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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Os negócios que reabrem (e se estreiam) num Algarve onde os turistas teimam em não aparecer

Turistas regressam lentamente às grutas algarvias e aos quiosques da Praia da Rocha, mas nada é como dantes. Nem para Manuela, que fintou a crise e abriu um bar onde Amália convive com Prince e 2Pac.

Hélder Ferreira, 58 anos, até ergue as mãos quando lhe perguntamos se já se sente mais algarvio do que conimbricense. Vive no Algarve desde o primeiro ano de vida e só regressou a Coimbra, onde nasceu, para estudar engenharia naval. “Não, não sou algarvio, nunca hei de ser”, quer deixar assente. O orgulho “de estudante” fala mais alto. Não que tenha menos admiração pela região: foi no Algarve que cresceu, criou uma vida, é onde trabalha e é aquela costa que conhece quase como a palma da mão.

Aqui, a gruta mais famosa é a de Benagil. É a de que toda a gente fala. Mas para mim não é a mais bonita“, diz, aludindo à chamada gruta dos contrabandistas, que tem uma espécie de claraboia natural aberta na rocha lateral, por onde entra o sol. “Dizem que há lá um tesouro. É uma lenda de há muitos anos, contada pelos pescadores.” Só que é a de Benagil que os turistas procuram e é a que figura num cartaz afixado na barraquinha de madeira onde se abriga do sol e dos 37 graus que se fazem sentir à hora (cerca das 15h00) em que o Observador o encontrou, na zona ribeirinha de Portimão.

A empresa para a qual trabalha — a Oasis Odisseia — organiza viagens de barco no barlavento algarvio. Cada viagem custa 30 euros por pessoa e começa ali perto, no cais Vasco da Gama, seguindo depois ao longo de 15 quilómetros para Leste, com paragens pelas diversas grutas cavadas pelo mar, até à mais conhecida. “Um pouco mais à frente paramos na Praia da Marinha para o pessoal que quiser sair do barco e tomar banho. Mas o capitão é que tem a última palavra. Ele é que conhece as correntes, se a maré está a encher ou a vazar.”

A barraquinha de Hélder Ferreira é das poucas que estão abertas na zona ribeirinha de Portimão

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O posto de Hélder é um de apenas dois que estão abertos naquela avenida junto ao rio Arade. Ao lado, há pelo menos cinco, também eles dedicados a viagens às grutas, com as janelas completamente fechadas. A de Hélder só abriu na segunda-feira. “Estávamos à espera da chegada dos turistas de que se fala. Mas não se nota nada”, atira. Ainda assim, a manhã foi “de sorte”: conseguiu seis clientes, entre franceses e romenos. E a tarde? “Está a ser um desastre”.

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A empresa tem ao dispor duas embarcações. Uma delas mais tradicional, com capacidade para 28 pessoas, mas que, devido às regras da pandemia (a lotação tem de estar a 70%), apenas pode levar 18. “Parece os moliceiros de Aveiro, mas é uma embarcação típica da região de Lisboa que foi trazida para o Algarve para fazer o transporte de frutos secos e laranjas, de Silves para Portimão. Antigamente tinha um mastro, só que como há muitas pontes daqui a Silves tiveram de o cortar. Acabámos por adaptá-lo para os passeios”, conta. Com a fraca procura, este barco nem está a ser usado. “Neste momento, não é rentável sair. Poderá ser a partir das 10, 12 pessoas, mas ainda não temos esse número de clientes”.

É outro, mais pequeno e menos tradicional, um semi-rígido, com capacidade para 18 e que só pode transportar 12, o único em atividade. E ao qual se juntaram os seis clientes que conseguiu angariar. “Conseguimos sair com a lotação máxima permitida de manhã. Foi hoje a primeira vez“. Uma primeira vez desde que, em outubro, fecharam portas. “O que trabalhámos no ano passado foi uma coisa mínima. Tivemos uma quebra de procura de 80%“, lembra. Este ano, a expectativa é de que o final de maio e o início de junho tragam mais turistas, que ainda teimam em não aparecer por ali. O barco que saiu à tarde, só levava cinco pessoas.

