Foi num clima calmo, sem discussão acesa e com debate de ideias que os amigos políticos António Costa e Inês Sousa Real se sentaram à mesa para debater na TVI. A amizade, que já deu provas no passado e que mantém a esperança no futuro, não é suficiente para os critérios do secretário-geral do PS, que acusa a líder do PAN de estar “equidistante” entre PS e PSD. Sousa Real não trai ninguém antes do dia 30 de janeiro, mas sai ilesa do desafio, ao dizer que quem se tem colado aos sociais-democratas são os próprios socialistas.
O debate tinha acabado de arrancar e António Costa já levava o elogio preparado: o PAN foi “único que não contribuiu para esta crise absurda”. Entre os dois partidos tem havido um “trabalho longo”, entendimento e, continuava o candidato do PS, o partido ambientalista tem dado um “contributo muito importante para as questões ambientais e bem-estar animal”. No final, apenas a ressalva para esta última parte: “Fora alguns exageros.” As palavras de Costa demonstravam que os exageros estavam longe de serem problemáticos na relação de ambos.
Inês Sousa Real também tinha elogios — mas em causa própria — para reiterar que o PAN não tinha “contribuído para a instabilidade” e que tinha feito a leitura daquilo que o país precisava: viabilizar o Orçamento do Estado. Não chegou e o país está mesmo a preparar-se para umas eleições antecipadas. Palavras agradáveis trocadas, era a altura de debater. E a verdade é que Sousa Real e António Costa conseguiram mostrar que não têm posições iguais em tudo.
O Rendimento Básico Incondicional (RBI) é uma das bandeiras do PAN, foi levada a discussão em sede de orçamento e o PS não cedeu. Inês Sousa Real lembrou que se trata de uma prestação deve ser “atribuída a todos”, porém avançou para dizer que há outras prioridades para o partido: revisão dos escalões do IRS, ordenado mínimo, ordenado médio e descida do IRC.
Costa tomou a palavra para concordar que “foi um dos pontos” em que não se chegou a acordo, mas tinha para a troca pontos que agradam aos dois. Além de aumentos salariais, um trunfo escolhido a dedo: é preciso “focar os incentivos fiscais às empresas”, defendendo que se baixem impostos, mas para empresas com investimentos em áreas concretas, desde logo com com o chip virado para a transição climática.
O argumento valia pontos ao PS, mas Inês Sousa Real tinha para a troca (em jeito de acusação). Desta vez, apontava ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que, disse, “devia ter sido mais ambicioso nas alterações climáticas”. A líder do partido ambientalista atirou que Portugal dedica “apenas 24% do PRR” para as alterações climáticas. O número de Costa eram outro, 38%. Há uma diferença de 14 pontos percentuais, mas nada que tornasse mais negro o clima do debate. Até porque Costa prometia esclarecimentos: “No final podemos trocar os números”, disse entre risos trocados pelos dois protagonistas.
Viria ainda o tema do Aeroporto do Montijo, em que António Costa há muito tem uma posição inalterável e, na resposta, Inês Sousa Real preparou o socialista para que daqui a 30 anos pudessem visitar a zona ribeirinha de “galochas e impermeável” devido aos impactos da construção. Ainda assim, a ressalva de que talvez daqui a 30 anos ainda mantenham a relação que os une.
Por enquanto, há ainda o lítio a separá-los. Costa garantia que “nada será feito sem estudo de impacto ambiental”, dizendo que os contratos são assinados antes mas porque os promotores é que têm de pedir o estudo. Sousa Real discordava, dizendo que “há desconfiança” quando os contratos são assinados “sem estudo prévio” e sugeriu uma alteração da lei para que o parecer das autarquias locais seja “vinculativo”, até para descentralização de competências.
Discussões à parte, que um debate também se quer assim, a verdade é que António Costa e Inês Sousa Real se encontraram para falar sobre o que os une, o que os separa e acima de tudo para falar sobre posições de futuro. Se o futuro sorrir para Costa, o PAN não parece virar-lhe as costas.
Discurso revelador
António Costa (AC) – Às vezes põe-se um bocado numa posição um bocado equidistante entre a posição do PS e a do PSD e tenho dificuldade em compreender isso agora conhecendo o programa do PSD. O PSD tem duas medidas que são um enorme retrocesso, uma na área climática, que é a liberalização da plantação dos eucaliptos em Portugal, uma ameaça para a transição climática e para a segurança (…), e em segundo lugar em matéria de proteção animal, dos animais de companhia, em que o PSD quer retirá-la da tutela da Proteção da Natureza e da Floresta e devolver à Direção-geral de Veterinária. Conhece bem as razões porque retirámos essa tutela à DGAV, pela qual criámos um programa nacional de proteção do animal de companhia, e de termos criado, como a nível municipal, como se recorda…
Inês Sousa Real (ISR) – … a provedoria do animal.
AC – Da provedoria do animal, sim. Estas são duas medidas de enorme retrocesso do PSD, mantém essa equidistância?
ISR – Terei oportunidade de debater isso com Rui Rio, mas o PAN distancia-se completamente dessas opções para o país. Precisamos de uma deseucaliptização da floresta e não estarmos a liberalizar os eucaliptos, estamos completamente distantes do PSD bem como a passagem de competências para a Direção-geral de Veterinária. O PAN defende a criança de um ministério da Economia e das Alterações Climáticas para que estas criem o ritmo económico e um ministério da Biodiversidade e da Proteção animal. Mas quem votado com o PSD tem sido o PS, não tem sido o PAN. PS e PSD quando precisam de dar a mão para fazer alguns retrocessos não se inibem.
AC – Em matéria de proteção animal, nenhum, em matérias de emergência climática, nenhum.