Dina Asher-Smith fez 25 anos em dezembro, no último mês de 2020. Um 2020 que devia ter tido os Jogos Olímpicos de Tóquio, os segundos da carreira da velocista e aqueles onde seria uma das cabeças-de-cartaz da comitiva britânica. Os últimos anos, que trouxeram a medalha de bronze olímpica na estafeta 4×100 no Rio de Janeiro, foram de especial relevância para a atleta nascida no sul de Londres: tornou-se a primeira britânica a ganhar uma prova de velocidade em Mundiais ou Jogos, com a vitória nos 200 metros dos Mundiais de 2019, já depois de se ter tornado a primeira do seu país a ganhar os 100, 200 e a estafeta nos Europeus de Ar Livre. Nada disto, porém, altera a imagem que tem dela própria.

“Estou a escrever isto por causa de algo que uma miúda me disse numa visita a uma escola. Antes da pandemia, costumava fazer visitas a escolas, frequentemente, como um ‘exemplo a seguir’ para provocar o desporto e o atletismo. É estranho. Continua a ser difícil olhar para mim como uma pessoa high profile, como um exemplo a seguir. Continuo a habituar-me a isso. Quer dizer, eu sou só a Dina. Sou só eu. Corro depressa. Ser vista dessa forma, como um exemplo a seguir, não era algo que alguma vez tivesse imaginado para mim”, começa por escrever a atleta num texto publicado esta terça-feira no The Players’ Tribune mas claramente inspirado pelo Dia Internacional da Mulher, assinalado no dia anterior.

A historiadora que criou o seu próprio legado com um triplete de ouro (100, 200 e 4×100 m) e um colar que lhe vai sair barato

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O texto, que tem como título “Who We Elevate” — Quem Elevamos, em português –, tem como ponto de partida uma frase de uma menina de oito anos que Dina Asher-Smith ouviu numa das frequentes visitas a escolas que fazia antes da pandemia. “Acho que preciso de começar a fazer exercício porque estou a ficar gorda…”, disse uma criança, de oito anos, à velocista. “Ela tinha oito anos. OITO. O que é que respondes a isso? Eu fiquei tipo: ‘Calma, O QUÊ?!’. Quer dizer, aquela frase é uma loucura. Há tanta coisa para desconstruir. Onde é que uma miúda de oito anos aprende aquilo? Esse tipo de pergunta permanece contigo. E nem é preciso dizer que precisamos de continuar a promover a confiança física, a visibilidade da diversidade dos tipos de corpos e o entendimento de que ser saudável é mais do que o tamanho que vestimos se quisermos abordar estes assuntos. Mas, especificamente na nossa indústria, precisamos de considerar como é que uma criança de oito anos interage connosco e o que é que refletimos para ela. Aos oito anos, ela expressou que via o desporto como um meio para chegar a um fim, para alcançar um objetivo estético. E essa não devia ser, aos oito anos, a mensagem principal que ela reteve”, explica a atleta.

Para Asher-Smith, começar a ver o próprio corpo como uma “ferramenta” desde muito nova foi o que lhe permitiu tornar-se sempre mais forte, mais rápida, melhor. E tudo começou com a competitividade saudável que testemunhava todos os dias, em casa, durante simples jogos de dominó. “Os meus pais eram e são super carinhosos, felizes e sorridentes mas também muito competitivos! Para dar um exemplo, nós jogávamos dominó a toda a hora lá em casa quando eu estava a crescer. Ou pelo jogávamos até tudo se tornar demasiado intenso. Quando eu era pequena, eles ganhavam-me sempre e adoravam. O jogo era cheio de gargalhadas, abraços e sorrisos mas eles nunca me deixavam ganhar só para serem simpáticos para a ‘pequena Dina’. Se eu quisesse ganhar, tinha de merecer, tinha de ser melhor do que eles”, conta a britânica, que garante que adquiriu aí uma competitividade acima da média e uma vontade de tentar ganhar logo depois de uma derrota.

Desta vez, Dina Asher-Smith não precisou de gelado para acabar a corrida, ser campeã do mundo e fazer história no Reino Unido

O texto de Dina Asher-Smith parte depois para uma dimensão superior: as diferenças de perceção que ainda existem entre um atleta e uma atleta. O que a velocista defende, basicamente, é que quando é necessário escolher um homem para ser a cara de um anúncio publicitário desportivo, essa cara é a do melhor futebolista, melhor basquetebolista, melhor nadador e por aí adiante — e dá o exemplo de Lionel Messi. Quando, por outro lado, é necessário escolher uma mulher para o mesmo papel, a decisão cai normalmente em que é “esteticamente satisfatório”.

“Se és o melhor de sempre, se tens os recordes mundiais, as medalhas de ouro, é isso. Mereces que algo venha com tudo isso. É simples. Pelo menos é simples para os homens. Mas existem inúmeros exemplos que mostram que não é assim no desporto feminino. Penso constantemente em atletas fantásticas como a Marta, a Annika Sörenstam, a Katie Ledecky, a Shelly-Ann Fraser-Pryce, a Valerie Adams ou até recentemente a Dalilah Muhammad. Porque é que não vemos mais sobre as histórias delas? Mais imagens delas? Porque é que não foram elevadas, porque é que não transcenderam o nosso mundo desportivo? Porque é que os feitos delas e os legados delas não nos são familiares como os de Messi, Ronaldo, Tiger Woods, Michael Phelps, Usain Bolt e todos os outros fantásticos atletas masculinos?”, questiona, reconhecendo que algo está a mudar a partir dos exemplos de Simone Biles ou Serena Williams.