Apesar do calor, a praia está vazia. Muito hotéis continuam fechados

O cenário traçado pelos comerciantes, proprietários e trabalhadores com quem o Observador falou não diverge muito: as notícias de que esta semana chegariam ao Algarve 5.000 britânicos por dia, com as companhias aéreas a reforçar voos e os operadores turísticos os charters, são positivas, mas os efeitos práticos ainda pouco se notam. “Se calhar foram para Lagos, Vilamoura [onde, como o Observador escreveu, não chegam para encher esplanadas]. Aqui na Praia da Rocha não chegaram muitos ainda“.

Onde estão os 5.500 britânicos anunciados para o Algarve? Em Vilamoura, ainda não chegam para encher esplanadas

Maria do Carmo, 61 anos, está sentada à espera de clientes no Quiosque da Praia da Rocha, o primeiro antes de se descer para o areal, e que gere há 37 anos (o marido há mais tempo, há 55). Antes das obras de 2007, “era o quiosque mais antigo da Praia da Rocha”. Os turistas vão entrando, compram pouco: “Uns chapéuzinhos, bonés, protetores solares até vão alguns. Fora disso não é assim nada demais. Uma toalhinha ou outra, uns chinelos.” Por vezes, é preciso lembrá-los das regras. “Recebi uns franceses que não traziam máscara e eu tive os de chamar à atenção. Isto agora é um castigo. A senhora disse que já tinham sido vacinados e que por isso achavam que não precisavam, mas tive de explicar que não podia ser.”

O anúncio da chegada aos milhares dos turistas levou muitos negócios a reabrirem, na esperança de retomar atividade. Mas muitos outros mantiveram-se encerrados e só planeiam abrir no final do mês (altura em que os britânicos têm um período de férias escolares intercalares) ou junho. À frente do Quiosque está um exemplo disso: um hotel fechado, que só abre no início de junho. Algumas ruas à frente outro. “Olha-se para a praia e vê-se que está vazia e até está calor“, lamenta Maria do Carmo.

O relato do presidente executivo do Grupo Pestana, ao Observador, também revela essa tendência: dos nove hotéis que o grupo tem no Algarve só dois estão abertos, e um deles só reabriu esta semana. O outro está com uma lotação de 50% — “num maio normal, estaria nos 70%” —, sendo que 80% dos hóspedes são portugueses. “Para a semana abrimos um terceiro e, em junho, abrimos mais três.” Em maio de anos pré-pandemia, já estaria tudo aberto.

O que a última semana mudou foi o volume de reservas. “De dia 7 a 17 evoluíram muitíssimo bem, quer no mercado inglês, quer no nacional. Houve um aumento exponencial porque partimos quase do zero”, diz José Theotónio. O grupo passou de uma semana com reservas a encaixar um milhão de euros, para outra em que já representam 10 milhões de euros. Essas reservas são para final de maio e junho (40%) e de julho a setembro (60%). Nalguns hotéis, para esses meses de verão, a taxa de ocupação já vai nos “60,70%”, enquanto que noutros está ainda “à volta dos 30%, 40%”.

Maio está ainda muito longe do que se verificava em anos anteriores. “Ontem chegaram 5 mil turistas a Portugal. Obviamente é muito bom porque não estava a chegar quase ninguém. Em 2019, 2018, 2017, numa segunda-feira de maio, chegavam à volta de 50 mil por dia. Era muito bom.”

