Antes do debate começar, o aquecimento nas redes sociais dava o mote. Se Rui Rio tinha partilhado há dois dias o seu gato Zé Albino no Twitter, João Cotrim Figueiredo respondia com uma fotografia com um cão e o desafio: “Se baixarmos já o IRS às famílias, se privatizarmos a TAP e se reformarmos o SNS então cães e gatos até podem entender-se.” Não se entenderam já ali, na mesa do debate transmitido pela SIC, mas o acordo está à distância de uma dose de moderação. Cão e gato podem conviver sem dramas.

O debate foi vivo e com propostas discutidas ali mesmo à vista de todos. Foi o que aconteceu de forma mais claro sobre a taxa única de IRS proposta para IL. Rui Rio começou por arrasar, mas acabou a tirar notas embora com muitas dúvidas sobre “o tombo brutal na receita” que tal medida acarretaria. Isto quando João Cotrim Figueiredo que a taxa única que o seu partido propõe sobre os rendimentos isenta de IRS rendimentos até 700 euros.

O esclarecimento não chegava a Rio que tomara notas, sim, para questionar de seguida com o impacto na receita fiscal, já para não fala na “questão da justiça” social. E ainda trazer para o debate a proposta da IL para o IRC e a redução de 15 pontos percentuais, contraponto a proposta do PSD que concorda com uma redução “mas com moderação. Se fizermos isto à escala que a IL propõe é o descalabro orçamental”. Isto perante o liberal Cotrim Figueiredo que já antecipava a crítica e “tranquilizava” Rio sobre as suas propostas fiscais: “Como é que isto se paga? A nossa proposta de duas taxas, a caminho da taxa única de IRS custa certa de dois mil milhões de euros de receita fiscal de IRS. Mas produz crescimento económico. Por cada ponto e meio de crescimento a mais, temos quase mil milhões de recita a mais, pelo que só o crescimento económico paga metade”.

E Rio concordava, sim, “a redução de impostos produz crescimento. Acredito perfeitamente”, afirmou Rio que disse que a proposta tem “um se”, que só resulta num “padrão de normalidade”. Rio advertia que nada disto, nem “o corte do peso da despesa no produto, acontece de rompante”. Ou seja, ambos defendem a descida do IRS e do IRC, ainda que por caminhos de intensidade e ritmo bem diferentes: Rio defende a linha progressiva do imposto, Cotrim diz que é esta linha que “afasta a inteligência e a qualificação das pessoas que estão em Portugal”, enquanto proclama que a taxa única “não é uma bizarria nem uma aventura radical”.

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Privatizações: Nada fazer na CGD, mas Rio avisa que banco público “não é dogma”

Depois as privatizações e mais uma volta sobre o quão próximos estão PSD e IL. Na TAP, Rui Rio não descarta a privatização futura — o que tem assumido publicamente — e discorda do modelo de meia privatização seguido pelo Governo, dizendo que o Estado ficou com uma “criança grande e gorda nos braços”. E que agora, neste momento e com “milhões” investidos na companhia, “não pode dizer que nem mais um tostão”. Mas no futuro é isso mesmo que quer dizer. Agora é capitalizar a TAP e depois privatizar, assumiu.

Para Cotrim, é “privatizar tão cedo como possível”. E depois passa a outras empresas públicas: a RTP que significa “uma sangria completa para o contribuinte”, que, quer vejam ou não vejam, tem de “pagar na fatura”, referindo-se à taxa de audiovisual. “Não tem importância estratégica”, atirou ainda, dizendo que o “sistema pode ser contratualizado com operadores privados”. Mas aqui, Rio tem mais pudores e vê vantagens num serviço público de rádio, televisão e de agência de notícias. “São mais sóbrios e têm obrigação de ser isentos. Embora não possam acumular prejuízos. Nos últimos tempos a RTP já teve lucro, se continuar esse caminho não vejo necessidade de privatizar”, arrumou o assunto.

