O empresário Álvaro Covões, responsável pela produtora Everything is New e dirigente da Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE), considera “inadmissíveis” as “restrições” sanitárias que se mantêm em alguns eventos culturais apesar da nova fase de desconfinamento iniciada a 1 de outubro.

Indignado com a obrigatoriedade de “avaliação de risco” em festivais e concertos por parte das “autoridades de saúde locais” — como impõe a mais recente resolução do Governo acerca do desconfinamento —, Álvaro Covões disse ao Observador que “o setor cultural continua a ter limitações que mais nenhum setor tem em Portugal neste momento”, o que configura uma “discriminação grosseira”.

Eventos de empresas, casamentos e batizados podem realizar-se desde sexta-feira sem “avaliação de risco” e independentemente do número de participantes, enquanto os festivais de música continuam a precisar de visto prévio de um delegado de saúde, tal como vem sendo exigido desde há vários meses.

É disso exemplo o Festival Iminente, que começa na próxima quinta-feira na zona da Matinha, em Lisboa, numa organização da equipa do artista visual Vhils. O festival pediu “avaliação de risco” às autoridades de saúde antes de 1 de outubro e obteve luz, mas na quinta-feira precisou de pedir uma segunda avaliação por causa das novas regras.

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Até esta segunda-feira, a três dias da abertura, a nova autorização não tinha chegado, segundo uma porta-voz do Iminente, o que ainda assim não compromete a realização do evento porque as novas regras são mais amplas do que as anteriores. Trata-se de um festival de cultura urbana que decorre num recinto montado de propósito para o efeito, com controlo de entradas. A organização pode acolher 2.500 pessoas, que têm de exibir certificado digital e utilizar máscara, mas pretende autorização para aumentar o número para cinco mil.

“Convenceram-nos a ser vacinados porque iam abrir tudo, mas continuamos dependentes de autorizações”, queixou-se Álvaro Covões. Disse aguardar com expectativa novas regras específicas para os festivais e concertos, nomeadamente a atualização por parte da Direção-Geral da Saúde (DGS) da orientação 028/2020, cuja última alteração data de 1 de setembro. O documento, na versão que vigorava na terça-feira de manha, impõe distanciamento físico aos membros do público e aos artistas e restrições de lotação nas salas de espetáculos e nos recintos de espetáculos ao ar livre.

Fonte oficial da DGS explicou na segunda-feira ao Observador que, apesar da publicação de “várias atualizações” em função da nova realidade desde 1 de outubro, “não é certo” que haja mudança nas regras relativas a festivais, pelo que a orientação 028 de 1 de setembro continuaria a aplicar-se a estes eventos, tal como a resolução 135-A conjugada com a nova versão do decreto-lei 78-A, ambas em vigor desde 30 de setembro. A informação diferia da que tinha a APEFE, já que Álvaro Covões disse ter dados que lhe permitiam concluir que a orientação 028 iria mesmo mudar. De facto, às 14h56 de terça-feira, a DGS atualizou a orientação 028 — ou seja, horas depois de o Observador ter publicado uma primeira versão desta notícia.

A apresentação do certificado digital por parte do público, segundo a resolução do Governo, deve ser solicitada “nos eventos em que o número de participantes exceda o definido pela DGS para este efeito”. O número indicado na orientação 028/2020 de 1 de setembro era de mais de mil pessoas em ambiente aberto ou mais de 500 em ambiente fechado. Na versão da orientação 028 desta terça-feira, o número mudou: cinco mil pessoas em eventos ao ar livre, mil pessoas em salas fechadas.

Quanto às máscaras, continuam a ser obrigatórias em eventos culturais e de empresas, mas não em casamentos e batizados. É o que se conclui da mais recente orientação da DGS sobre máscaras, com data de 1 de outubro: são obrigatórias em “salas de espetáculo, de exibição de filmes cinematográficos, salas de congresso, recintos de eventos de natureza corporativa, recintos improvisados para eventos, designadamente culturais ou similares”, além de também o serem em salas de aulas, lares, hospitais, centros comerciais, cabeleireiros, etc.

