A surpresa da vitória de Carlos Moedas em Lisboa marcou a noite eleitoral, mas este terá sido só o início de um novo capítulo ainda cheio de incógnitas na principal autarquia do país. Com um executivo dividido e uma maioria clara à esquerda — Moedas tem sete vereadores, a esquerda toda soma dez — o PCP já começou a levantar o véu sobre a forma como irá gerir o seu mandato: o partido não pretende apostar numa “política de terra queimada”, até para evitar “vitimizações” de Moedas.

Numa resposta enviada ao Observador, e depois de questionado sobre as declarações de Catarina Martins (“há uma maioria que pode travar retrocessos em Lisboa”), João Ferreira assume as “profundas e significativas divergências” com o programa que a candidatura de Carlos Moedas (PSD e CDS) apresentou, lembrando que em mandatos anteriores a CDU foi “a mais consequente e combativa força de oposição” a estes partidos na câmara.

Mesmo assim, e frisando que o “reforço da votação” (mais 1.410 votos do que em 2017, mantendo os dois vereadores) “pesará no curso da cidade”, o vereador avisa desde já que “rejeitará uma política de terra queimada”. E promete analisar as propostas e votações caso a caso: “A CDU proporá e acompanhará todas as medidas positivas e rejeitará tudo o que for negativo para Lisboa”.

No Twitter, e já depois de ter enviado a resposta ao Observador, João Ferreira completou o raciocínio: se não aposta na tal estratégia de bloqueio, é porque importa evitar “abrir espaço a estratégias de vitimização” da parte de Moedas. Ou seja: fica na memória, por exemplo, o caso de António Costa, que ganhou a câmara pela primeira vez nas eleições intercalares de 2007 mas só chegou à maioria absoluta em 2009, precisamente depois de fazer campanha contra os bloqueios à direita e à esquerda (em 2013 alcançaria também a maioria na Assembleia Municipal).

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Nesta lógica, se a esquerda se entregasse a uma estratégia de bloqueio frontal, impedindo a direita de governar, isso poderia provocar no recém-eleito Moedas a tentação de dramatizar e forçar umas eleições intercalares, com a confiança — e os precedentes — de que poderia sair disso reforçado. Moedas está, de resto, preparado para negociar caso a caso, sem parceiros na câmara.

Sem parceiros, caso a caso e atento às maiorias de bloqueio. Como Moedas vai tentar governar Lisboa

O Bloco parece mais inclinado para um cenário de bloqueio, pelo menos a julgar pelas declarações de Catarina Martins: na reação aos resultados eleitorais, na segunda-feira, a líder lembrava que “existe uma maioria que pode travar retrocessos que a direita queira impor”.

Catarina Martins assume mau resultado e avisa Moedas: “Há maioria que pode travar retrocessos em Lisboa”

E ao contrário do PCP, não fazia ressalvas sobre os perigos de dar argumentos a Moedas para se vitimizar: “Estaremos em cumprimento do nosso mandato. Não estou a ver nenhuma proximidade entre o programa do BE e da direita”, cortava Catarina. Resta saber se a esquerda se entenderá na reação às políticas de Moedas — ou se nesta maioria cada um seguirá por si.