No próximo dia 27 de março o Teatro Rivoli, no Porto, vai receber um “Concerto pela Paz” organizado pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC). No cartaz da iniciativa são anunciados os artistas que vão subir ao palco e no canto inferior direito pode ver-se que a Câmara Municipal do Porto apoia esta iniciativa. Mas nem todo o executivo de Rui Moreira gosta de ver a autarquia associada a uma “arma de propaganda dos ideais comunistas”. Em causa estão as posições anti-NATO do CPPC e a ausência de condenação da invasão levada a cabo pela Rússia na Ucrânia.

Ricardo Valente, vereador com o pelouro das finanças e turismo, é uma das vozes que critica abertamente as decisões do executivo que há pelo menos oito anos apoia o CPPC e cede de forma gratuita o Teatro Rivoli para a realização destes concertos. Mas o problema não são os concertos, é a entidade que os organiza, que luta “por uma paz que ninguém quer a não ser o ditador fascista Vladimir Putin”.

O Partido Comunista Português tem sido um alvo preferencial de várias críticas por causa das posições que assume em relação à invasão da Ucrânia e é precisamente por isso que Rui Moreira vê um dos seus vereadores assumir uma posição diferente daquela que é a da presidência. O liberal garante que não tem nada contra a realização deste espetáculo, mas diz que não é possível desligar-se da “instituição sem credibilidade” que o está a organizar.

Alcançar a paz no mundo, recusando a guerra, é o objetivo perseguido pela instituição cujo caminho para lá chegar vai sendo detalhado nos vários textos publicados na página que tem disponível online. No caso da escalada de tensão no leste europeu, a direção da instituição aponta o dedo aos Estados Unidos da América e à NATO que têm reforçado “ainda mais a sua presença no Leste da Europa, enviando milhares de novos efetivos e poderosos meios aéreos e navais”, intensificando a “retórica agressiva”.

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À data da publicação deste texto, de 14 de fevereiro, a CPPC não acreditava que a Rússia fosse mesmo capaz de invadir a Ucrânia, já que as “autoridades russas negavam reiteradamente” essa possibilidade. Mais certezas tinha da responsabilidade dos órgãos de comunicação social na difusão “da narrativa que melhor serve as intenções dos EUA e da NATO de cerco militar, económico e político à Rússia”. Responsáveis eram também as “autoridades ucranianas” que “violavam sucessivamente” os acordos de Minsk ao concentrarem “tropas junto às regiões russófonas do Sul e Leste da Ucrânia, as auto-denominadas repúblicas populares de Lugansk e Donetsk”, uma atitude que “antecedeu e suscitou a mobilização de meios militares da Rússia para mais próximo das suas fronteiras”.

A Constituição da República Portuguesa também é chamada para a lista de responsabilidades, uma vez que não está a ser cumprida pelo Governo de António Costa, que é acusado de ter uma “atitude de alinhamento e subserviência em frontal desrespeito pelo artigo 7.º que consagra a solução pacífica dos conflitos internacionais”.

Num conflito com uma extensa lista de culpados, a CPPC não inclui a Rússia em nenhum ponto, mas Ilda Figueiredo, vereadora comunista da Câmara Municipal do Porto, nega. Em declarações ao Observador diz que a organização a que preside “sempre criticou esta agressão”, reiterando que é “pela paz e contra a guerra” e o caminho das negociações é o único que deve ser prosseguido. Mas quando é questionada sobre se a Rússia está empenhada nestas negociações, tem menos certezas do que as que tem sobre as responsabilidades dos Estados Unidos e da NATO no escalar da tensão: “Sobre isso não me pronuncio porque não faço ideia”.

É sobre as posições de Ilda Figueiredo que Ricardo Valente tem mais a dizer e classifica a instituição liderada pela comunista como uma “arma de propaganda” de um “dos poucos partidos que é incapaz de se colocar do lado da liberdade e da democracia”. O vereador eleito pelo movimento cívico de Rui Moreira, ao qual chegou pela mão da Iniciativa Liberal, fala mesmo num “atentado e um insulto às pessoas que verdadeiramente defendem a paz”.

Na opinião do autarca este deve ser o momento em que “o mundo democrático deve traçar uma linha vermelha” e afastar-se de organizações como esta. A Ilda Figueiredo pede “vergonha na cara” e o cancelamento do concerto: “A grande vantagem da Dra. Ilda Figueiredo é que ela vive numa democracia liberal onde pode existir, mas se eu vivesse no mundo que ela defende, estaria preso”.

A Câmara Municipal do Porto recusa comentar este caso. O presidente da autarquia, que tem o pelouro da cultura, está de férias no estrangeiro e o seu chefe de gabinete recusou falar em nome dele.

Guerra antiga

Já não é a primeira vez que a maioria de Rui Moreira é beliscada pelos apoios que dá à CPPC e Ricardo Valente assumiu sempre a dianteira das críticas. Em março de 2019 a votação sobre a atribuição do apoio foi adiada e o vereador fez uma declaração de voto para criticar as posições que a associação liderada por Ilda Figueiredo tinha assumido sobre a crise na Venezuela. Catarina Araújo e Pedro Baganha também estiveram desalinhados e o próprio Rui Moreira reconheceu não simpatizar “com a visão revisionista da história” manifestada no ‘site’ do CPPC.

Na altura, para além dos apoios que têm sido dados ao longo dos últimos oito anos, a polémica subiu de tom porque a proposta apresentada pelo vereador da Educação, Fernando Paulo, incluía a “organização de exposições, palestras e debates nas escolas da rede pública do Porto”. Álvaro Almeida, vereador do PSD sem pelouro, foi um dos mais vocais ao afirmar que podia estar em causa a “doutrinação de crianças”. Rui Moreira acabou por pedir ao seu vereador que separasse os apoios à CPPC das palestras nas escolas para que as duas vertentes pudessem ser votadas separadamente. A votação acabou por nunca ser feita.

Câmara do Porto organiza concerto para angariar fundos para as vítimas da Ucrânia

Na próxima segunda-feira o executivo camarário vai levar a votação na Assembleia Municipal a realização de várias ações de solidariedade para com o povo ucraniano e entre as várias medidas está um concerto solidário para angariar fundos. À Agência Lusa a vereadora Catarina Araújo explica que o objetivo é “articular e unir todos os esforços para apoiar, dinamizar e dar condições logísticas para a materialização do socorro e entrega dos bens recolhidos para assistência”.

A campanha “Somos todos Ucrânia” prevê, para além do concerto solidário, a criação de um site para apoiar e centralizar respostas humanitárias e a recolha de bens em articulação com as juntas e uniões de freguesias, bem como com os municípios de Gaia e Matosinhos.