O presidente da Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos, Álvaro Covões, interv ém durante a iniciativa "Manifestação pela Cultura" na Praça de touros do Campo Pequeno, .em Lisboa, 21 de novembro de 2020. O objetivo deste encontro, organizado pela Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos, é sensibilizar para os problemas e desafios do setor cultural perante a atual situação e constrangimentos provocados pela pandemia do novo coronavírus. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

“Há razões científicas que apontem que os eventos culturais são perigosíssimos?”, ironiza Álvaro Covões

Discotecas, casamentos e batizados com regras diferentes dos festivais de música

Com a chamada terceira fase do desconfinamento, ou “dia da libertação”, que se iniciou à meia-noite de sexta-feira, os bares e discotecas voltaram a poder abrir portas desde que à entrada peçam certificados digitais aos clientes. Os casamentos e batizados, as celebrações religiosas e os eventos de empresas também passaram a poder acontecer “sem diminuição de lotação e sem necessidade de avaliação prévia de risco”, desde que decorram em “espaços adequados para o efeito”.

A resolução 135-A refere ainda que os “eventos culturais em recintos de espetáculo de natureza fixa” já não têm limites de lotação nem precisam de autorização da DGS, o que se aplica por exemplo a salas de teatro, as quais já estão desde sexta-feira a vender bilhetes para a lotação máxima e a não aplicar a regra da cadeira de intervalo entre espectadores, confirmou o Observador junto de duas salas de teatro em Lisboa.

No entanto, os eventos culturais e desportivos ao ar livre ou fora de recintos fixos continuam a ser obrigatoriamente “precedidos de avaliação de risco, pelas autoridades de saúde locais, para determinação da viabilidade e condições da sua realização”, lê-se na resolução. Esta regra foi entretanto alterada na terça-feira, por força da nova versão da orientação 028 da DGS. Em recintos fixos, “a realização de festivais ou espetáculos de natureza análoga não carece de avaliação de risco pelas autoridades de saúde locais”. Em recintos improvisados ou provisórios, sejam eles cobertos ou ao ar livre, continuará a ser exigida “avaliação de risco”.

“Há razões científicas que apontem que os eventos culturais são perigosíssimos? Ou são iguais às discotecas e aos casamentos?”, questionou Álvaro Covões. “Como é que se pode lançar um festival ou preparar um grande evento se nos arriscamos a que as autoridades de saúde à última hora o impeçam de acontecer? Imagine-se os milhares de eventos que precisam de autorização. Vai ficar tudo ao livre-arbítrio de um delegado de saúde?”

O mesmo responsável alegou que os comícios políticos da campanha eleitoral para as autárquicas de 26 de setembro não precisaram de autorização da DGS e por isso concluiu que “todos têm de ser tratados da mesma forma”.

Questionada por escrito nesta segunda-feira de manhã acerca da diferença de regras entre casamentos e eventuais culturais fora de recintos fixos, a DGS não tinha respondido até terça-feira (feriado) ao fim do dia. Por telefone, fonte oficial da DGS não precisou ao Observador qual o prazo estabelecido para que os delegados de saúde respondam aos promotores de espetáculos, porque isso depende da quantidade de solicitações e da qualidade da informação prestada pelos próprios. Disse que a resposta tende a ser “a mais rápida possível”.

Sobre os resultados dos eventos-piloto que se realizaram em abril e maio para estudar a reabertura da cultura a multidões, a mesma fonte da DGS afirmou não ter resposta imediata. A ministra da Cultura, Graça Fonseca, em entrevista ao Expresso de 24 de setembro, tinha declarado sobre os eventos-piloto: “Julgo que os dados já estarão analisados.”

Notícia atualizada às 19h07 com referências à nova versão da orientação 028 da DGS e respetivas adaptações factuais.