico ou enfermeiro é “um conjunto de decisões ou ações que é preciso levar a cabo ou de eventos que devem acontecer”.
“Esta escala é utilizada diariamente em todo o mundo, mas justamente por estarmos a ver que há médicos e enfermeiros que são recolocados em urgência e que não estão em contacto com esta escala no dia-a-dia, disponibilizamos e temos ali à mão esse recurso validado e útil para estes colegas”, explica David Rodrigues, referindo-se ao exemplo da escala de coma. O objetivo, volta a sublinhar, é dar um conjunto de recursos de acesso mais facilitado aos médicos e enfermeiros que “favoreçam decisões informadas e em que as pessoas se sintam minimamente confiantes para tomar uma série de decisões”.
Até porque, refere, há neste momento uma grande angústia do lado dos profissionais de saúde: “Temos de decidir e assumir decisões de elevada responsabilidade num ambiente a que normalmente não estamos habituados e num ambiente de caos. Isto, do ponto de vista da decisão, é algo muito agressivo que está agora a acontecer aos médicos e enfermeiros que estão a ser recolocados nestes postos e há aqui um momento de decisão muito angustiante, porque são decisões de elevada incerteza num ambiente de caos e com elevada responsabilidade e elevado impacto”.
No caso de se vir a registar um contexto de medicina de catástrofe, David Rodrigues refere que os algoritmos da UpHill servem sempre como a “componente informada”, com escalas que já são aplicadas diariamente, de decisões que são tomadas sempre a nível local, mas que agora contam com profissionais vindos de outros serviços.
“Aquilo que se quer é uma decisão informada, mas adaptada ao local. Aquilo que é informada nós damos, aquilo que é adaptado ao local cabe aos profissionais decidirem. Os tempos são de grande angústia e diria que os colegas que estão no terreno além de estarem com horas e horas em cima, estão com muitas decisões angustiantes. É um cenário muito difícil em termos mentais e cognitivos, de elevada exigência e aquilo que se quer é dar um pouco de conforto, aumentando a confiança nas decisões que estão a tomar”, sublinha o responsável.