O Pestana Hotel Group registou, no ano passado, prejuízos de 32 milhões de euros, uma queda acentuada face aos 80 milhões positivos de 2019. A contribuir para o valor de 2020 esteve a redução do volume de negócios na ordem dos 57%, motivada pela pandemia. Só as receitas hoteleiras caíram 75% face a 2019. Foi a primeira vez em 40 anos que o Grupo apresentou prejuízos.

O ano de 2020 arrancou forte e “tinha tudo para ser um ano fantástico”, disse José Theotónio, CEO do grupo, em conferência de imprensa: o grupo teve os melhores meses de janeiro e de fevereiro de sempre. Mas, em março, a pandemia deu os primeiros sinais de alerta. O primeiro hotel foi fechado a 16 de março, na Madeira, por falta de clientes. Até ao final daquele mês, já todos os 100 hotéis — incluindo o Park Avenue, em Nova Iorque, com apenas três semanas de vida — tinham encerrado ao público geral. Apenas alguns se mantiveram abertos para prestar apoio às necessidades da pandemia: nalguns casos, foram requisitados hotéis para quem tinha de fazer quarentena; noutros casos, o grupo disponibilizou quartos a profissionais de saúde que não podiam ou não queriam ir a casa.

O resultado foi que, em abril e maio, “a faturação em termos hoteleiros foi zero”, explica. A reabertura que se iniciou em junho foi “muito ténue”: “Em junho e julho, trabalhámos 10% do que num ano normal”. Agosto melhorou “devido ao mercado nacional”, mas a atividade, até outubro, não passou os 20% a 25%. Foi “a maior crise de sempre” para o grupo, sintetiza.

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As perdas foram também notórias nos recursos humanos. Desde o início da pandemia, saíram cerca de 900 pessoas, das quais 600 por não renovação de contratos, devido à falta de trabalho. As restantes 300 saíram voluntariamente, sobretudo da área de IT, e-commerce, business inteligence ou serviços de backoffice, para a reforma ou para empresas “mais apelativas” com atividade em Portugal. “O setor do turismo deixou de ser um setor muito interessante”, afirma. Por exemplo, toda a equipa de IT do grupo saiu por iniciativa própria, diz José Theotónio.

O grupo, entretanto, já contratou “cento e tal” pessoas, desde IT, departamento financeiros e operacionais. Segundo José Theotónio, só em pessoal operacional para as unidades hoteleiras e pousadas, foram contratadas 100 pessoas até ao momento. O CEO do grupo não se compromete, porém, com mais contratações no futuro, já que dependerá, diz, da “resposta do mercado”. O grupo aderiu ao layoff simplificado logo a 15 de abril de 2020, abrangendo quase todos os trabalhadores (exceção para a equipa de segurança), e só saiu totalmente do regime em julho. Mais recentemente, passaram para o regime que sucedeu àquele mecanismo, o apoio à retoma progressiva, que só abandonaram esta terça-feira.

Neste momento, 35% dos hotéis e pousadas do grupo estão abertas, ainda assim, um aumento face aos 10% de abril. Há países onde os hotéis do grupo ainda não  reabriram, como Argentina ou Venezuela, que deverá abrir “nos próximos dias”.

Grupo conta ter ocupação de 40% a 50% no segundo semestre

Os últimos dias têm sido de aumento de reservas, que “começaram a ter algum significado no mercado interno a partir de abril”. Em relação ao mercado externo, foi a colocação de Portugal na lista verde do Reino Unido que impulsionou as reservas, para o Algarve e para as ilhas da Madeira e Porto Santo. Já para a época do golfe, que se inicia nos finais de setembro até novembro, “veem-se muitas reservas“, aponta. É, aliás, para essa altura do ano — segundo semestre, mais concretamente — que o grupo estima ter ocupações a rondar os 40% a 50%, em média, com todas as unidades hoteleiras abertas.

Já em junho, o grupo conta ter 70% do inventário aberto. José Theotónio reconhece que os preços podem estar a baixar, fruto da elevada oferta e procura baixa. “Houve uma altura em que o setor esteve unido. Quando abre, volta a haver concorrência”, explica. Atualmente, o Grupo ainda está com uma atividade que representa 20% a 25% face a 2019.