O Hotel Pestana Alvor Praia está com uma lotação de 50%. Mas as reservas no grupo para o verão dispararam nos últimos dias

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Fim das moratórias: “Aí vai ser outro castigo”

No Quiosque de Maria do Carmo, um negócio familiar que vende essencialmente produtos de praia, mas onde resistem alguns casacos quentes de lã que não se venderam no inverno, entra agora um casal de portugueses. Dá uma volta ao espaço, mas “só vê”, não compra nada. Um comportamento que não tem sido raro.

O espaço fechou em outubro pela fraca procura e só reabriu a 5 de abril, quando o Governo permitiu a reabertura de lojas até 200 metros quadrados com porta para a rua. Só que nem 15 dias passaram até ter de fechar outra vez: quando o resto do país se preparava para a terceira fase do desconfinamento, Portimão deu um passo atrás por se manter na linha vermelha com mais de 240 casos de Covid-19 por 100 mil habitantes. “Estávamos contentes por finalmente podermos recomeçar e abrir. Depois abrimos e voltamos para trás, não estávamos a contar.” Só a 7 de maio, o Quiosque pôde voltar à atividade.

"Um dia de verão é como se fosse um mês de inverno ou mais", diz Maria do Carmo, proprietária de um quiosque na Praia da Rocha

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Desde então, os clientes têm escasseado. “Em fevereiro do ano passado, na altura do Carnaval, até tínhamos mais clientes do que agora. Não estava mau, estavam alguns estrangeiros e estávamos a começar a trabalhar [o Quiosque costuma manter-se fechado no Inverno] até porque se aproximava a Páscoa. Não tem nada a ver com agora”.

Em 2020, Maria do Carmo só faturou cerca de 30% do que tinha conseguido em 2019, resultado também do facto de não ter trabalhado à noite. Problemas de saúde do marido e o facto de a procura não ser suficiente para que o negócio fosse rentável a essas horas motivaram essa decisão. Este ano, já sabe que vai ter de trabalhar dia e noite, sem folgas. “Um dia de verão é como se fosse um mês de inverno ou mais. Não podemos fechar de maneira nenhuma. Temos de aproveitar ao máximo o verão para podermos aguentar.”

Agora, a preocupação é saber se vai conseguir fazer face ao fim das moratórias dos créditos que tem (um deles à habitação), em setembro. Se as coisas não melhorarem entretanto, “aí vai ser outro castigo“, antecipa.

Amália paredes-meias com Ray Charles. Manuela queria um bar “com história” na Praia da Rocha

Para Manuela Jones, 55 anos, faltava à Praia da Rocha um bar “com história”. Onde se pudesse entrar e recuar no tempo — ao jazz e blues dos anos 60 de Ray Charles, ao fado de Amália Rodrigues e Carlos do Carmo, ao rap de 2Pac e à pop de Madonna. Ou à irreverência de Amy Winehouse — e de António Variações. “Ele marcou muitas gerações. Foi uma viragem na cabeça das pessoas no nosso país, começou a mudar a mentalidade. Porque é que as pessoas não haveriam de usar os brincos e as roupas que entendessem?”

Manuela trabalhou a vida toda por conta própria, na área da restauração. Este ano, quando soube que aquele espaço, numa das outrora mais movimentadas ruas da noite de Portimão, estaria para arrendar, foi desafiada pelo filho. “Ele disse-me: ‘Bora lá, vamos arriscar. Eu, como tenho 55 anos, estava tranquila a trabalhar para alguém, mas depois olhe… aqui estamos. Só que de uma coisa tenho a certeza. Se não correr bem, fecha-se. Não se fica aqui a dever dinheiro a ninguém“.

Assim nasceu a “Taberna do Sul”. Manuela não queria que fosse só mais um bar, mas que as pessoas parassem quando o vissem. Daí a ideia de pedir a uma designer local para criar um mural com lendas da música nacional e internacional, de que é fã.

