A subida do nível do mar, causado pelas alterações climáticas, aliado a marés mais altas por efeito da gravidade da Lua vão provocar uma década de cheias frequentes nas zonas costeiras dos Estados Unidos a partir de meados de 2030. Estas são as conclusões do primeiro estudo que inclui todas as causas conhecidas para as cheias, liderado pela equipa de Ciência da Mudança do Nível do Mar da NASA, da Universidade do Havai, e divulgado no dia 7 de julho pela agência espacial americana. O problema não ficará restrito só à América do Norte, mas é difícil extrapolar os resultados para outros locais, como Portugal, como explicou ao Observador Filipe Duarte Santos, investigador na área das alterações climáticas.

As cheias nas zonas costeiras do lado este (do oceano Atlântico ao golfo do México) são comuns, mas a partir dos anos 2030 podem acontecer várias de seguida durante um mês ou mais, ultrapassando os limites de inundação conhecidos, dependendo da posição em que se encontra a Lua, a Terra e o Sol. Em meados da próxima década, a Lua estará na fase do ciclo em que as marés são maiores (têm maior amplitude).

Sabe-se que os ciclos lunares, que duram 18,6 anos, têm uma fase de marés de menores amplitudes (variação entre maré alta e maré baixa) e uma fase de maiores amplitudes — como a que vivemos neste momento. A diferença é que, no próximo ciclo lunar (em meados de 2030), os efeitos das alterações climáticas serão muito mais evidentes, logo o impacto das marés também, defendem os autores do estudo.

Atração gravitacional resultante [do alinhamento Lua, Terra, Sol] e a resposta correspondente do oceano podem fazer com que os moradores das cidades enfrentem inundações a cada um ou dois dias”, lê-se no comunicado da NASA.

Bill Nelson, administrador da agência, explica também que as localidades cuja altitude é próxima do nível do mar já sofrem com as inundações. “E isso só vai piorar”, diz. “A combinação da atração gravitacional da Lua, do aumento do nível do mar e das alterações climáticas continuarão a exacerbar as inundações costeiras no litoral do nosso país e em todo o mundo.”

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Por outro lado, o problema não é cada inundação só por si, mas “o efeito cumulativo ao longo do tempo”, afirma Phil Thompson, professor assistente da Universidade do Havai e primeiro autor do estudo. Há uma certa “tendência” para desvalorizar este tipo de problema, diz, porque estas cheias envolvem menos quantidade de água do que acontece com outros desastres naturais. Mas, se em vez de acontecer uma, forem “dez ou 15 vezes por mês”, pode haver consequências significativas, para as empresas e para os habitantes.

As descobertas do estudo contribuem para que as cidades possam ir tomando precauções para o acontecimento, de forma a que haja o mínimo de danos possíveis.

Filipe Duarte Santos: “Não temos fim à vista para a subida do nível médio do mar”

Desde o início do século passado, o nível médio global do mar já subiu 20 centímetros e, ao ritmo que tem continuado a aumentar, pode chegar aos 80 ou 90 centímetros no final desde século, diz Filipe Duarte Santos, professor e investigador na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

E continuará a subir depois disso, garante: “Não temos fim à vista para a subida do nível médio do mar”. O problema, explica ao Observador, é que mesmo que deixássemos de emitir gases com efeito de estufa de uma forma drástica e imediata, levaria cerca de 80 anos para a temperatura média global começar a descer. E só depois disso poderia haver uma mudança no padrão de subida do nível do mar. “O mar tem uma resposta muito lenta”, acrescenta o investigador.

Costa portuguesa “mais sujeita” à ameaça das alterações climáticas

Filipe Duarte Santos explica que a subida média global resulta do degelo das calotes polares e dos glaciares, assim como da dilatação da água devido ao aumento da temperatura, mas que os efeitos não serão iguais em todo o planeta. A Flórida, Veneza ou o delta do rio Nilo, que estão a “afundar” (subsidência), vão correr mais riscos de cheias a curto prazo do que a Escandinávia onde, neste momento, a placa continental está a subir — e o nível do mar aparenta estar a descer.

Portugal, diz o físico, “tem uma costa mais ou menos estável e um valor próximo do valor global” — os tais 80 centímetros de aumento até 2100. Mas a perda de praias — até 2071, como previu Isabel Lindim, jornalista e autora — tem outra causa além da subida do mar: a erosão costeira.

Sem praias e com 50ºC em Beja. Como pode ser em 2071 o país “mais vulnerável da Europa” às alterações climáticas?

Há muita energia na costa portuguesa, com ondas fortes, que arrastam os sedimentos, como a areia, de norte para sul. Mas as barragens e as dragagens fizeram com que os rios deixassem de repor esses sedimentos, que continuam a ser arrastados pelo mar, explica Filipe Duarte Santos. A costa vai recuar em todo o país, mas as zonas de dunas, como a região de Aveiro, estarão mais ameaçadas pelo avanço do mar do as zonas de falésia, como a Costa Vicentina. Na costa algarvia os problemas não são menores: a este de Tavira, há graves problemas de erosão e de recuo da costa; a oeste, a erosão é menor por causa das falésias, mas estas são muito menos estáveis do que as do Alentejo.

O investigador não consegue prever que impacto consegue ter a conjugação das alterações climáticas com o aumento da amplitude das marés causado pelo ciclo lunar, mas consegue antever que zonas como a ria de Aveiro, protegida por uma língua de terra, ou o estuário do Tejo são zonas onde o impacto nas povoações ribeirinhas será grande, por não há dúvida que a água irá galgar as margens.

Atualizado às 19h40 com as declarações de Filipe Duarte Santos