Os dados que têm sido divulgados pelo Turismo do Algarve apontam para a chegada, por dia, de 5.000 estrangeiros desde o início da semana passada, número impulsionado, em parte, pelo regresso de turistas britânicos. José Theotónio faz, porém, um paralelismo com anos anteriores: num bom ano, chegavam a Portugal nesta altura 50.000 turistas por dia. Um ponto positivo para o país é o facto de ser o único destino de praia europeu na lista verde do Reino Unido. E de muitos países continuarem fechados aos turistas.

“Se Espanha, a Grécia, a Turquia e Egipto não estivessem fechados, tínhamos se calhar 1.000 turistas. Estamos com quatro semanas de avanço em relação a destinos concorrentes”, nota. Por isso, ao grupo “dá jeito” que o Reino Unido não insira, nos próximos dias, Espanha na lista verde, reconhece o CEO.

“O pior que nos poderia acontecer era chegar a outubro, e acontecer o mesmo que aconteceu no ano passado que era voltar tudo para trás e fechar tudo. O importante é haver um recomeço muito gradual. Para chegarmos àquilo que era normal são preciso uns três anos“, antecipa. O CEO prevê ainda que as receitas no segmento da hotelaria possam duplicar em 2021, se não houver “surpresas”.

Imobiliário trava queda maior

Foi o negócio do imobiliário que impediu uma queda maior do Grupo Pestana em 2020. O EBITDA [lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações] do grupo foi positivo em 33,7 milhões de euros, que “traduz o bom comportamento da área de negócio do imobiliário e residencial, que cresceu quase 12% e representou mais de 54 milhões dos proveitos totais”, segundo um comunicado do Grupo.

“Temos uma área da imobiliária que vende imobiliária turística em que o principal projeto foi o Troia Eco Resort. Depois temos imobiliária pura, mesmo residencial. E depois, além disso, fazemos alguma gestão dos condomínios que tínhamos. (…) Esta foi a área que, ao contrário de todas as outras, teve um impulso positivo, até um crescimento da atividade em cerca de 25%“. José Theotónio atribui esta evolução ao facto de alguns portugueses terem procurado em Tróia um refúgio para o confinamento. Ao todo, até novembro, foram vendidas cerca de 80 casas e apartamentos, o valor que estava previsto vender em três anos, entre 2020 e 2022.

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Até aqui, a vertente do imobiliário representava apenas cerca de 10% do volume de negócios do grupo. “Sempre tivémos uma preocupação em termos de diversificação do risco”. A “diversificação geográfica” — o grupo está presente em 16 países — não foi a teia de salvação, numa altura em que o turismo de todo o mundo parou. “Vimos agora a importância da parte imobiliária. (…) Um dos objetivos é continuar a desenvolver para poder ter um peso com algum significativo dentro do grupo e subir para cerca de 20%”.

“Para isso, estamos a fazer projetos, que tínhamos em carteira. Já tínhamos terrenos em carteira importantes e que estamos agora a desenvolver em Portugal. Temos aqui empreendimentos no Algarve que estamos a desenvolver, um que já tínhamos a correr, em Silves, e agora um outro grande em Ferragudo, que está em processo de aprovação”. José Theotónio acrescenta que o grupo está “a olhar para outras coisas que possam surgir para poder ter, de uma forma consistente, todos os anos uma atividade na área da imobiliária que nos permita, se calhar, saltar num ano normal a parte imobiliária dos 10% para os 20%”.

80 milhões de dormidas em 2027? “É difícil se não houver o alargamento da capacidade aeroportuária”

Sobre o plano de ação apresentado na semana passada pelo Governo, que prevê atribuir seis mil milhões de euros para reativar o turismo, dos quais três mil milhões terão como destino apoios às empresas, José Theotónio diz que está “bem desenhado” e é “positivo”, mas tem “dúvidas”. Desde logo, questiona a meta traçada pelo Governo de atingir 27 mil milhões de euros de receitas turísticas e 80 milhões de dormidas em 2027 (face aos 59 milhões de 2019).

“Para conseguir isso, nós tínhamos de ter uma aeroporto em Lisboa, um alargamento do atual. Porque quem viajou em 2019, 2018, 2017, durante os meses de verão principalmente, o aeroporto de Lisboa estava caótico, completamente esgotado, não havia um voo a sair a horas“. Mudar esta dinâmica e atingir os valores projetados pelo Governo, “é difícil se não houver o alargamento da capacidade aeroportuária“. Mas qual a melhor opção? José Theotónio não arrisca uma resposta.