Manuela Jones decidiu abrir um bar em plena pandemia. "Vai ser muito bom [o verão]", acredita

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O bar só está aberto há uma semana e os turistas, para já, são poucos. “Apareceu aí um grupo de cinco, seis jovens de 20 e poucos anos e ficaram interessados nestes murais. Estive a explicar-lhes quem era Zeca Afonso, a falar da Revolução de Abril. Mostrei-lhes uma música do Variações, acharam piada”. Tirando este grupo, os clientes que têm aparecido são conhecidos de Manuela: amigos estrangeiros com residência em Portugal, outros empregados dos estabelecimentos na concorrência. “Vamo-nos ajudando mutuamente. Uma vez vêm cá comer um prego e eu vou lá beber um sumo de laranja. Andamos assim de um lado para o outro”.  E onde andam os turistas? Manuela arrisca uma explicação: “Podem ter vindo com aqueles pacotes de all included e estão nos hotéis, onde podem comer, beber, têm lá tudo. E só saem para ir passear pelas grutas“.

O bar tem de fechar às 22h30 devido às regras em vigor, o que é “grave” porque é a essa hora que “as pessoas começam a sair e a sentar-se e temos de os mandar embora”. Ainda assim, Manuela está muito otimista com este verão — “Vai ser muito bom” — e a perspetiva da vacinação dá-lhe outro alento. “Vou levar a primeira dose no dia 29, estou toda feliz da vida. Claro que há sempre algum receio, mas é tudo melhor do que estarmos aqui sem uma vacina ou medicamento que nos deixe mais tranquilos. Pelo menos para a restauração e para o turismo, a vacinação deveria ser uma prioridade“.

Descendo para a praia da Rocha, Rosa e Zé Santa-Clara, 64 e 61 anos respetivamente, não acreditam que o ritmo de trabalho mude muito antes de 15 de junho, “como no ano passado”. Mas concordam que este ano pode trazer mais turistas a Portimão do que em 2020. O restaurante “Salsada do Zé”, no passadiço de uma das praias mais populares do país, só abriu na terça-feira porque “não havia turistas para abrirmos mais cedo”. Não que as coisas tenham mudado muito, desde então. Só que a perspetiva de abertura de fronteiras deu-lhes outra esperança, até porque já estavam fechados desde outubro.

Ao lado, restaurante sim, restaurante não, há negócios que permanecem encerrados. Aquele passadiço, em que na época alta do pré-pandemia era difícil passar sem um ou outro encontrão, está agora praticamente vazio, assim como a extensa praia.

Os clientes escasseiam nos restaurantes do passadiço da Praia da Rocha. Há vários restaurantes ainda encerrados

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Mas, aos poucos, o “Salsada do Zé” vai voltando à atividade e a contratar os trabalhadores que dispensaram quando fecharam, e que foram para o desemprego. “Neste momento somos seis, a contar comigo e o meu marido. Num ano normal já teríamos aqui a trabalhar oito pessoas logo na Páscoa”, diz Rosa. Para o casal, a juntar-se ao problema da falta de turistas há um outro: “Não abrimos à noite porque aqui, na Praia da Rocha, fica muito escuro. O passadiço está degradado já há uns anos, ficaram de reconstruir, e isto ficou com pouca iluminação. As pessoas optam pelos restaurantes mais nas pontas”, como perto da marina. “Da marina para cá, isto morre tudo“.

O restaurante existe desde que Zé tinha três anos. Era um negócio dos pais, localizado mais acima do areal e que se mudou para ali, com nova construção, aquando das obras na praia e dos assoreamentos. “Eles não arredam pé do areal”, acrescenta um dos empregados do Salsada do Zé. Só no Inverno, a única altura do ano em que podem tirar férias. A última vez foi mesmo antes da pandemia, em janeiro de 2020. “Fizemos um cruzeiro de 22 dias. Passámos pelo Dubai, pela Índia e pelas Maldivas. Tem uma água espetacular, de um azul incrível”. Melhor do que a da Rocha? “Ah, isso não! Não há praia melhor do que aqui“.

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