Ainda nas privatizações e não privatizações, há convergência sobre banco público, com ambos a considerarem que não há que mexer agora. Cotrim considera que a Caixa Geral de Depósitos “tem tido sucesso desde que foi intervencionada e obrigada a seguir regras iguais a bancos privados”. Rio concorda que o presidente foi bem escolhido (é Paulo Macedo, que foi ministro na coligação PSD-CDS) e que está capitalizada, equilibrada e não está a dar prejuízo. E pode dar dividendos ao Estado. Mas diz, em tom de aviso: “Acho que o banco público faz sentido, mas não é um dogma.”

Na base do diálogo que foi acontecendo entre os dois — ainda que sempre assinalando diferenças de tom — esteve o entendimento admitido logo ao início do debate, em que Rio disse que “com tanto socialismo em cima de nós, não é difícil convergirmos”. E Cotrim Figueiredo a puxar a brasa à sua sardinha ao afirmar que “coincidem nos diagnósticos, mas depois divergimos na falta de sentido de urgência do PSD”, já que “mexe poucochinho na Saúde e nos impostos”. Para o líder da IL, do que o líder do PSD precisa é de “rasgo” e de ter “a Iniciativa Liberal ao seu lado”, ainda que recuse que isso subentenda a negociação de lugares num eventual futuro Governo liderado pelo PSD.

A maior discórdia foi sobre o Serviço Nacional de Saúde e a Escola Pública. Cotrim defendeu a livre escola e Rio que o Estado tem um papel decisivo e obrigatório em garantir qualidade dos dois serviços. No SNS, o candidato da IL defendeu que os “prestadores possam ser de qualquer natureza e que as pessoas possam escolher, mantendo o financiamento público”. E o social-democrata que “o Estado tem obrigação de prestar serviços públicos de educação de qualidade. Se quero pôr os filhos no privado — e pus — eu pago”, atirou por fim.

Acabaram num despique no apelo ao voto e na troca de acusações sobre quem podia ajudar mais António Costa no futuro, entre sorrisos, nem aí houve bravata. Apenas uma picardia política que acabou por ser — também ela — reveladora da proximidade entre as partes (é isso momento que pode recordar já aqui em baixo no “diálogo mais revelador”).

O diálogo mais revelador

João Cotrim Figueiredo (JCF): “Portugal está numa espécie de corrida de desenvolvimento com os outros países europeus. Já viemos que com o PS estamos a andar para trás, vimos os outros a ultrapassar-nos e vai continuar; com o PSD parece que conseguimos não andar muito para trás, mas não vimos também aquela força e energia para chegar à frente, precisam da energia reformista da IL para chegar à frente do pelotão para pôr Portugal à frente.

Moderadora: Na prática, dependendo da votação que tiver no próximo dia 30 de janeiro, a IL poderá ocupar num governo do PSD a posição que era tradicionalmente ocupada pelo CDS?

Rui Rio (RR): Não quero dizer isso dessa forma, quero dizer de outra forma parecida: quer a IL, quer o CDS são parceiros com os quais o PSD facilmente se entende. Para isso é preciso que eu ganhe as eleições para ser indicado primeiro-ministro e que a direita tenha votos suficientes para fazer 116 deputados.

JCF: Façamos cada um o nosso trabalho.

Moderadora: E está disponível o João Cotrim Figueiredo para ser o número dois de Rui Rio?

JCF: Em termos pessoais não vou comentar, estou disponível para construir uma alternativa ao socialismo que nos tem desgovernado. E citando um tweet que vi recentemente e para garantir que um voto dado no Rio não vai parar ao Costa.

RR: Não vai, não. (Risos de ambos)
Clara de Sousa: Construir uma alternativa é apenas de incidência parlamentar ou mais do que isso?

JCF: Não fazemos questão de lugares, nunca nos batemos por cargos, o que interessa são as ideias. É evidente que a confiança e a determinação das pessoas que levam essas ideias à prática, conta, não nos pomos fora dessa responsabilidade, mas o essencial é que Portugal tenha um conjunto de políticas liberais que possam produzir crescimento.

RR: Esperamos é que um voto na IL não ponha o António Costa a primeiro-ministro. (Risos)

JCF: Mais depressa põe um no PSD.